Coordenadora do grupo de pesquisa em mídia, discurso e análise de redes sociais (MIDIARS) da Universidade Federal de Pelotas (Ufpel), Raquel Recuero é uma das principais especialistas do país em comportamento nos meios virtuais. Atualmente, ela passa uma temporada como pesquisadora visitante no Social Media Lab, em Toronto, no Canadá, para desenvolver um projeto de análise da disseminação de notícias falsas no ciberespaço e os efeitos disso nas eleições. No Brasil, ela irá coordenar um grupo de monitoramento das publicações dos candidatos durante a campanha eleitoral e dos seus interlocutores nas redes sociais. Um dos objetivos é mensurar como e o quanto as fake news são capazes de circular entre indivíduos e de influenciar o voto, tendo como objeto de análise a eleição que tende a ser a mais desleal da história brasileira. Confira a entrevista.
Quais os parâmetros de pesquisa que vocês pretendem analisar a respeito das redes sociais nas eleições de 2018?
A gente começou com o projeto quando identificamos a polarização das conversações na mídia social. Analisando as conversações com temas políticos, o que a gente observava é que existia uma polarização. As pessoas que falam de Bolsonaro (Jair Bolsonaro, deputado do Partido Social Cristão), não falam, não citam, não retuitam e não mencionam ninguém que fala de Lula. Estávamos tentando analisar qual o efeito de uma notícia falsa nesse universo onde temos grupos que não se falam. O que temos observado é que a notícia falsa, aparentemente, não sai dessa bolha. Elas circulam ali na bolha pró-Bolsonaro, mas não chega a ir para o grupo pró-Lula. É um pouco do que estamos tentando entender, se essas notícias conseguem influenciar ou não.
Vocês observam que as pessoas se identificam apenas com as fake news alinhadas com seus candidatos?
O efeito disso é a radicalização de grupos. Vai criando uma narrativa da realidade que fala para a tua posição política, mas também radicaliza. Se eu tenho uma posição pró-esquerda, pró-Lula, e eu acho que ele é uma pessoa incrível, e a narrativa a qual eu tenho acesso vai o tempo inteiro confirmando isso, que existe uma conspiração do outro lado, isso radicaliza a minha posição. Eu encontro coisas que confirmam a minha tendência. As pessoas tendem a procurar as notícias que confirmam o que elas pensam.
E isso conquista novos adeptos? A bolha vai aumentando?
Não temos dados finais sobre isso ainda. Mas o que a gente tem visto é que não (não tem novos adeptos), ela se torna mais fechada.
A radicalização dos grupos é potencializada pela rede social ou é o indivíduo que está se transformando e indo para os extremos?
É uma pergunta difícil, como quem veio antes, o ovo ou a galinha. Na verdade, a gente não sabe se a rede social está refletindo uma tendência da sociedade. No Brasil, isso está bem claro, as pessoas ou são azuis ou são vermelhas, virou time de futebol, não existe meio-termo. A pessoa parte do pressuposto de que, se tu és de direita ou de esquerda, eu não te escuto porque tu és um imbecil. Essa radicalização está bem presente no Brasil desde 2014. Eu não sei se a mídia social potencializa isso ou se ela reflete. É uma pergunta difícil.
As bolhas são parte da radicalização do indivíduo ou elas são insufladas pelos algoritmos das redes sociais?
Já temos estudos que mostram que os algoritmos ajudam a pessoa a ficar mais na bolha. Em um teste que fizemos recentemente no YouTube, observamos que se você faz uma vez uma busca no YouTube por um vídeo contra vacinação, no caso daquela pessoas que acham que vacina causa doença e que não pode vacinar os filhos, o que o YouTube faz? Ele passa a te mostrar só vídeos anti-vacinação. A expressão que eles (pesquisadores) estão usando é “dentro do buraco do coelho”. Tu não consegues mais sair. Vai criando uma narrativa paralela onde tu não estás vendo o contraditório e parece que todo mundo pensa daquele jeito. A rede social, em termos humanos, tende à homofilia. Ou seja, os nossos amigos tendem a ser pessoas que pensam mais ou menos como a gente. E quando a gente tem ponto de discordância, costumamos não tocar neles quando estamos coletivamente interagindo. Ninguém vai sair com os amigos que são Bolsonaro e trazer o papo do Lula. Vai dar briga. As pessoas procuram os pontos de apoio. A mídia social usa esse princípio de homofilia, talvez para tentar agradar o consumidor, para que tu tenhas uma boa experiência na ferramenta, e o algoritmo vai extremando essas visões parciais. Isso reduz o impacto do jornalismo tradicional. Os jornais são puxados para dentro das bolhas dependendo do tipo de narrativa que eles fazem do fato.
