Ao longo dos últimos seis anos, os pais de Isadora Viana Costa, encontrada morta em maio de 2018, em Imbituba, Santa Catarina, amarguram uma onda de sentimentos. Em meio ao luto e o vazio, há o medo de que a memória da filha se apague com o tempo. O temor se materializa em momentos cotidianos. Foi assim há dois anos, quando o cachorrinho da família, que costumava dormir nos pés da jovem, morreu. Nesta semana, uma ação realizada em Santa Maria, na Região Central, trouxe certo alento ao drama da família. A Procuradoria Especial da Mulher, na Câmara de Vereadores, que, entre outras atividades, atende vítimas de violência doméstica, agora carrega o nome da modelo gaúcha.
— A nossa filha vai ser sempre lembrada quando alguém chegar na Procuradoria, para procurar seus diretos, fazer denúncias e falar sobre a violência contra a mulher. Queríamos ver o nome da Isadora na porta de um consultório, em trabalhos científicos, ou num local de show, de música. Mas isso não foi possível. Foi tirado isso de nós e principalmente dela. Mas essa homenagem está diretamente ligada à memória da nossa filha — diz o pai, Rogério Froner Costa, 56 anos.
Após a perda da jovem, a família criou o movimento “Justiça para Isadora”. Três meses depois da morte, realizaram uma manifestação em Santa Maria, onde já alertavam para o feminicídio. Uma das preocupações era justamente fazer com o que caso se tornasse um símbolo de luta contra a violência de gênero que atinge as mulheres. A vereadora Marina Callegaro (PT), que já acompanhava os anseios da família, procurou os pais da modelo para sugerir a homenagem. Ainda que o fato não tenha acontecido em Santa Maria, gerou comoção no município, e isso foi um dos fatores levado em conta pela parlamentar.
— Dentro desse contexto, sabendo da luta da família, pedindo, clamando por justiça, nasceu a ideia também de trazer o nome dela para uma marca histórica. A Procuradoria, que é um órgão que acolhe mulheres, é o lugar mais adequado. A Isadora representa outras mulheres, tantas outras vítimas de feminicídio. É um símbolo de luta de resistência — afirma Marina.
A Procuradoria Especial da Mulher Isadora Viana da Costa tem, entre outras finalidades, acolher vítimas de violência e propor o debate e fortalecimento das políticas públicas na área. O espaço também recebe denúncias e orienta mulheres.
— Temos que continuar essa luta, e cada vez mais estimular outros espaços, como câmaras municipais a ter Procuradorias, para que a gente fortaleça o enfrentamento e a defesa dos direitos das mulheres. Para que cada vez mais as futuras gerações não precisam passar por essas situações. Para que nenhuma mulher sofra nenhum tipo de violência e, principalmente, o feminicídio, que é o ápice da violência contra a mulher. E é irreversível. Onde a única coisa que resta para afamilia é clamar por justiça — ressalta a vereadora.
Esta não é a primeira homenagem recebida pela família, em nome da modelo. No ano passado, na 16º Santa Maria Vídeo e Cinema foi entregue o Prêmio Isadora Viana Costa para o documentário Terra de Mulheres, por ser uma obra audiovisual voltada à promoção dos direitos das mulheres e o combate à violência de gênero. Rogério e a mãe de Isadora, Cibelle Viana Costa, 54, entregaram o troféu às premiadas.
— A gente tem tanta saudade. Era uma menina maravilhosa. Minha filha nasceu para viver, ser feliz, era belíssima, modelo. Tinha alegria de viver. Mas foi brutalmente tirada do nosso convívio terreno. Agora o nome dela está sendo usado para ajudar outras mulheres — desabafa o pai.
À espera de júri
Isadora, que vivia com a família em Santa Maria, de onde era natural, morreu durante a primeira visita que fazia ao namorado, Paulo Odilon Xisto Filho. O homem alegou na época que a namorada sofreu lesões provocadas por uma queda, mas o laudo de necropsia apontou que ela foi agredida. Réu por homicídio qualificado, inclusive pelo feminicídio, ele chegou a ser preso, mas atualmente responde em liberdade. A defesa nega que ele tenha assassinado a jovem.
Em novembro de 2022, o Supremo Tribunal Federal (STF) negou o pedido de absolvição do oficial de cartório e decidiu que o réu deveria ir a júri. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina já havia negado a absolvição do réu antes do julgamento popular. O processo ainda aguarda o agendamento da data do júri. A expectativa dos familiares de Isadora é de que a sessão ocorra ainda no segundo semestre deste ano, e traga um desfecho para o caso.
A história terrena da Isadora não foi encerrada. Ninguém pode se apropriar disso. Tentamos fazer desse caso uma luta pelos direitos das mulheres. O nosso propósito de preservar a memória da Isadora está sendo alcançado
ROGÉRIO FRONER COSTA
Pai de Isadora
— Tivemos poucas alegrias depois disso. A vida muda muito. Os dias têm sido duros e intermináveis. É uma chaga no peito da gente, que nunca vai cicatrizar. Queremos a justiça para a nossa filha, que nos foi ceifada de forma covarde. Queremos que esse réu vá para a cadeia, e queremos a preservação da memória da nossa filha. A história terrena da Isadora não foi encerrada. Ninguém pode se apropriar disso. Tentamos fazer desse caso uma luta pelos direitos das mulheres. O nosso propósito de preservar a memória da Isadora está sendo alcançado — conclui o pai.
