
Com apenas seis unidades prisionais exclusivamente femininas no Rio Grande do Sul, cerca de mil mulheres privadas de liberdade precisam ocupar galerias ou celas separadas em presídios masculinos. Além da falta de vagas nas unidades exclusivas, a divisão dos espaços ocorre para evitar transferências das mulheres para cadeias longe da família, já que nem todas as regiões possuem penitenciárias femininas.
Em todo RS são cerca de 3,1 mil apenadas, incluindo as que estão em presídios e aquelas que são monitoradas eletronicamente.
Conforme a Lei de Execuções Penais, os presídios femininos devem ser dotados de berçário, possuir apenas agentes do sexo feminino, além de possuir salas de aulas destinadas a cursos profissionalizantes, o que se torna inviável em áreas compartilhadas.
— Na região da Serra não há nenhuma casa prisional feminina. Nós temos espaços adaptados dentro de presídios masculinos para receber essas mulheres. Há presídios que tem mais espaço, como o aqui de Caxias do Sul que tem quatro celas. Tem uma lotação que varia de 90 a 90 e poucas mulheres, mas tá interditado em 150% porque o limite é de 96 mulheres — destaca a juíza da 1ª Vara de Execuções Criminais de Caxias do Sul, Joseline Vargas.
Em fevereiro, durante uma vistoria no presídio de Vacaria, a magistrada registrou a superlotação de uma cela feminina, com 20 vagas ocupadas por 38 mulheres e apenas um banheiro à disposição. Conforme a juíza, o presídio de Vacaria chegou a 400% de lotação, com mais de 400 presos (entre homens e mulheres) para 96 vagas. Com restrições recentes, a lotação diminuiu para 278 no dia 15 de abril.

No mês de março, a Secretaria de Sistemas Penal e Socioeducativo publicou um estudo apresentando os principais dados sobre a presença de mulheres nas cadeias. A publicação afirma que o RS “ainda conta com um número significativo de mulheres recolhidas em estabelecimentos constituídos para população masculina, em diferentes regiões penitenciárias do Estado. Nesses estabelecimentos de aprisionamento misto, as mulheres são alocadas em celas, alas ou galerias distintas das destinadas aos custodiados do sexo masculino”.
O defensor público do Núcleo de Defesa em Execução Penal, Irvan Antunes Vieira Filho, afirma que a decisão de manter as mulheres em presídios mistos é um dilema frequente entre quem lida com o assunto.
— O dilema é entre deixar em grandes unidades prisionais, mas distantes da família, ou deixá-las nessa situação precarizada e em presídios mistos. A gente percebe o que seria melhor para elas, detecta que a situação não é adequada, mas as presas do sexo feminino, agrupadas em pequenos espaços dos presídios supostamente mistos, que na verdade são masculinos com puxadinhos femininos, acabam com essa preocupação de não receber visitas em outros lugares — explicou o defensor público.
Conforme dados levantados em 15 de abril, das 3.109 mulheres presas naquele dia, 889 estavam em unidades exclusivamente femininas.
- Penitenciária Estadual Feminina de Guaíba Julieta Balestro: 452 mulheres
- Presídio Estadual Feminino Madre Pelletier: 164 mulheres
- Presídio Estadual Feminino de Torres: 96 mulheres
- Instituto Penal Feminino de Porto Alegre: 71 mulheres
- Presídio Estadual Feminino de Lajeado Miguel Alcides Feldens: 50 mulheres
- Presídio Estadual Feminino de Rio Pardo: 56 mulheres

Outras 1.233 estavam vinculadas aos instituto de monitoramento eletrônico, com tornozeleira eletrônica. Isso significa que eram, na data, 987 mulheres em unidades mistas.
Os presídios mistos com mais mulheres são:
- Presídio Regional de Santa Maria: 117 mulheres
- Penitenciária Estadual de Rio Grande: 99 mulheres
- Presídio Regional de Caxias do Sul PRCS: 89 mulheres
- Presídio Estadual de Santa Rosa: 57 mulheres
Nessas quatro regiões, não existe nenhum presídio exclusivamente feminino para abrigar as detentas. Por isso, a necessidade de adaptação para não afastar a mulher da família e dificultar ainda mais a ressocialização.
