A Polícia Civil concluiu a investigação sobre uma suspeita de abuso sexual que teria ocorrido durante confraternização de funcionários da bancada do PT da Assembleia Legislativa, em um sítio na zona sul de Porto Alegre.
O homem apontado como suspeito, Gilson Alberto dos Santos Gruginskie, foi indiciado pela 1ª Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) de Porto Alegre por estupro.
Ariane Chagas Leitão, que foi secretária estadual de Políticas para Mulheres no último governo do PT no RS, alegou ter sido atacada por Gruginskie que, à época, atuava na bancada do PT. O fato teria ocorrido em dezembro de 2022. Em setembro de 2023, Ariane formalizou o relato do caso à direção do PT e, em novembro, ao Ministério Público Estadual, que solicitou abertura de inquérito à Deam.
Gruginskie, que atuava na bancada do partido quando as suspeitas passaram a ser apuradas, foi exonerado. Ele também teve a filiação suspensa enquanto o PT apurava o assunto em um procedimento disciplinar na Comissão de Ética. Em janeiro deste ano, quando a apuração deveria ser concluída, houve decisão de suspender o procedimento para esperar a investigação "por autoridades competentes". A presidente estadual do PT, Juçara Dutra Vieira, disse que vão "esperar a decisão judicial pela gravidade da acusação".
— Esse assédio no trabalho é muito parecido com a violência doméstica. É perverso, o agressor está perto, não tem espaço para se fazer uma denúncia de forma segura. Quando contei a superiores e a dirigentes mulheres, o que ouvi foram frases como: "Bá, que coisa", "não sei o que te dizer nessa hora", "tira um ano sabático" e "faz concurso e sai da política". Quem me falou essas coisas vai recordar — conta Ariane.
Na conclusão do inquérito, foi dado destaque ao relato de Ariane e também ao fato de outras mulheres terem dado depoimento na mesma linha, alegando terem sofrido abuso ou assédio por parte de Gruginskie: "Cumpre ressaltar que a palavra da vítima tem especial valoração em crimes sexuais e, in casu, conforme a própria prova pericial, sua palavra é sólida no que se refere à violência sofrida, bem como está em consonância com os relatos de outras testemunhas que também narraram situações de abusos e assédios sexuais, com o mesmo modus operandi, o que denota o perfil contumaz do suspeito, que se vale de sua importante posição de liderança dentro do partido para subjugar mulheres que se encontram em situação de maior vulnerabilidade ou inferioridade hierárquica".
Sobre o dia em que teria ocorrido o fato, ela diz que chegou mais tarde ao encontro de colegas e, por isso, fez parte do último grupo a sair do local.
— Mas logo que cheguei, ele já veio perguntar se eu podia dar carona. Eu disse que tudo bem. Mas ele repetiu várias vezes isso ao longo das horas. Acabamos sendo os últimos a sair e foi quando aconteceu. Foram segundos de pânico. Eu me desvencilhei. E ainda dei a carona, queria me livrar daquilo. No trajeto, ele fez tentativas e falava obscenidades. No dia seguinte, vomitei, tive diarreia. Contei para minha mãe. Saí de férias. Comecei a ficar doente, mas não ligava os sintomas ao que tinha passado — recorda a ex-assessora parlamentar.
Ariane sustenta que levou o assunto a superiores ao retornar de férias, em fevereiro do ano passado.
— Depois que fiz a denúncia de assédio sexual, eu ainda não falava em estupro, me disseram que meu cargo expirava em seis meses. Que eu devia ir para casa me tratar. Como vítima, cheguei a pensar que seria bom, que estavam deixando eu me tratar. Mas agora não vejo como melhor encaminhamento mandar a pessoa para casa e dizer que em seis meses estará sem emprego. Ninguém se ofereceu para ir denunciar comigo ou ofereceu um advogado, nada — analisa Ariane.
Ela acabou se desfiliando do PT em abril deste ano, depois de mais de 20 anos de atuação:
— Sou uma vítima de violência política, pois depois que denunciei as violências sexuais, passei de vítima a culpada. Fui acusada de expor o partido. Fui exonerada do cargo na Assembleia, ou seja, fui punida por denunciar, perdi meu plano de saúde, perdi mais de 40% da minha renda, fiquei vivendo do benefício de saúde, perdi tudo. Fui execrada na comissão de ética do partido.
Um dos elementos que Ariane usou sustentar o seu adoecimento físico e mental como consequência do fato foi um laudo de 38 páginas de uma perícia psicológica.
— É recorrente a dificuldade de comprovação dos crimes sexuais por conta da forma que acontecem, às escondidas, em ambientes fechados, sem testemunhas. Essa questão da vítima não ter uma reação enérgica é justamente o que ocorre nos crimes sexuais. As pessoas se paralisam com a violência sexual sofrida. E essa imobilidade muitas vezes se perpetua. Muitas não denunciam. É importante mostrar o quanto sofrer violência sexual é difícil e o quanto é preciso dar valor à palavra da vítima — destaca Rubia Abs da Cruz, mestre em Direitos Humanos e uma das advogadas de Ariane.
A presidente estadual do PT explicou que, assim que o partido tomou conhecimento do relato de Ariane, foram adotadas as medidas necessárias e adequadas:
— O assunto foi considerado pertinente para ser acolhido. O partido está sendo presidido por uma feminista, que tem publicações sobre as lutas femininas, o partido tem compromisso com essa causa e não poderia ser diferente.
Conforme Juçara, no mesmo dia em que o relato de Ariane foi lido em reunião da Comissão Executiva Estadual (em 18 de setembro), já foram determinadas providências: o caso foi submetido à comissão de ética, que abriu apuração em 18 de outubro, foi votada a suspensão da filiação do suspeito, a vítima foi chamada para escuta e acolhimento e o caso foi levado ao MP Estadual.
— Fizemos o que entendemos ser o politicamente mais adequado e o legalmente mais conveniente — afirmou a presidente.
O partido informou que Gruginskie segue com a filiação suspensa e que, no momento, não ocupa cargo público pelo PT.
O inquérito foi remetido à Justiça e será apreciado pelo Ministério Público, que poderá realizar ou solicitar novas diligências, oferecer denúncia ou pedir o arquivamento do caso.
Contraponto
O que dizem Daniel Achutti, Fernanda Osorio e Fernando Nerung, advogados de Gilson Alberto dos Santos Gruginskie:
"A defesa do Sr. Gilson Gruginskie esclarece que a conclusão do procedimento investigatório, que não observa o contraditório e possui importantes limitações ao exercício do direito de defesa, reflete uma visão restrita e parcial do caso, inclusive de forma contrária às evidências produzidas até este momento. No âmbito do processo judicial, com a necessária observação dos direitos e garantias assegurados pela Constituição, seguramente será reconhecido que os fatos a ele imputados nunca ocorreram.
Reitera, por fim, que a presunção de inocência é um princípio civilizatório e normativo que estabelece que ninguém pode ser tratado como culpado por antecipação, independentemente da natureza do ilícito penal que lhe seja atribuído, devendo ser plenamente observado, tanto pela grande mídia, quanto por particulares em suas redes sociais".