Um dos momentos mais marcantes do júri dos réus pela morte de três pessoas da mesma família após discussão de trânsito em 2020, no bairro Lami, em Porto Alegre, ocorreu durante a tarde desta segunda-feira (11). A sobrevivente do caso, namorada de uma das vítimas, trouxe detalhes daquele dia, em um relato repleto de pausas e emoção.
São julgados mãe e filho, os réus Neuza Regina Bitencourt Vidaletti e Dionatha Bitencourt Vidaletti. O júri que começou na manhã desta segunda deve se estender até a terça-feira (12), quando estão previstos os debates entre Ministério Público (MP) e defesa.
Em janeiro de 2020, Dionatha teria disparado e matado Rafael Zanetti Silva, a esposa, Fabiana da Silveira Innocente Silva, e o primogênito Gabriel. As mortes ocorreram em uma discussão após uma acidente de trânsito entre vítimas e os réus. Durante o bate-boca, a namorada de Gabriel, que tinha 18 anos na ocasião, e o irmão do jovem, então com oito anos, permaneceram no carro da família. Dali, viram o desenrolar do caso.
— No começo, ficaram discutindo. Lembro que Rafael disse para (os réus) ficarem calmos porque ele trabalhava consertando carros, que ele podia arrumar o veículo. Em seguida apareceu alguém com uma arma, não lembro quem estava com ela no primeiro momento, mas lembro de duas pessoas (os réus) no meio da rua tentando tirar a arma um do outro, discutindo sobre a arma.
Depois, segundo a jovem, Gabriel teria dito para a mãe, Fabiana, voltar e ficar no carro. Ela lembra que a sogra retornou ao veículo, pegou o celular e ligou para a Brigada Militar. Depois, foi novamente para perto do marido e filho.
— Daí o homem (Dionatha) atirou nos três. Só vi eles caindo em sequência, enfileirados. O Rafa, a Fabi e o Gabriel, não lembro quem caiu primeiro. Logo que deu os tiros, eu entrei em pânico e saí do carro por um segundo e voltei — diz ela, que afirmou ter ficado com medo de também ser baleada.
Ela lembra que o filho caçula do casal morto estava ao seu lado no veículo:
— Ficou em choque, dentro do carro, apavorado. Não falou nada, mas viu tudo. Quando (os réus) entraram no carro e foram embora, eu desci e ele veio atrás de mim. Ele foi para perto dos pais, que já estavam mortos, ficou abaixado junto aos corpos. Eu fui até o Gabriel, que estava vivo, mas não conseguia dizer nada.
Segundo a sobrevivente, depois que os réus fugiram do local, pessoas que moravam na região prestaram socorro, trazendo panos para estancar o sangue de Gabriel, que estava vivo, e lençol para tapar os corpos do casal.
A jovem relatou que, quando saiu do carro, ligou para um amigo de Gabriel, que mora perto do local e que ele chegou rapidamente. Depois, diz que também ligou para o seu pai, que a buscou:
— Falei para eles virem que estava todo mundo morto. O amigo do Gabriel assumiu meu lugar estancando o sangue dele. Depois eu soube que ele morreu na ambulância a caminho do hospital.
De acordo com o relato, naquele dia, ela e a família do namorado saíram de um aniversário e estavam indo para casa. Ela contou que, em um trecho do caminho, no bairro Lami, o Aircross no qual estavam colidiu com a Ecosport dos réus, que estava estacionada. Rafael não parou para prestar contas sobre o acidente, o que teria deixado Dionatha inconformado. Ele, então, passou a perseguir a família, acompanhado por Neuza.
— Eu, Gabriel e Fabi pedimos para ele parar, mas o Rafael não respondeu nada. Depois, eu olhei para trás e vi o carro nos seguindo, ele nos alcançou. Aí o Gabriel puxou o freio de mão e paramos. Os três saíram do carro, mas eu e o irmão mais novo ficamos ali dentro.
Família do jovem a "tratava como filha", diz sobrevivente
A jovem também falou sobre a relação que mantinha com Gabriel e a família do namorado. Os dois estavam juntos havia cerca de três anos. Segundo ela, a família era tranquila e não tinha "comportamento agressivo".
— Me tratavam como filha. Eu recém tinha feito 18 anos e eles fizeram uma festa surpresa para mim, na casa deles. Conheci o (filho mais novo) quando ele tinha quatro anos, vi ele crescer — diz ela, afirmando que o menino, hoje com 11 anos, mudou-se para São Paulo e vive com familiares.
Ao responder perguntas de promotores, a jovem disse que "em momento algum" viu outra arma na cena do crime que não fosse a do réu, e também não viu agressão física entre os que participaram da discussão.
Hoje, com 22 anos, ela afirma que recebe atendimento psicológico uma vez por semana. Por um ano após o crime, diz que fazia três sessões semanais. Seis meses após o fato, a sobrevivente conta que perdeu o pai, em razão da covid-19. Atualmente, cursa Psicologia.
Questionada pela promotora Lúcia Helena Callegari se "conseguiu reconstruir a vida", disse:
— Estou tentando.
Vigilante e vizinha foram ouvidos
Nesta tarde, também deram depoimentos outras duas testemunhas de acusação. A pedido delas, a transmissão ao vivo foi interrompida durante as falas.
Primeiro falou uma mulher que morava perto do local do crime e teria assistido a cena. Ela estaria a cerca de 60 metros de onde ocorreram os tiros, mas afirmou que pode ver a ação. Segundo ela, o primeiro alvo dos disparos foi Fabiana. A mulher disse ter ido até as vítimas depois que viu que o atirador fugir do local.
— A maneira que eu vi, os corpos no chão e depois ver a criança, me marcou muito. Fiquei meses com medo até de sair na rua. Tenho medo, trauma disso até hoje. A gente não sabe do que as pessoas são capazes — disse.
Na sequência, foi ouvido um vigilante que estava trabalhando em uma guarita a cerca de 30 metros do local. Ele disse que viu um homem com arma na mão, que teria gritado para os demais não se aproximarem. Disse que ouviu "cinco ou seis tiros" e se protegeu na guarita.
— Depois, (o atirador) entrou no carro e saiu dali. Quando ele arrancou o veículo, eu vi uma criança no meio da confusão, até então não tinha visto. Fui prestar socorro a ela. Me aproximei, cheguei e vi aquela cena, todo mundo no chão. A criança só tremia, eu fiquei dias sem dormir. (O menino) caminhava de um lado para o outro, não sabia para onde ir. Olhava um pouco para o pai, olhava um pouco para a mãe, um pouco para o irmão — lembra o vigilante.
Ele afirma que, ao perceber que a criança estaria em segurança, retornou para a guarita para ligar para a Brigada Militar.