A mãe de Kerollyn Souza Ferreira, menina de nove anos encontrada morta em um contêiner de lixo de Guaíba, na Região Metropolitana de Porto Alegre, foi liberada do sistema prisional, segundo a Polícia Penal do Rio Grande do Sul.
De acordo com o órgão, Carla Carolina Abreu de Souza estava internada sob custódia no Hospital de Charqueadas, também na Região Metropolitana, de onde recebeu alta na tarde deste sábado (7). Ela é suspeita de ter responsabilidade sobre as circunstâncias que levaram à morte da filha e estava presa temporariamente desde 10 de agosto.
Após a Justiça indeferir a prorrogação da prisão temporária de Carla, ela perdeu direito à custódia ainda na sexta-feira (6), data em que a Polícia Penal considera que ela deixou o sistema prisional — ela permaneceu mais um dia na instituição hospitalar como pessoa que necessitava de atendimento médico. As razões da internação não foram informadas.
Em vez da prisão temporária, a mãe de Kerollyn enfrentará uma série de medidas cautelares impostas pela 1ª Vara Criminal da Comarca de Guaíba. Entre elas, Carla não poderá se ausentar da região da comarca sem autorização judicial e deverá comparecer mensalmente ao juízo.
Em contato neste sábado, a defesa da suspeita não quis comentar as últimas decisões judiciais. O Ministério Público do Rio Grande do Sul afirma que avalia recursos e que os outros filhos da suspeita estão com medida de proteção judicial.
Sedativo no corpo de Kerollyn
A Polícia Civil confirma que exames toxicológicos identificaram a presença de medicamento sedativo no corpo de Kerollyn. Em entrevista ao Jornal do Almoço, da RBS TV, o chefe da Polícia Civil do Rio Grande do Sul, Fernando Sodré, afirmou que os laudos resultantes da avaliação do corpo da menina apontaram que a substância clonazepam foi ingerida pela criança.
— O laudo toxicológico confirmou a presença da substância que nós conhecemos por Rivotril ou clonazepam na menina. O que não foi possível ainda, e pedimos uma segunda perícia para ver se é possível, é dosar o clonazepam — explica Sodré.
De acordo com a bula do Rivotril, medicamento à base de clonazepam, a substância "pertence à classe dos benzodiazepínicos, medicamentos que causam inibição leve do sistema nervoso, com consequente ação anticonvulsivante, sedativa leve, relaxante muscular e tranquilizante".
Em depoimento à Polícia Civil, a mãe de Kerollyn já teria comentado que supostamente deu clonazepam à filha. Segundo a suspeita, ela própria também teria ingerido a substância no dia em que o corpo da criança foi encontrado.
Ainda restam as conclusões de duas perícias: uma, para estimar o horário aproximado da morte de Kerollyn; outra, para identificar de quem são as impressões digitais encontradas em um calçado tamanho 34 encontrado ao lado do corpo da criança.
— Nós estamos com a convicção de que ela foi colocada ali dentro (do contêiner), e não de que ela caiu ali dentro. Então é esse detalhe que tá faltando — diz Sodré.
Relembre o caso
A morte de Kerollyn completa um mês na próxima segunda-feira (9). O caso está sob sigilo no Tribunal de Justiça (TJ) "por medida de segurança" após a detecção de acessos indevidos aos autos do processo por usuários do sistema que não atuam no caso.
O corpo de Kerollyn foi encontrado por um reciclador dentro de um contêiner de lixo no bairro Cohab, em Guaíba, Região Metropolitana de Porto Alegre, de acordo com a Brigada Militar (BM). Na época, não foram encontrados sinais de violência aparentes no corpo da vítima, conforme a perícia.
A mãe da menina, Carla Carolina Abreu Souza, foi presa temporariamente no dia 10 de agosto, um dia após o corpo ter sido encontrado. Segundo a Polícia Civil, ela é suspeita de responsabilidade sobre as circunstâncias que levaram à morte da filha.
Em depoimento à polícia, Carla teria dito que deu um sedativo sem prescrição médica à menina horas antes de Kerollyn ter sido encontrada morta dentro do contêiner de lixo. De acordo com a investigação, a criança teria ingerido um grama de clonazepam, além de ter recebido a medicação risperidona (com prescrição).
A investigada afirmou em depoimento que também teria ingerido clonazepam e que tanto ela quanto a filha foram dormir momentos depois, segundo a Polícia Civil. A suspeita ainda teria dito que acordou por volta de 7h, viu que a menina não estava em casa, tomou mais medicamento e voltou a dormir.
A mulher também teria afirmado à polícia, de acordo com a investigação, que já agrediu a filha com uma escumadeira — espécie de colher de metal. Nesse episódio, Kerollyn chegou a ser levada para o hospital por uma lesão na cabeça, supostamente por consequência de um tombo de bicicleta, mas que, após investigação, apurou-se ter sido causada pela mãe.
Uma vizinha, mãe de um colega de escola de Kerollyn, afirmou, em entrevista à RBS TV, ter supostamente acionado o Conselho Tutelar "mais de 20 vezes" para falar sobre a situação da criança. Segundo a dona de casa Fernanda Cardoso, a menina pedia carinho e comida aos vizinhos.
— Eu liguei mais de 20 vezes, eu pedi por favor para eles resolverem. Eu mandava foto da criança, mandava tudo. A criança na chuva pedindo. Ela vivia na minha porta pedindo. Pedia água, pedia abraço, pedia beijo —relatou.
Em nota, o Conselho Tutelar de Guaíba alegou que estava "acompanhando e colaborando com as autoridades competentes", mas que não poderia fornecer detalhes adicionais sobre o andamento das investigações.
Ao menos outros três vizinhos denunciaram o caso ao Conselho Tutelar do município. Segundo eles, a mãe gritava e ofendia Kerollyn frequentemente. Uma das mulheres afirma ter ouvido um pedido de socorro, que seria da menina, ao passar pela frente da residência da família. Os relatos dão conta de que a criança ainda cuidava de irmãos menores.
O pai de Kerollyn, Matheus Ferreira, disse ter ficado sabendo através de vizinhos que a filha supostamente dormia na rua.
— A guria dormia na rua, a guria comia comida do lixo, os vizinhos me falaram. Era uma situação que eu não estava sabendo, não estava por dentro do que estava acontecendo — afirma Matheus.
Kerollyn morava com a mãe e os irmãos em Guaíba. O pai vive em Santa Catarina. A filha chegou a morar com ele nos primeiros meses de vida e aos sete anos. Contudo, a criança voltou para a casa da mãe.