— Aqui na Serra, por exemplo. Por que a gente mantém essas casas prisionais com uma cela de mulher em cada? Porque ela pelo menos continua estando próxima da família para receber visita de filho e tudo mais. O primeiro passo seria ter mais presídios femininos, casas adequadas e adaptadas para receber as mulheres — justificou Joseline.
Como há uma determinação de separação máxima entre homens e mulheres, por serem minorias nos espaços elas acabam recebendo menos atenção em questões básicas, como o banho de sol.
— Elas, por estarem em número menor na unidade, têm seus direitos relegados a um segundo plano frente à população masculina, como a oportunidade de trabalhar, às vezes no acesso ao pátio de sol têm menos tempo que os homens, tudo porque o universo delas é menor comparado ao universo masculino e às unidades específicas. Tem também as questões das peculiaridades de saúde, de maternidade — disse o defensor.
A juíza ainda acrescenta que as mulheres recebem menos visitas, o que dificulta o fornecimento daqueles materiais que, em geral, são levados por familiares.
— Normalmente as mulheres não recebem visitas, não recebem de seus familiares as sacolas com itens básicos de higiene e alimentação. Além de dividirem ambientes muito apertados, elas não têm acessos aos itens básicos, porque os presídios não vão fornecer aquela quantidade que elas estão ali dentro. Então acabam vivendo de doações da comunidade para ter acesso ao absorvente, ao papel higiênico, ao shampoo — descreveu a juíza.
Conforme dados da Polícia Penal, companheiros, companheiras e mães são os que mais visitam as mulheres presas, com percentuais de 25,44% e 25,32%, respectivamente. Filhos representam 22,50% das visitas. No caso dos homens, as visitas de companheiras e companheiros representam 56,72% do total.
“É possível afirmar que os homens recebem mais apoio de companheiros (as), enquanto as mulheres tendem a receber mais visitas de familiares próximos, como mães, filhos(as) e irmãs. Além disso, as mulheres têm uma rede de visitantes mais diversificada, incluindo amigos(as) e outros parentes, em comparação aos homens.” cita boletim do observatório do sistema prisional do RS.
Presa que não recebia visitas engravidou dentro da cadeia
Um dos principais pontos de preocupação em presídios mistos envolve o impedimento de homens e mulheres compartilharem o mesmo espaço, como determina a lei. Em novembro de 2024, uma detenta do presídio de Bento Gonçalves engravidou, mesmo sem receber visitas íntimas externas. Um processo administrativo aberto apontou que a mulher engravidou de outro preso a partir de uma relação consensual, mas que houve uma falha na segurança interna.
Conforme documento ao qual Zero Hora teve acesso, a presa e o pai da criança trabalharam juntos na cozinha. Em um dia de visita, a mulher teria sido autorizada por um agente a passar para o pátio da galeria dos trabalhadores, onde teve relações com o detento. O preso também confirmou o relacionamento e o ato sexual durante a fiscalização do Poder Judiciário na penitenciária.
Por conta da gravidez, a mulher permaneceu detida na unidade básica de saúde do presídio. Em 9 de abril, a Justiça concedeu prisão domiciliar humanitária para a mulher, por conta do “avançado estado gestacional, inclusive a iminência de realização do parto. As condições adequadas, conforme sinalizado pela parte, não seriam adequadamente prestadas no interior do cárcere”.
O que diz a Secretaria de Sistemas Penal e Socioeducativo
Zero Hora encaminhou questionamentos à Secretaria de Sistemas Penal e Socioeducativo sobre os pontos elencados pela juíza e pelo defensor público na reportagem. A secretaria se manifestou por meio de nota. Confira a íntegra:
“Com base nos dados públicos sobre o perfil das pessoas privadas de liberdade do Rio Grande do Sul, há, atualmente, uma população prisional de 49.167 pessoas. Destas, 46.042 são homens e 3.125 são mulheres.
Em relação ao número de apenadas, 1.255 estão no regime de monitoração eletrônica e 1.870 mulheres privadas de liberdade em unidades prisionais do Estado, nos regimes fechado e semiaberto.
Outro dado importante de pontuar é que, das 3.125 mulheres, 1.211 são presas provisórias, ou seja, que aguardam a sentença definitiva.