Os algoritmos acabam favorecendo os sites de distorção e de fake news? O algoritmo aproxima esses sites das pessoas que estão nas bolhas, levando até elas fatos distorcidos, mas que se encaixam com o pensamento de cada usuário, certo?
Claro, porque as pessoas interagem mais, elas se enxergam ali. Isso ressoa com elas. Tende a extremar as pessoas e a espalhar desinformação.
Algoritmos ajudam a pessoa a ficar mais na bolha. Vão criando uma narrativa paralela na qual tu não estás vendo o contraditório e parece que todo mundo pensa daquele jeito.
RAQUEL RECUERO
PROFESSORA DA UFPEL
Percebe-se muito a disseminação de fake news pelo WhatsApp. Tratando de notícia falsa, qual seria a pior rede social hoje?
Na web, temos sites que se aproximam de sites jornalísticos, eles trabalham com uma apropriação da linguagem jornalística, usam as técnicas de escrita jornalista, têm a manchete, a matéria geralmente não é pessoalizada. A linguagem é jornalística, mas os sites são anônimos, ninguém sabe quem os faz e de onde vieram. E eles torcem as notícias, nem sempre as fabricam. Existe um espectro de fake news. Tem a notícia que é completamente fabricada, a notícia que é exagerada e a notícia que é distorcida, quando se pega um fato verdadeiro para juntá-lo depois com uma sequência de fatos falsos, tentando atribuir uma interpretação diferente ao fato. Nesses sites, vamos ter tudo isso e uma ou outra notícia real, verdadeira. Existe uma estratégia no sentido de tentar parecer jornalístico. Isso vai criando rumores. Como parece uma notícia de verdade, as pessoas vão dando credibilidade. Esses rumores vão se espalhando. A pessoa vê no Facebook e comenta no WhatsApp.
Há opiniões de que a extrema-direita estaria atuando com mais força e fluidez na distribuição de fake news. Concorda?
Existem indícios de que há uma atividade desproporcional da extrema-direita e que parece automatizada. Mas isso ainda está em análise. Em relação à esquerda, o que observamos é que ela tem robôs também, mas não está conseguindo ser eficiente neste sentido. É infinitamente menor do que a extrema-direita. Uma conta robô é muito inteligente, algumas delas foram criadas desde 2009. E são contas que às vezes publicam pouco, às vezes voltam à vida e publicam horrores de coisas. É difícil detectar porque o comportamento delas é muito semelhante ao comportamento de pessoas. Só que elas são extremamente monotemáticas, falam sempre do mesmo assunto. Isso não é muito humano. As pessoas costumam falar de outras coisas no meio. De vez em quando, o cara posta uma foto do que ele almoçou. São contas estranhas, com uma ação desproporcional ao número de seguidores que elas têm. O sujeito segue 50 pessoas. Isso quer dizer que ele vai receber notícias no Twitter de apenas 50 pessoas, certo? Agora imagina que esse sujeito que segue 50 pessoas, em poucos meses, teve 500 mil clicadas nos favoritos. Ele clicou 500 mil vezes no coraçãozinho do Twitter. É desproporcional em relação à quantidade de conteúdo que ele recebe. São indícios estranhos, como contas muito ativas com pouquíssimos seguidores. Ou contas muito ativas com bastante seguidores, mas todos esses seguidores são, aparentemente, bots (robôs). Mas hoje não se consegue apontar o dedo com 100% de certeza para essas contas.
