Artistas de diversas expressões, ciclistas, representantes de organizações e ativistas pelos direitos das mulheres realizaram, na noite desta sexta-feira (12) — em Porto Alegre e outras cidades do mundo — mobilização em razão do assassinato da artista circense venezuelana Julieta Hernández, 38 anos, no Amazonas. O crime ocorreu no final de dezembro e repercutiu no Brasil e no Exterior.
Em Porto Alegre, a atividade emoldurada em atmosfera de protesto e expressão cultural congregou diversas organizações em um ato composto por pedalada, apresentações artísticas e manifestação por direitos.
— A atividade de artista circense, de palhaço, é uma atividade que depende da possibilidade de trabalhar na rua, nas sinaleiras, nas praças. São locais onde existe fluxo de pessoas que assistem e contribuem com valores que formam a remuneração do artista. Precisamos de uma lei que proteja esta atividade, que traga direitos e segurança aos artistas — defendeu a presidente da Associação de Circo do Rio Grande do Sul (Circo Sul), Consuelo Vallandro.
Ela destacou que uma frente de mobilização articula junto ao setor público discussão sobre o tema. A questão dos direitos esteve no centro das manifestações. "Não nos matem, Não nos matem", entoavam em parceria as vozes femininas e masculinas presentes no Largo Zumbi dos Palmares, na Cidade Baixa, ambiente escolhido para a concentração dos participantes.
Um palco sobre o concreto do cenário público da Capital usualmente elegido para atos e encontros foi improvisado para as intervenções. Ao final de cada fala, ouvia-se as palavras de ordem em alusão à homenageada: "Julieta, presente".
— Ser artista na rua atrai muito preconceito. Para as mulheres, isso se potencializa. Existe uma falsa impressão entre os preconceituosos de que aquela mulher está disponível, aberta a todo tipo de abordagem ou proposta. A atividade, que traz alegria para muitos, exige um tipo de cuidado que não deveria ser necessário se houvesse respeito entre a sociedade — pontuou a artista circense Genifer Gerhardt.
Entre quem esteve na atividade, o nariz vermelho, proeminente e arredondado, era um dos principais acessórios. Identificava os pares da artista estrangeira assassinada no norte do país. Em meio a tantas faces coloridas, porém mais sóbrias do que o habitual, um grupo que costuma levar alegria a pacientes em hospitais expressava sua indignação.
— Comove e traz grande inconformidade deparar com um crime tão brutal cometido contra uma pessoa que tinha como escolha e missão trazer alegria para outras pessoas. É significativo ver que tantas pessoas reservaram um tempo de suas vidas para estar aqui e mostrar que este tipo de violência é inaceitável e que ninguém está sozinho — definiu a diretora da ONG Esquadrão da Alegria, Bruna Coelho.
O grupo realiza suas apresentações em instituições como a Santa Casa de Misericórdia, o Instituto de Cardiologia e o Hospital Ernesto Dorneles. Depois da pedalada, que percorreu ruas e avenidas da região central, os participantes retornaram ao Largo Zumbi dos Palmares para apresentações artísticas.
O crime
Julieta Hernández atuava em cidades amazonenses com objetivo de juntar recursos para retornar ao seu país de origem. Ela desapareceu no dia 23 de dezembro, quando viajava de bicicleta e fez parada em Presidente Figueiredo, município localizado 125 quilômetros ao norte de Manaus.
Segundo a Polícia Civil do Amazonas, o corpo da artista foi encontrado em 5 de janeiro, enterrado em uma cova rasa, no terreno de uma pousada, onde ela decidiu passar a noite. O casal, proprietário do estabelecimento, confessou o crime, segundo a Secretaria da Segurança Pública do Amazonas.
Ser artista na rua atrai muito preconceito. Para as mulheres, isso se potencializa. Existe uma falsa impressão entre os preconceituosos de que aquela mulher está disponível, aberta a todo tipo de abordagem ou proposta.
GENIFER GERHARDT
Artista circense
Julieta fazia parte do grupo de artistas e ciclo-viajantes "Pé Vermei". Ela estava no Brasil desde 2015 e atuava também como palhaça no Circo di SóLadies. A artista havia saído de bicicleta do Rio de Janeiro e planejava chegar a Puerto Ordaz, em seu país.
No trajeto, ela dormia em casas de outros artistas ou pousadas. Em Presidente Figueiredo, acabou se acomodando na pousada onde foi assassinada.
De acordo com as apurações, na noite de 23 de dezembro ela dormia em uma rede, na varanda da pousada, quando o dono, um homem de 32 anos, a rendeu com uma faca. Segundo a polícia, o suspeito havia usado crack e a obrigou a fazer sexo oral.
Em seguida, pediu à sua companheira que amarrasse seus pés e a estuprou. A namorada dele ficou com ciúmes e teria lançado álcool nos dois, ateando fogo nela. Mesmo sendo atingido pelas chamas, o homem atacou a artista e a matou com uma gravata. O corpo foi enterrado a 15 metros da casa.
A descoberta
A polícia de João Figueiredo desvendou o caso depois que um morador das redondezas viu partes da bicicleta próximas ao local onde estava enterrado o cadáver. Ele relacionou o achado às notícias divulgadas sobre o desaparecimento da artista e procurou as autoridades.
O casal foi abordado e acabou apontando onde estava o corpo. O cadáver estava com pés e mãos amarradas. O homem e a mulher foram presos em flagrante. Em audiência de custódia, a Justiça acatou pedido da Polícia Civil de João Figueiredo e decretou a prisão preventiva de ambos.
O inquérito apontou os crimes de estupro e homicídio duplamente qualificado, por motivo torpe e emprego de meio cruel. Eles responderão também pelos furtos da bicicleta e de um celular da vítima. Até este domingo, os suspeitos não tinham advogado constituído para suas defesas.