Quantidade de presas provisórias nas dez regiões penitenciárias da Polícia Penal:
1ª região: 51
- Torres - 51
2ª região: 52
- Santiago - 4
- São Francisco de Assis - 4
- Regional de Santa Maria - 44
3ª região: 82
- Modulada Ijuí - 17
- Cerro Largo - 3
- Cruz Alta - 10
- Santa Rosa - 31
- São Luiz Gonzaga - 7
- Três Passos - 2
- Santo Ângelo - 12
4ª região: 62
- Carazinho - 4
- Erechim - 4
- Espumoso - 1
- Frederico - 6
- Getúlio Vargas - 5
- Iraí - 2
- Lagoa Vermelha - 2
- Palmeira das Missões - 8
- Sarandi - 13
- Soledade - 8
- Regional de Passo Fundo - 9
5ª região: 43
- Rio Grande - 43
6ª região: 63
- Livramento - 6
- Uruguaiana - 18
- Alegrete - 2
- Dom Pedrito - 3
- Lavras do Sul - 2
- Rosário do Sul - 12
- São Borja - 2
- São Gabriel - 6
- Bagé - 12
7ª região - 89
- Bento - 10
- Guaporé - 13
- Nova Prata - 3
- Vacaria - 17
- Presídio Regional de Caxias do Sul - 46
8ª região - 44
- Feminino de Lajeado - 20
- feminino de Rio Pardo - 24
9ª região - 3
- Centro Hospitalar de Charqueadas - 3
10ª região - 322
- Madre - 81
- Guaíba - 238
- Instituto Penal - 1
- Vila Nova - 2
- Unidades Especiais - 15
- Nugesp - 15
- Monitoramento - 385"
1) Conforme a magistrada ouvida na reportagem, como não há nenhuma casa prisional feminina na Serra, os espaços são adaptados. Ela cita que Caxias do Sul tem quatro celas, com lotação de 90 mulheres e interditado em 150% da capacidade:
"Com base no detalhamento do público feminino, a Polícia Penal reconhece que há, em algumas regiões, há carência de vagas para as mulheres, sobretudo para o público prisional provisório que aguarda a sentença judicial. Essa é a realidade, por exemplo, de regiões como a Serra, que não dispõe de unidades femininas. Reconhecendo essa necessidade, em caráter de urgência, a Polícia Penal solicitou a remoção de 57 mulheres da região, atualmente recolhidas em unidades mistas, mas o pedido foi indeferido pela VEC de Caxias do Sul. Caso fosse deferido o pleito, as internas seriam transferidas para a Penitenciária Feminina de Guaíba e o Presídio Feminino Madre Pelletier, por serem unidades que recebem exclusivamente público feminino e possuírem vagas disponíveis, dentro da capacidade de engenharia as quais foram projetadas e construídas. Em Vacaria, a unidade tem 20 mulheres privadas de liberdade, sendo que 17 são provisórias."
2) A Defensoria e VEC dizem que, por serem minoria nos espaços, essas mulheres recebem menos atenção em situações como menos tempo de banho de sol e até mesmo atividades de trabalho:
"A Polícia Penal reitera que todas as pessoas privadas de liberdade recebem o mesmo tratamento penal. A instituição é formada por servidores penitenciários capacitados para atender todo o público recolhido nas unidades prisionais, sem fazer distinção. Todos os direitos assegurados na Lei de Execução Penal (LEP) são levados em consideração. O Departamento de Tratamento Penal (DTP) da Polícia Penal e o Departamento de Políticas Penais (DPP) da Secretaria de Sistemas Penal e Socioeducativo (SSPS) trabalham juntos na construção da promoção e das garantias de direito exclusivamente para as mulheres privadas de liberdade. Como ação concreta, vale citar o levantamento dos dados e o reconhecimento do perfil das mulheres presas, divulgado desde março de 2023, servindo como base para trabalhar pontualmente as necessidades em cada região onde elas se encontram. No site da SSPS, constam também duas cartilhas (Cartilha de Atenção às Mulheres Privadas de Liberdade e Egressas; e o Guia das mulheres privadas de liberdade e egressas) que os servidores penitenciários utilizam e disponibilizam para as mulheres presas."
3) Também mencionam dificuldades com itens de higiene básica, já que mulheres presas também recebem menos visitas e consequentemente menos sacolas. Juíza disse sobre uma necessidade de se coletar doações da comunidade de absorventes.
"A partir do painel divulgado em 2023, do perfil das mulheres privadas de liberdade, foi verificado que as mulheres recebem menos visitas em relação ao público masculino. Além disso, em relação a quem visita o público feminino, foi detectado que os principais são a mãe e os filhos da presa, ao passo que, do apenado, que o número principal das visitas é de sua companheira. Isso demonstra que há um problema de gênero na sociedade.