E essas contas são programadas para publicarem conteúdos sozinhas, automaticamente, certo?
Sim. Todo mundo usa isso. Empresas usam, po exemplo, o TweetDeck, onde é possível programar posts. Isso é muito comum no Twitter, inclusive em contas legítimas.
Quem está por trás dos bots (robôs)?
A maior parte dessas ferramentas tem domínios registrados no Exterior, muitas vezes escondidas em IPs falsos. Você pode registrar o seu site onde você quiser. Eu posso registrar nos Estados Unidos, por exemplo. E neste registro nos Estados Unidos, eu posso proibir de mostrar qual é o IP que está redirecionando. Eu vou até os Estados Unidos, e lá está trancado. E aí não se consegue ver de onde estão saindo os dados. É muito difícil dizer de onde está saindo. Certamente quem faz esse tipo de coisa se esconde e esconde o seu rastro.
Pelas suas pesquisas, as fake news e bots são motivados por dinheiro ou por ideologia?
Temos as duas motivações. Um estudo feito nos Estados Unidos mostra que existem motivações ideológicas, mas a maior parte é puramente por motivo econômico. E muitas vezes as assessorias de um candidato contratam esses serviços para fazer o candidato ganhar visibilidade. A guerrilha de informação, no sentido de espalhar desinformação sobre um candidato político, não é nada novo. A gente observa isso há muito tempo, os partidos sempre fizeram isso no Brasil, com o uso de desinformação para tentar arruinar a reputação do seu oponente. A questão é que isso, agora, tem outro potencial, outro impacto e é muito mais disfarçado porque não conseguimos saber exatamente de onde vem aquela informação.
Sites (de fake news) torcem as notícias, nem sempre as fabricam. Como parece notícia de verdade, as pessoas vão dando credibilidade. Esses rumores se espalham. A pessoa vê no Facebook e comenta no WhatsApp.
RAQUEL RECUERO
PESQUISADORA SOBRE MÍDIA, DISCURSO E ANÁLISE DE REDES SOCIAIS
Você pesquisa há muito tempo as mídias sociais. Poucos anos atrás, as redes sociais eram consideradas agregadoras. Sempre se fala no exemplo da Primavera Árabe como um grito de liberdade. E agora tratamos do lado perverso das mídias sociais. Você se decepcionou?
Eu estudo mídia social desde 2000. Vejo muitos potenciais positivos. A mídia social dá voz para pessoas que antes não tinham voz, permite organização social. Mas ela também sempre teve um lado negativo. Há anos eu estudo a violência discursiva contra minorias na rede social, que ajuda a reforçar os estereótipos. Reforçam em muito os casos e a violência de bullying. Sempre teve esse lado, mas agora está mais em evidência porque houve uma interferência direta nas eleições americanas pela mídia social. Apesar de estarmos discutindo essa influência, não se sabe o quanto efetivamente há de influência na decisão de voto. A gente não sabe se realmente o fato de as pessoas serem expostas a fake news ou a posicionamentos extremos tem efeito na sua decisão de voto. Isso vamos ver em 2018. A mídia social sempre teve seus aspectos democrático e antidemocrático. Não exatamente me decepcionei, mas estamos vendo que as coisas não são sempre um mar de rosas como muitas vezes parece.
Existe solução para amenizar o lado nocivo das mídias sociais?
Com relação à violência, o que resolve é educação. As pessoas não têm muita noção, falam qualquer coisa porque nunca ninguém disse que não dá. Vão para o Facebook e publicam qualquer tipo de informação que pode inclusive feri-las, do tipo “estou viajando e minha casa está vazia”. Não têm bom senso, até porque as pessoas não estudaram uma alfabetização digital, sobre o que significa estar no ciberespaço e publicar informações. A educação resolve boa parte desses problemas, incluindo o da fake news. Isso tem a ver com o fato de as pessoas não saberem a que dar credibilidade. Acho que se resolve mais com educação do que com legislação. Talvez seja um pouco utópico, mas a gente precisa mostrar para as pessoas o que acontece.