Em meio ao velório de Sarah Silva Domingues, 28 anos, a sensação era de perda de uma referência. A estudante era como ponto de apoio tanto para colegas quanto professores dentro da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre.
Prestes a se formar, Sarah fazia uma pesquisa de campo na Ilha das Flores, na última terça-feira (23), quando foi atingida por tiros disparados por dois homens que passaram em uma moto pelo local. O ataque ocorreu por volta das 19h30min, quando ela estava em frente a um mercadinho na Rua do Pescador.
Conforme a Polícia Civil, Sarah não tinha qualquer ligação com o mundo do crime. O alvo da ação que a vitimou seria o dono do estabelecimento, Valdir dos Santos Pereira, 53 anos, segundo a polícia. Ele também foi baleado e não resistiu. A polícia apura a motivação e os responsáveis pela ação.
A despedida da jovem, no auditório do prédio da Faculdade de Arquitetura da UFRGS, reuniu centenas de amigos e colegas. Entre eles, o professor José Carlos Freitas Lemos, 60 anos, que falou sobre a atuação da jovem dentro do curso.
— Era uma referência para colegas e para nós professores também, porque ela fazia um papel de interlocução com alunos. Era uma liderança, nos ajudou demais nos últimos anos. Participava de todas as atividades políticas imagináveis. E tornou a linha de arquitetura social seu foco de desempenho acadêmico — relata Lemos.
Em seu TCC, a jovem pretendia apontar soluções para problemas que o Estado enfrenta atualmente, relacionados aos danos e perdas causados por fortes chuvas. No estudo, ela indicaria o que se pode fazer para ajudar populações que vivem em condição de vulnerabilidade na região do Arquipélago, na Capital.
Conforme o professor, o tema da arquitetura social vem ganhando força entre estudantes nos últimos anos, e Sarah era uma das maiores entusiastas dentro da faculdade.
— A arquitetura é uma área ainda muito elitizada, poucas pessoas podem pagar por esse serviço. Quando a gente pensa essa profissão de forma social, se busca olhar para o coletivo, para pessoas menos desfavorecidas, vulneráveis socialmente. Há ainda uma dificuldade muito grande, até um menosprezo a essa linha. Era a isso que Sarah se dedicava.
Jovem convenceu amigo a entrar na faculdade
Bastante emocionado durante o velório da amiga, Nicolas Torres, 21 anos, conta que foi Sarah que o influenciou a entrar na faculdade. Ela era insistente e puxava esse assunto quase diariamente, lembra Torres.
O jovem se preparava para contar à amiga que havia conseguido uma vaga no curso de Saúde Coletiva da UFRGS, quando soube da morte. Torres começará os estudos neste ano.
— Eu vi a lista do Sisu na madrugada de terça para quarta. Como já estava tarde, deixei para falar com ela na quarta de manhã, aí veio a notícia (do assassinato). Sinto que é uma responsabilidade que ela me deixa, de continuar transformando a universidade em um lugar que é de todos.
Os dois se conheceram há alguns anos, em uma palestra que Torres foi assistir na UFRGS, evento que Sarah estava organizando na faculdade de Arquitetura. Desde então, passaram a conversar sobre uma possível retomada de estudos e a vida acadêmica.
— Ela me ajudou na vaquinha para pagar a taxa de inscrição do vestibular, me apoiou muito. Ficava todo dia me "beliscando", falando para eu entrar logo na universidade. Me guiou muito nesse caminho, sempre deu o empurrão. Ela falava muito sobre o acesso à universidade, de ser um espaço para todos. Era cotista, entendia muito o valor dessas lutas — conta.
De família humilde, Sarah nasceu em Cotia, na região metropolitana de São Paulo. Se mudou para Porto Alegre em 2015, após passar no vestibular. Na Capital, morou na casa do estudante e passou a se destacar em movimentos estudantis e de lutas por direitos.
Após o velório na UFRGS, o corpo da jovem seria transladado para a cidade natal em São Paulo, onde ela será sepultada. A mãe e a irmã vieram ao RS na terça para acompanhar os trâmites e o velório na Capital. Ela deixa também dois irmãos (um deles gêmeo) e uma irmã, além do namorado, amigos e colegas.