A delação premiada que Andrew Heger Ribas, 29 anos, firmou na última quinta-feira (14) aponta que os corpos do avô Rubem Heger, 85, e da esposa dele, Marlene dos Passos Stafford Heger, 53, foram incinerados na casa onde ele vivia com a mãe, Cláudia de Almeida Heger, 51, em Canoas, na Região Metropolitana.
O casal desapareceu em 27 de fevereiro de 2022, em Cachoeirinha. Segundo o relato de Andrew, a responsável pela morte do casal seria Cláudia, que teria colocado alguma substância na comida. Ela teria manipulado o filho para ajudá-la a ocultar os cadáveres.
Mãe e filho devem passar pelo Tribunal do Júri na quarta-feira da próxima semana. Eles são acusados de duplo homicídio, com as qualificadoras de dissimulação, motivo torpe e traição, ocultação de cadáver (duas vezes), fraude processual e maus-tratos a animal doméstico, uma vez que a cachorra do casal foi encontrada morta no pátio. Cláudia ainda é acusada de desacato, e Andrew, de resistência à abordagem policial.
Segundo o advogado André Von Berg, que representa Andrew, a delação ocorreu somente agora, próximo à data do júri, porque o réu decidiu falar tudo o que sabe sobre o assunto recentemente e o processo leva tempo. Ele também havia pedido ao advogado que não recorresse à Justiça.
Ele sempre foi manipulado pela mãe. Ele era um fantoche nas mãos dela.
ANDRÉ VON BERG
Advogado de Andrew Heger Ribas
No relato ao Ministério Público (MP), Andrew contou que ajudou a mãe a transportar e queimar os corpos do avô e de sua esposa. Os cadáveres foram incinerados um a um na churrasqueira da casa onde Cláudia e o filho viviam, no bairro Niterói.
A reportagem de Zero Hora esteve nesta casa entrevistando Cláudia em 2022, três meses após as mortes. Na ocasião, ela negou qualquer tipo de envolvimento com o desparecimento do casal. Já Andrew não conversou com a reportagem durante a entrevista. Segundo a mãe, ele não se comunicava verbalmente em razão da esquizofrenia.
Laudo psiquiátrico
Em novembro de 2022, o Instituto Psiquiátrico Forense (IPF), onde Andrew segue internado, emitiu laudo no qual considerou o réu inimputável — ou seja, incapaz de compreender os atos criminosos. Por essa razão, ele permanece no instituto. Esse foi justamente um dos questionamentos da defesa de Cláudia após a divulgação da delação premiada.
Em nota divulgada na segunda-feira (18), as advogadas Thaís Comassetto Felix, Robertha Ferreira da Silva e o advogado Daniel Eduardo Cândido escreveram:
"Quanto às acusações do filho, Andrew, contra a própria mãe, Cláudia, é um descalabro o Ministério Público gaúcho entabular uma colaboração premiada em que se rifa a sorte de outro corréu com um denunciado inimputável".
Embora o Tribunal de Justiça (TJ) tenha informado na terça-feira (19) que não pode fornecer mais informações porque o processo tramita em segredo de Justiça, na segunda-feira, foi confirmado que "houve o acordo de delação premiada e ele foi homologado pelo Judiciário".
Em nota, o MP afirmou: "Após reunião do promotor de Justiça Michael Flach sobre o caso em que dois réus vão a júri dia 27 deste mês em Cachoeirinha, em que as vítimas são um casal de idosos, demais detalhes serão fornecidos pelo MPRS conforme as próximas etapas processuais. Também é aguardada decisão sobre o levantamento do sigilo decretado".
O advogado de Andrew, André Von Berg, confirma que ele segue recolhido no IPF e que o laudo de inimputabilidade é permanente. Contudo, ele diz que a delação é legalmente válida e que foi feita na presença do pai do réu. Com o recurso, ele pode conseguir redução de pena.
— Tanto pode que o juiz homologou a colaboração. Não vejo nenhum fato a comprometer o júri. O Andrew poderia ser interrogado pelo juiz e contar a mesma versão independentemente de ter celebrado um acordo de colaboração. Os réus são interrogados no plenário, na frente dos jurados. Se o Andrew sentasse na presença do juiz e contasse tudo o que sabe ele também teria redução de pena — salienta.
Nesta terça-feira, as advogadas de Cláudia informaram que se pronunciarão novamente apenas no julgamento.
Suspeitas sobre mãe e filho
Neto de Rubem, Rafael Heger conta que no dia em que o desparecimento do avô e de sua esposa foi percebido, ele foi até a casa de Cláudia, em Canoas, uma vez que ela e Andrew foram vistos saindo da casa do avô. Ele lembra que os vizinhos comentaram que um fato que chamou a atenção deles, foi o tempo que a churrasqueira permaneceu acesa, além de um mau cheiro no ar.
— Eu e um amigo fomos de moto lá para tentar saber alguma coisa. Chegando lá, falamos com os vizinhos. Eles relataram que acharam estranho que a churrasqueira da casa deles estava ligada desde domingo (27 de fevereiro) até quarta-feira de cinzas, parece, e um cheiro muito forte — recorda.
Ele diz que sempre acreditou que a responsabilidade fosse deles, pois há registros em vídeo de mãe e filho saindo da casa do avô.
— Não acho nenhuma possibilidade descartável, até pelo perfil deles. Já tem outros processos incluídos ali: a Cláudia ter forjado o próprio sequestro e o Andrew ter invadido a empresa do pai dele.
Heger se refere a um processo que Cláudia responde na Justiça referente a um falso sequestro. O caso é apontado pelo MP como fator do rompimento entre ela e o pai, e um dos motivos que teria levado ao planejamento de sua morte.
Ele também cita um episódio ocorrido em dezembro de 2016, quando Andrew invadiu a empresa do pai e fez 11 funcionários reféns, na zona norte de Porto Alegre.
— Tive de criar uma armadura para não me surpreender com nenhuma informação sobre algum tipo de brutalidade que possa aparecer. Eu nunca imaginei que iria passar isso. Que isso pudesse acontecer com meu avô, tão próximo de mim, morando a duas ruas da minha casa — lamenta o neto.
Dia do desaparecimento
Naquele domingo de Carnaval, 27 de fevereiro de 2022, Rubem e Marlene foram visitados por Claudia e Andrew — filha e neto de Rubem — em sua residência, localizada em Cachoeirinha, na Região Metropolitana. Depois deste dia, o idoso e sua esposa nunca mais foram vistos.
Câmeras de videomonitoramento registraram a chegada e a permanência dos visitantes na casa do bairro Vila Regina por mais de quatro horas. Eles foram vistos posicionando colchões em frente à garagem onde estava o carro que teria sido usado para transportar os corpos. O desaparecimento foi descoberto no mesmo dia, algumas horas depois da visita, desencadeando mobilização de familiares.
Buscas foram realizadas pela Polícia Civil para determinar o paradeiro do casal, mas eles nunca foram encontrados. A investigação concluiu que Rubem e Marlene foram assassinados. A polícia indiciou Claudia e Andrew. A Justiça determinou que eles sejam submetidos ao Tribunal do Júri no dia 27 de novembro, às 9h.