De acordo com a denúncia do Ministério Público, Paulo Odilon teria matado Isadora por motivo fútil. A acusação afirma que, após acreditar que o namorado havia sofrido uma overdose, Isadora acionou a irmã dele. Ainda conforme o MP, o oficial de cartório revoltou-se, pois esconderia da família ser usuário de drogas. Paulo teria ficado furioso. Praticante de artes marciais, o homem teria desferido socos, chutes e joelhadas contra o abdômen da modelo, que não resistiu.
Embora o laudo pericial oficial aponte que a morte de Isadora tenha ocorrido em razão de lesões abdominais, a defesa do réu nega essa versão. Em nota, o advogado do réu, Aury Lopes Jr, mantém a mesma posição, de que não houve feminicídio e de que a jovem faleceu por conta de uma overdose.
Confira a nota da defesa na íntegra:
“O advogado Aury Lopes Jr, responsável pela defesa de Paulo Xisto Filho, ressalta que não existe crime de feminicídio, pois o acusado nunca agrediu a Isadora. A causa da morte foi overdose, um fato triste e lamentável, conforme vasta prova produzida no processo e que ainda não terminou. Todas as homenagens são legítimas, mas não a título de um crime que não ocorreu.”
Como acessar a Procuradoria
É possível entrar em contato por telefone ou e-mail para agendar atendimento ou ir diretamente até a Procuradoria Especial da Mulher.
- Telefone: (055) 3220-7200
- E-mail: procuradoriadamulher@camara-sm.rs.gov.br
- Horário: segunda a quinta-feira das 8h às 12h e das 13h30min às 17h30min e sexta-feira das 7h30min às 13h30min.
- Endereço: Rua Vale Machado, nº 1415, Centro, Santa Maria
Prevenção ao feminicídio
- Se estiver sofrendo violência psicológica, moral ou mesmo física, busque ajuda imediatamente. Não espere a violência evoluir. Converse com familiares, procure unidades de saúde, centros de referência da mulher ou a polícia. É possível acessar a Delegacia Online da Mulher
- Caso saiba que alguma mulher está sofrendo violência doméstica, avise a polícia. No caso da lesão corporal, independe da vontade da vítima registrar contra o agressor, dado a gravidade desse tipo de crime
- Se estiver em risco, procure um local seguro. Em Porto Alegre, por exemplo, há três casas aptas a receberem mulheres vítimas de violência doméstica
- Siga todas as orientações repassadas pela polícia ou pelo órgão onde buscar ajuda (Ministério Público, Defensoria Pública, Judiciário)
- No caso da lesão corporal, o exame pericial para comprovar as agressões é essencial para dar seguimento ao processo criminal contra o agressor. Procure realizar o procedimento o mais rápido possível
- Caso passe por atendimento em alguma unidade de saúde, é possível solicitar um atestado médico que descreva as lesões provocadas
- Reúna todas as provas que tiver contra o agressor, como prints de conversas no telefone. No caso das mensagens, é importante que apareça a data do recebimento
- Se tiver medida protetiva, mantenha consigo os contatos principais para pedir ajuda. A Brigada Militar mantém em pelo menos 114 municípios unidades da Patrulha Maria da Penha que fiscalizam o cumprimento da medida
- Se tiver medida protetiva e o agressor descumprir, comunique a polícia. É possível acionar a Brigada Militar, pelo 190, ou mesmo registrar o descumprimento por meio da Delegacia Online. Descumprimento de medida pode levar o agressor à prisão
Fonte: Polícia Civil e Poder Judiciário do RS
Onde pedir ajuda
Brigada Militar
- Telefone — 190
- Horário — 24 horas
- Serviço — atende emergências envolvendo violência doméstica em todos os municípios. Para as vítimas que já possuem medida protetiva, há a Patrulha Maria da Penha da BM, que fiscaliza o cumprimento. Patrulheiros fazem visitas periódicas à mulher e mantêm contato por telefone
Polícia Civil
- Endereço — Delegacia da Mulher de Porto Alegre (Rua Professor Freitas e Castro, junto ao Palácio da Polícia), bairro Azenha. As ocorrências também podem ser registradas em outras delegacias. Há 23 DPs especializadas no Estado
- Telefone — (51) 3288-2173 ou 3288-2327 ou 3288-2172 ou 197 (emergências)
- Horário — 24 horas
- Serviço — registra ocorrências envolvendo violência contra mulheres, investiga os casos, pode solicitar a prisão do agressor, solicita medida protetiva para a vítima e encaminha para a rede de atendimento (abrigamentos, centros de referência, perícias, Defensoria Pública, entre outros serviços)