A Corregedoria da Polícia Civil afirmou, em coletiva de imprensa na manhã desta sexta-feira (12), que um policial civil confessou ter efetuado disparos que resultaram na morte do adolescente João Vitor Macedo, 15 anos, no dia 28 de março, na zona leste de Porto Alegre. Num primeiro momento, o delegado Rafael Sobreiro destacou que existiam "fortes indícios" da participação do policial. Depois, confirmou que ele admitiu envolvimento.
— Falei, no início, que tinha um indicativo muito forte de autoria, né? Por que utilizei esse termo e não falei que a gente tem a autoria definida? A autoria definida, a gente vai ter com a conclusão da investigação, né? Então, no momento, a gente tem um indicativo muito forte. A gente tem ele (policial) no local, a gente tem a palavra dele. Inclusive confessando, né? — afirma o corregedor.
Segundo Sobreiro, é preciso apurar exatamente em que contexto aconteceram os disparos.
— Vocês compreendem que uma coisa é alguém matar alguém porque está executando. Uma coisa, é alguém matar alguém porque tá agindo em legítima defesa. Uma coisa é matar porque acha que está sofrendo um risco, mas na verdade não está. E uma coisa é a pessoa matar alguém por engano, né? Então tudo isso é o que ainda depende, tá? Então essa é a questão, por isso eu não disse claramente que a gente tem uma autoria — explicou Sobreiro.
Segundo a corregedoria, cerca de 15 pessoas foram ouvidas — algumas mais de uma vez —, câmeras são analisadas e perícias solicitadas. As equipes também foram ao local do crime para entender o cenário. O inquérito deve ser concluído num prazo de 60 a 90 dias para entender o contexto.
— A gente está apurando as circunstâncias em que o crime ocorreu, a investigação não serve apenas para dizer quem praticou o ato, mas especialmente para dizer porque, com o que, em que condições. Quais as circunstâncias em que o evento foi praticado — afirmou o delegado.
Com a investigação ainda em andamento, o agente foi afastado das atividades de rua, mas permanece na ativa da corporação.
— Ele foi retirado do serviço de rua e por vontade própria procurou atendimento psicológico e psiquiátrico, está em tratamento por 10 dias e após será lotado em um setor administrativo, porque ele realmente está muito abalado com o que aconteceu — justificou o delegado Cleber Lima, diretor do Departamento de Polícia Metropolitana.
Ao longo da coletiva, foi questionado por qual motivo o policial não prestou socorro ao adolescente. Por considerar detalhes de investigação, os delegados não responderam.
— Tudo depende da circunstância do evento. Por isso essa é a importância da investigação, entender o que ocorreu e como ocorreu. Mas em tese, nas condições normais, o policial deve socorrer. Não há dúvida, né? O policial é uma garantia social, né? Ele é um protetor social, né? A nossa missão é proteger a sociedade, mas em tese, né? Porque depende da circunstâncias em que isso ocorre — disse Sobreiro.
A corregedoria também confirmou que antes do disparo o policial estava atuando no atendimento de outro fato próximo e que os eventos podem estar relacionados. Não foi informado quem estava na viatura com ele.
— Existe uma versão, em que ele estava, vamos dizer, acompanhado. Enfim, que ele estava atuando numa ocorrência, né? E isso é o que a gente tá verificando — respondeu.
Relembre o caso
João Vitor Macedo, 15 anos, vivia com a avó paterna, no bairro Agronomia, na zona leste de Porto Alegre. Na noite de 28 de março, ele foi encontrado ferido no Beco dos Marianos. Encaminhado ao Hospital de Pronto Socorro, o adolescente não resistiu.
A Polícia Civil identificou a viatura do Departamento de Polícia Metropolitana e os agentes que estariam envolvidos na ação. Um dos indícios analisados é vídeo obtido por meio de câmeras de segurança de estabelecimento perto de onde João Vitor foi morto. Até o momento, as imagens das câmeras não chegaram a ser divulgadas pela investigação, mas a polícia confirmou a existência da gravação.
As imagens teriam registrado cenas de João Vitor e outro adolescente correndo na Avenida Bento Gonçalves, indo ao Beco dos Marianos, e de viatura seguindo na mesma direção, com o giroflex ligado. Algum tempo depois, o outro garoto retorna correndo e o veículo da Polícia Civil deixa o beco.
Neste momento, João Vitor já teria sido baleado — ele foi socorrido mais tarde por populares e levado ao hospital.
O adolescente, segundo a família, sofreu três paradas cardíacas e não resistiu. Com pedidos de justiça, na manhã da terça-feira (2), parentes e amigos realizaram protesto e fecharam a Avenida Bento Gonçalves. Foi quando o caso se tornou público.
João Vitor cresceu no bairro Ipanema, na zona sul de Porto Alegre, e, segundo a família, estava residindo temporariamente com a avó na Zona Leste. O adolescente havia estudado até o sexto ano e interrompido os estudos. O corpo dele foi enterrado no Cemitério Jardim da Paz.
“Preciso de respostas”, diz mãe de adolescente
Juliana Lopes Macedo, 34 anos, mãe do adolescente, conta ter ouvido que o disparo havia sido efetuado pela polícia. Familiares contaram que o próprio João Vitor havia repetido, no trajeto até a casa de saúde, que tinha sido baleado “pela Civil”. A mãe afirma que sua primeira reação foi duvidar dessa possibilidade.
— Quando me contaram isso no hospital, eu disse:“Não foi a Civil. Eles não fariam isso”. E segui dizendo que não. Pensava: “Deve ter sido um carro comum, atirou e João achou que era a Policia Civil”. Por isso ele dizia que era a polícia. Tinha aquela ideia de que nunca fariam isso — afirma Juliana.
A mãe relata que foi mudando o entendimento sobre o que pode ter acontecido com o filho nos dias seguintes, após ouvir o adolescente que garantiu estar na companhia de João Vitor quando ele foi baleado e também após imagens de câmeras, que mostram a viatura ingressando no Beco dos Marianos, serem obtidas em um estabelecimento.
O outro garoto contou que ele e João Vitor correram ao verem a viatura e entraram no beco, fugindo da polícia. A mãe diz que o filho já havia cumprido medida socioeducativa e acredita que, em razão disso, ele tenha escapado correndo. Depois disso, João Vitor teria sido baleado no peito, enquanto o outro conseguiu escapar.
— Vamos dizer que eles tivessem feito um gesto brusco, e por isso o policial atirou. Se não foram eles que atiraram, por que fugiram sem prestar socorro? Por que não chamaram os colegas? Se ele tivesse sido socorrido, tudo poderia ser diferente. Se eles me dissessem: “Socorremos, mas ele morreu a caminho do hospital”. Ou se estivesse fazendo qualquer coisa errada, que fosse abordado, que fosse cumprir medida. Existiam tantas possibilidades. Mas não atirar e ir embora, deixar ele ali — desabafa.
— Preciso de respostas, preciso saber o que vai acontecer com esses policiais. Eles é que deveriam nos proteger. Nada vai trazer meu filho de volta. Não estou buscando mídia. O protesto foi a forma que encontrei de me ouvirem. Não quero que isso aconteça com outras pessoas. Procuro justiça. E vou até o fim pedindo isso — diz a mãe.