Nove testemunhas estão previstas para serem ouvidas durante o julgamento pelo assassinato do menino Miguel dos Santos Rodrigues, de sete anos, no Litoral Norte. O júri da mãe e da madrasta ocorre a partir desta quinta-feira (4) em Tramandaí – o crime teria ocorrido em Imbé. Yasmin Vaz dos Santos Rodrigues, 28, e a então companheira dela, Bruna Nathiele Porto da Rosa, 26, estão presas, suspeitas de terem matado a criança em julho de 2021. A expectativa é de que o julgamento se estenda por até dois dias.
Das testemunhas, três foram indicadas pelo Ministério Público, responsável pela acusação contra as rés. O delegado da Polícia Civil Antônio Carlos Ractz Júnior deve ser o primeiro a ser ouvido. O policial, que na época do desaparecimento de Miguel era titular da Delegacia de Imbé, coordenou a investigação do caso. Ao longo da investigação, concluiu que o menino foi vítima de tortura, homicídio e ocultação de cadáver. O corpo do garoto nunca foi encontrado, apesar de os bombeiros terem estendido as buscas ao longo de 48 dias.
O depoimento de Ractz foi um dos mais longos durante a fase do processo. O delegado relatou que foi informado ainda na noite de 29 de julho de 2021 sobre o caso. Uma policial civil alertou o delegado ao desconfiar da aparente frieza e tranquilidade de Yasmin ao relatar o sumiço do filho. A mãe afirmava que o garoto havia desaparecido dois dias antes da pousada onde eles viviam, na área central de Imbé.
— A gente ainda não sabia a dimensão do caso — disse o policial ao narrar os desdobramentos daquela noite, que culminariam com a conclusão de que Miguel havia sido morto e arremessado nas águas do Rio Tramandaí.
Em seu depoimento à Justiça, o delegado reafirmou o entendimento de que as duas decidiram matar o menino porque enxergavam a criança como “um estorvo” para o relacionamento. Miguel teria sido submetido a torturas, como ser obrigado a ler frases depreciativas escritas em cadernos, ser privado de alimentação e de lazer, ser mantido em ambiente insalubre e trancado num armário. Um poço de luz na pousada teria sido usado para manter o menino trancado.
Ainda segundo o policial, as agressões contra Miguel teriam se intensificado nos últimos dias antes da morte. Além dos maus-tratos, o menino teria sido espancado, dopado e depois colocado numa mala de viagem. O material genético do garoto foi encontrado nesta mala, que foi usado numa lixeira no trajeto que teria sido usado pela mãe e pela madrasta.
Outras testemunhas
Além do delegado, o Ministério Público ouvirá dois policiais que participaram do atendimento da ocorrência. Na fase do processo, foram ouvidos sete policiais civis e militares. Todos relataram que Yasmin parecia tranquila, quando relatou o desaparecimento do filho. Sobre Bruna, os policiais relataram que ela pouco falou. A madrasta teria dito ainda na delegacia de Tramandaí “menino mala, menino rio”, o que acabou chamando a atenção.
Pelas defesas, estão previstas seis testemunhas, entre elas familiares e amigos das rés. Também serão ouvidas as proprietárias das duas pousadas nas quais Yasmin e Bruna moraram com Miguel no período em que viveram em Imbé. A primeira delas é uma idosa, que dias após o crime contou a GZH que a criança viveu no local por cerca de três meses. No período em que esteve ali, o menino permanecia tanto tempo trancado que a proprietária sugeriu à mãe que deixasse o garoto pegar um pouco de sol. A idosa relatou nunca ter ouvido gritos ou qualquer pedido de socorro por parte de Miguel.
Interrogatórios e defesa
As rés também serão interrogadas durante o julgamento. Na fase da instrução do processo, somente Bruna optou por falar sobre o caso e Yasmin permaneceu em silêncio. Bruna disse que, antes da morte, Miguel teria sido intensamente agredido pela mãe, o que explica inclusive uma marca na parede do quarto da pousada onde os três viviam. O depoimento da madrasta durou cerca de 50 minutos nessa fase anterior. Agora a expectativa é que as duas apresentem suas versões. Uma possibilidade é as rés optarem por responder somente as perguntas das defesas, e não as da acusação.
A defesa de Yasmin não pretende pedir a absolvição da mãe pelo crime, pelo contrário. Segundo a advogada Thais Constantin, o intuito é permitir que os jurados analisem as provas periciais, que constam no processo, e que julguem a mãe com base nisso.
— Nossa bancada trabalhará para que o Conselho de Sentença decida por sua livre convicção, baseada no olhar crítico sobre cada prova que integra os autos. Da mesma forma, demonstrar que o conteúdo probatório se calçou na confissão de Yasmin, deixando de analisar a compatibilidade de suas declarações com as provas periciais formalizadas pelo Instituto-Geral de Perícias. Confiamos que, ao final deste julgamento, os jurados afastados da pressão social condenem Yasmin, na medida dos atos por ela efetivamente praticados — sustenta a defesa.
Responsável pela defesa de Bruna, o advogado Ueslei Boeira afirma que pretende demonstrar no plenário que a madrasta não foi a responsável direta pela morte do menino.
— É um processo extenso e que estamos buscando em cada detalhe trabalhar em uma defesa técnica e esclarecedora, dando voz a Bruna, para que o Conselho de Sentença possa julgar dentro da realidade dos fatos e conforme as provas que há processo, de acordo com suas consciências, e que possam decidir, caso entendam pela culpa ou inocência da Bruna. Portanto, buscaremos demonstrar que a Bruna não concorreu diretamente ao resultado. Esperamos que seja um julgamento justo e respeitoso para todas as partes — afirma o criminalista.
Os crimes
As rés serão julgadas por homicídio triplamente qualificado, tortura e ocultação de cadáver. As qualificadoras são motivo torpe, meio cruel e recurso que dificultou a vítima. Além das agravantes de crime cometido contra menor de 14 anos, e para Yasmin contra descendente.
O júri
- Quem presidirá o júri é o juiz Gilberto Pinto Fontoura, titular da 1ª Vara Criminal de Tramandaí.
- A acusação será feita pelo promotor de Justiça André Tarouco, que acompanha o caso desde o início, e pela promotora de Justiça Karine Teixeira, designada pelo Núcleo de Apoio ao Júri do Ministério Público.
- A previsão de duração do julgamento é de dois dias.
- A sessão está marcada para se iniciar às 9h, no Fórum de Tramandaí, com transmissão ao vivo.
- O primeiro passo é o sorteio dos sete jurados, que vão decidir se as rés são culpadas ou não pelos crimes.
- Logo depois, iniciam-se as oitivas das nove testemunhas, pelas de acusação, e posteriormente as de defesa.
- Depois disso, serão interrogadas as rés. As duas podem optar por permanecer em silêncio ou mesmo responder somente as perguntas das defesas.
- Após essa fase, iniciam-se os debates entre acusação e defesa. Na primeira etapa, cada parte, a acusação e as duas defesas juntas terão até duas horas e meia. Logo depois, vem a réplica de até duas horas e a tréplica, de mesmo tempo.
- Por fim, os jurados se reúnem e definem se as rés são culpadas ou inocentes dos crimes dos quais são acusadas.
- Após a votação, cabe ao juiz, em caso de condenação, definir quais as pena que serão aplicadas nas rés.