Com relação aos itens básicos de higiene, o Estado realiza o fornecimento dos materiais aos estabelecimentos prisionais, por meio de solicitações encaminhadas pelas Delegacias Penitenciárias Regionais, seguindo o fluxo estabelecido junto ao Departamento Administrativo da Polícia Penal. Em caso de insuficiência, é solicitada a suplementação, especialmente em relação à falta de absorventes.
O apoio dos familiares e das instituições voluntárias é uma prática corriqueira, tanto em estabelecimentos femininos quanto masculinos, e ocorre, principalmente, em relação aos itens não disponibilizados pelo Estado, como shampoo, condicionador, creme de pentear, etc.
Quanto ao atendimento especializado, a Polícia Penal, por meio do DTP, conta com uma divisão exclusiva responsável por fomentar, planejar e monitorar as políticas e programas voltados às mulheres privadas de liberdade e a grupos minoritários. As ações são pautadas, principalmente, pelas Diretrizes da Política Nacional de Atenção às Mulheres Privadas de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional, concretizadas por meio das metas estabelecidas no Plano Estadual de Atenção às Mulheres. Esforços vêm sendo empreendidos para implementação dessa política, inclusive nos estabelecimentos prisionais mistos."
4) Além de explicações sobre esses apontamentos, também quero saber se há planos de construção de novas cadeias femininas, principalmente nas regiões sem atendimento (Serra, Região Central, Sul e Noroeste).
"Em 2019, o Governo do RS criou uma secretaria específica para o sistema prisional, priorizando a abertura de novas unidades para diminuir o déficit do sistema prisional e garantir as condições de cumprimento da pena.
Há anos que o sistema prisional gaúcho não recebe investimento para geração de vagas no interior do Estado. Após as iniciativas de readequação dos módulos da Cadeia Pública de Porto Alegre (antigo Presídio Central) e da nova unidade de Charqueadas, o sistema prisional recebeu grandes investimentos para as unidades do interior. De 2019 até o final deste governo (2026), os recursos chegarão a R$ 1,4 bilhão, representando cerca de 12 mil vagas criadas e requalificadas.
Há a previsão de duas ampliações que atenderão o público feminino: Ijuí e Uruguaiana, com previsão de 53 vagas cada.
Além das unidades prisionais já entregues, desde 2019, há ainda mais cinco novas unidades que serão inauguradas até o final de 2026:
- Penitenciária Estadual de Caxias do Sul II e III, com 1.650 vagas: R$ 261,9 milhões;
- Penitenciária Estadual de Rio Grande II e III, com 1.710 vagas: R$ 241,6 milhões;
- Cadeia Pública de Passo Fundo, com 800 vagas: R$ 125 milhões (R$ 76,2 milhões do Estado e R$ 48,8 milhões da União);
- Penitenciária Estadual de São Borja, com 800 vagas: R$ 125,3 milhões (R$ 75,4 milhões do Estado e R$ 49,9 milhões da União);
- Cadeia Pública de Alegrete, com 286 vagas: R$ 31,6 milhões (União).
Assim como as novas casas prisionais, há a tramitação de quatro ampliações:
- Presídio Estadual de Cachoeira do Sul, 130 novas vagas: R$ 4,8 milhões (União);
- Presídio Regional de Passo Fundo, 40 novas vagas: R$ 11,5 milhões (União);
- Penitenciária Modulada Estadual de Uruguaiana, 53 novas vagas: R$ 1,3 milhão (União)
- Penitenciária Modulada Estadual de Ijuí, 53 novas vagas: R$ 1,3 milhão (União).
Todos estes esforços e investimentos demonstram a preocupação do Estado com a área, além da importância da integração das forças de segurança, que tornam o sistema penal cada vez mais eficiente.
A necessidade atual é reduzir com o déficit no sistema prisional, que tem no número de pessoas privadas de liberdade, um público majoritariamente masculino. Portanto, ainda não há previsão de novas unidades exclusivamente femininas."
5) Houve alguma conclusão da investigação daquele caso de uma detenta de Bento Gonçalves que engravidou dentro do presídio?
"A apuração do caso ainda está em andamento e, em breve, deve ser concluída."