Por Jéferson Campos Nobre
Integrante da Comissão Especial de Redes de Computadores e Sistemas Distribuídos da Sociedade Brasileira de Computação (SBC)
A utilização massiva de smartphones conectados à internet é uma das características do momento atual. Nesse contexto, de forma alternativa a outras épocas, investigações policiais consideram o uso de dados da movimentação física dos telefones, e não somente interceptação de conversas (o que era usual no passado). Tais dados foram fundamentais para a Polícia Civil do Rio de Janeiro, liderada pelo Delegado Giniton Lages, chegar aos suspeitos de matar a vereadora Marielle Franco (PSOL) e seu motorista, Anderson Gomes. Os ex-policiais Ronnie Lessa e Élcio Vieira de Queiroz foram presos em razão da investigação realizada.
Hoje, a telefonia celular propicia a conexão direta entre pessoas, e não entre locais, como acontecia anteriormente na telefonia fixa. A questão é que essa conectividade atual é sempre mediada por Estações Rádio Base (ERBs), pontos fixos espalhados pela cidade, os quais podem ser torres de telecomunicações ou mesmo topos de prédios. O local dessas antenas é um dado público, gerenciado e regulamentado pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e por entidades municipais. Segundo a polícia, foram rastreadas em torno de 2,5 mil ERBs que estavam no trajeto de Marielle, entre a Câmara dos Vereadores do Rio e o ponto onde houve o assassinato. A privacidade dos dados de localização é protegida por lei. Mas os investigadores solicitaram ao Poder Judiciário a quebra do sigilo da comunicação por telefones celulares na região do crime.
Esses aparelhos não se comunicam constantemente com as ERBs, porém, quando são usados, é possível saber exatamente em qual ERB ele está. Além disso, é possível estimar de forma precisa a posição por meio do sinal de outras ERBs próximas, no procedimento conhecido como “triangulação”. A investigação considerou inicialmente dados de todo o trajeto de Marielle (mais de 30 mil telefones). Felizmente, conseguiu-se diminuir o número de celulares analisados graças à imagem de uma câmera de segurança próxima ao último lugar onde Marielle esteve. Nessa imagem, percebeu-se que um smartphone estava sendo usado em um carro de suspeitos. Assim, a investigação se restringiu aos telefones que estavam ativos naquela região (pouco mais de 300) e verificou-se que um deles se comunicou com os suspeitos. Cabe ressaltar que as câmeras de segurança e os dispositivos GPS no local do crime foram anulados, o que indica que houve a participação de indivíduos com conhecimentos técnicos no assassinato.
O histórico de navegação de celulares guarda informações sobre sites e buscas realizadas na internet. Esses dados só podem ser obtidos com autorização judicial, a qual é apresentada a empresas como Google e Apple. No histórico de navegação de Lessa, foram encontradas pesquisas sobre a rua onde Marielle morava, além de consultas sobre características da arma utilizada no crime. Esse histórico pode ser utilizado para demonstrar que o assassinato da vereadora foi planejado ou que, ao menos, ela estava sendo monitorada. As consultas não foram mais realizadas a partir da data do crime, o que pode indicar uma tentativa de ocultar o interesse em informações sobre a vereadora.
Conhecimentos sobre novas tecnologias para comunicação têm o potencial de impactar em investigações judiciais. Especialmente no caso em questão: como não foram encontradas provas como a arma e o carro utilizados, o uso dessas tecnologias ganha importância. Contudo, é necessária a participação de profissionais especializados para a realização desse tipo de investigação. Essa participação tem o potencial de aumentar o número de casos concluídos com sucesso. Nesse contexto, a Sociedade Brasileira de Computação (SBC) apoia eventos como o Simpósio Brasileiro de Redes de Computadores e Sistemas Distribuídos (SBRC), os quais auxiliam na formação de tais profissionais.