"Estão pagando R$ 15 mil para colocar fogo no teu estabelecimento". A ameaça está gravada em um vídeo que chegou ao conhecimento da Polícia Civil de Canoas. Na imagem, um criminoso, que não mostra o rosto, manuseia uma arma de alto poder de fogo, um fuzil de calibre 556. O bandido, segundo a polícia, faz parte de uma facção que extorquia comerciantes e profissionais do sexo no município da Região Metropolitana. O grupo é alvo de uma operação na manhã desta terça-feira (23).
O vídeo é uma das provas que a polícia obteve ao longo dos últimos meses ao investigar a organização criminosa. Na gravação, o bandido ameaça o proprietário de uma loja de veículos, caso ele não aceite pagar uma espécie de “pedágio do crime”.
"Canoas é tudo com nós. Entendeu, meu irmão? Atende o telefone ou sofre 556 em ti, na tua casa, nos teus familiar, na tua loja, em tudo", insiste o autor das ameaças.
Ao todo, são cumpridas durante a operação 44 ordens judiciais, entre elas cinco mandados de prisão temporária e 14 mandados de busca e apreensão. Há ainda três sequestros de bens e 22 bloqueios de contas bancárias. Os crimes pelos quais o grupo é investigado são tráfico de drogas, extorsão e associação criminosa. Até as 8h20min, havia cinco presos.
Segundo a polícia, também foram apreendidos um carro, uma motocicleta e uma pistola de calibre 9 milímetros, além de documentos e celulares que devem ser analisados pela investigação. Uma adolescente, de 17 anos, foi localizada dentro do motel. A polícia encaminhou a jovem à Delegacia de Polícia, onde foi realizado registro por favorecimento da prostituição.
A investigação se iniciou em novembro do ano passado, quando chegou ao conhecimento da polícia um caso do proprietário de um motel, na área central de Canoas, que estava sendo constrangido por um grupo criminoso a deixar o controle do estabelecimento. Segundo a polícia, os criminosos inicialmente tomaram os pontos de prostituição nas proximidades, de onde passaram a cobrar taxas dos profissionais do sexo para permitir que atuassem ali.
Depois disso, os traficantes teriam ampliado a área de atuação e decidido tomar o controle do motel. O proprietário acabou sendo pressionado, segundo a polícia, a deixar o local onde atuava havia três décadas. A polícia estima que o proprietário teve um prejuízo de cerca de R$ 500 mil ao precisar abandonar o controle do estabelecimento.
— O objetivo deles com isso era poder cobrar a taxa das profissionais do sexo e também lucrar com a atividade neste motel. Além disso, eles passaram a extorquir clientes — explica a delegada Luciane Bertoletti, titular da da 3ª Delegacia de Polícia de Canoas.
Extorsões
Segundo a polícia, como possuem controle sobre as pessoas que atuam na prostituição, os criminosos começaram a explorar outro tipo de crime: a extorsão de clientes.
— Essa facção age de diversas formas, uma delas extorquindo vítimas que procuram serviços sexuais e depois, após esses encontros, eles entram em contato extorquindo, ameaçando, constrangendo, dizendo que a pessoa para não ser exposta deve depositar determinado valor — diz a delegada.
Num dos casos registrados, o homem precisou pagar R$ 20 mil aos criminosos para que não fossem enviados a sua família imagens dele ingressando no motel com uma prostituta.
— Se as vítimas não pagassem os valores seriam expostas para as famílias, para os amigos no meio social e no meio profissional — diz a delegada.
Num outro caso investigado, o alvo dos bandidos foi uma travesti que se prostituía na mesma região. Segundo a Polícia Civil, ao se negar a obedecer às ordens do grupo criminoso e pagar as taxas cobradas pelos programas ela acabou sendo alvo de uma tentativa de homicídio, no fim do ano passado. A vítima foi alvejada por disparos de arma de fogo, no meio da rua.
Ainda conforme a polícia, o grupo fazia ameaças a outros donos de estabelecimentos no entorno e chegava a depredar comércios.
— A finalidade com isso é garantir a hegemonia do território, com o controle da exploração sexual e do tráfico de drogas naquele local — diz a delegada.
Segundo o delegado Cristiano Reschke, diretor da 2ª Delegacia de Polícia Regional Metropolitana, a Polícia Civil está atenta a diversificação das atividades ilícitas pelos grupos criminosos e um dos intuitos das investigações é justamente responsabilizar os mentores desses crimes.
— Os fatos apurados são graves, afligem dezenas de vítimas, empresários, que literalmente perdem seus negócios e investimentos para o crime, que se apropria dos estabelecimentos, expulsa os trabalhadores e passa a auferir os lucros do negócio. Trata-se de forte esquema voltado à lavagem de dinheiro, baseado na extorsão e no tráfico de drogas — diz o policial.
Um dos investigados é um detento, que segundo a polícia, teria coordenado as extorsões de dentro do sistema prisional. Em 2020, o criminoso esteve entre um dos que foi encaminhado para o sistema penitenciário federal, durante a Operação Império da Lei. Atualmente, estava mantido no Complexo Prisional de Canoas, mas recentemente teve concedida a prisão domiciliar humanitária.
— Não nos surpreende mas é digno de nota o fato de que o esquema criminoso era coordenado de dentro do sistema prisional, por homem condenado a 89 anos por série de crimes hediondos. Esse mesmo indivíduo recebeu a benesse da liberdade humanitária para fazer cirurgia no pulso e até o momento não temos notícia de seu paradeiro pois não está no endereço informado a justiça — afirma Reschke.