Os avós paternos de Alice Beatriz Rodrigues, responsáveis por organizar a festa de aniversário da bebê, foram ouvidos na manhã desta quinta-feira (23), durante o julgamento de cinco réus pelo assassinato da menina e de seus pais em Porto Alegre. Douglas Araújo da Silva, 29 anos, e Sabrine Panes Rodrigues, 24, foram executados a tiros junto da filha, em setembro de 2018, na saída da comemoração de um aninho da criança.
São julgados Maycon Azevedo da Silva, 28 anos, Leandro Martins Machado, 33, Nícolas Teixeira da Rosa, 28, Anderson Boeira Barreto, 31, e Michel Renan Bragé de Oliveira, 26. Os cinco negam envolvimento na execução da família. Dos réus, quatro estão presos e Leandro continua foragido. Há ainda um sexto réu, também preso, que responde em processo separado, sem previsão de julgamento.
O avô paterno, um vendedor de 56 anos, foi o primeiro dos dois a falar durante o julgamento. Assim como a esposa, ele usa uma camiseta que foi produzida para a festa de um aninho da neta.
— Parece que foi hoje. Como se fosse agora — resumiu o avô no início do depoimento.
A comemoração foi realizada num salão de festas da Zona Norte — o crime aconteceu logo após os pais e a filha deixarem o local em um veículo. O carro foi perseguido, interceptado e alvejado por mais de 50 disparos de fuzil e pistola. Os disparos chegaram a ser ouvidos pelos familiares.
— Meu telefone tocou dizendo que tinham assassinado minha família toda. Eu não acreditei. A gente estava num aniversário, tinha doce, balão. E eles matam com tiro de fuzil. Até hoje não entendo. Me dá uma dor. E terrível o que eles fizeram — descreveu o avô.
O promotor de Justiça Octavio Cordeiro Noronha indagou sobre o passado de Douglas, que chegou a ser preso por envolvimento com tráfico de drogas. O pai confirmou o histórico, mas afirmou não saber se o filho tinha envolvimento com facção. Douglas chegou a usar tornozeleira eletrônica, mas estava foragido, por ter rompido o equipamento, quando o crime aconteceu. Segundo a acusação, o crime foi cometido por criminosos rivais.
— Minha vida é um inferno. Me mudo toda hora. Não tem como não ter medo. São perigosos. Tenho medo mesmo, eu e minha mulher — desabafou.
Quando foi questionado por uma das defesas sobre o local onde reside atualmente, o avô se exaltou:
— Estou com medo, suando. É desnecessária essa pergunta. Estou tremendo. Como não vou ter medo? Eles mataram uma bebê.
O juiz Marcos Braga Salgado Martins interveio, pedindo que ele informasse somente se residia no mesmo local ainda. O avô respondeu que não. O depoimento foi encerrado logo depois, cerca de 20 minutos após se iniciar, e o avô se sentou na plateia, ainda trêmulo.
“Eu sobrevivo”, diz avó
Logo após, passou a ser ouvida a esposa dele, mãe de Douglas, e avó paterna de Alice. A mulher de 52 anos confirmou que foi ela quem decidiu fazer a festinha para a neta.
— A gente nunca imaginou que iriam para uma festa matar um bebê. A minha mãe ia no carro junto e na hora desistiu. A avó do Douglas. A mãe desistiu de ir, ela ia morrer junto. Me arrependo. Imagina. Mataram uma bebezinha, que nem caminhava — disse.
Sobre o envolvimento do filho com o crime, a mãe confirmou que ele havia sido preso por tráfico, mas negou que tivesse algum histórico de homicídio.
— Eles me mataram junto com meu filho e com a minha neta. Eu sobrevivo. Eu acho que eles queriam matar todo mundo. Podiam ter pego o Douglas sozinho. Ele esteve no carro guardando brinquedos da festa. Eu vivo porque tenho que viver — desabafou.
Um dos jurados indagou a avó se a barriga de Sabrine, da segunda gravidez, já era visível quando ela foi assassinada, e ela confirmou.
— Sim, ela estava com quase cinco meses, era uma menina, tinha até nome — afirmou.
“Recebi minha filha e minhas netas dentro de um caixão”
Primeira testemunha a ser ouvida, a avó materna falou num depoimento que durou cerca de 10 minutos. Ao ser questionada pelo Ministério Público, afirmou que não queria estar ali relembrando o caso, em razão do abalo gerado pela perda. Sabrine e a filha Alice residiam na casa dela na época do crime.
—Ela saiu de casa de manhã, me despedi dela (da Sabrine). E recebi minha filha e minhas netas dentro de um caixão —disse, sobre o fato de que a filha também estava grávida.
A avó disse que não compareceu à festa de aniversário e que no momento em que o crime aconteceu estava na igreja, em um culto. A mãe de Sabrine afirmou que não tinha conhecimento sobre o envolvimento de Douglas com o crime organizado.
— Eu vim saber realmente quando eu vi minha filha morta. Até então eu não sabia — disse.
Na sequência, foi dado início ao testemunho de uma perita, que analisou os áudios obtidos durante a investigação. A perita solicitou à Justiça prestar depoimento sem a presença dos réus.
“Havia conversas nos celulares sobre a execução da família”, diz delegado
Responsável pela investigação do crime, o delegado Cassiano Cabral, que atualmente está no Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), detalhou como se deu a apuração do caso. Naquele domingo à noite, quando a família foi morta, o policial foi até o local da execução.
— Foi um fato muito marcante pra mim. Uma família inteira ter sido executada, e especialmente uma criança de um ano de idade, saindo do seu aniversário. Ela ainda estava com a fantasia (de Minnie), a roupinha que ela usava na festa. Foi um local difícil de fazer, que sensibiliza qualquer um — relatou.
Segundo o delegado, a polícia logo desconfiou de que as vítimas tivessem sido monitoradas e perseguidas, dada a proximidade do local do crime e do salão de festas onde havia ocorrido a comemoração. Ainda conforme Cabral, a polícia recebeu informações sobre a suspeita de participação de Michel Renan Bragé, que integrava uma facção com berço no bairro Bom Jesus, na zona leste da Capital.
Uma prisão realizada pela Polícia Civil, segundo o delegado, na qual foram apreendidos celulares, foi essencial para a identificação dos envolvidos.
— Havia conversas nos celulares sobre a execução da família. Do Maycon (Maycon Azevedo da Silva) com o Romarinho (Emerson Alex dos Santos Vieira). Esse homicídio partiu de dentro da cadeia, a mando do Romarinho. A partir daí, identificamos os envolvimentos de outros indivíduos. Foram todos eles identificados, e fica muito clara a participação. O Maycon encaminha fotos dele com armas, já vestido para o ataque — disse o delegado.
Ainda conforme o policial, a investigação constatou que Douglas chegou a trocar tiros com os executores, e que a arma usada por ele teria sido recolhida pelos rivais. Uma videochamada para o mandante teria sido realizada pelos criminosos durante o ataque. Os atiradores teriam percebido que executaram a criança, e chegaram a relatar isso em áudios obtidos pela polícia.
A colaboração premiada de outro preso, realizada em 2020, na qual foram apontados homicídios que teriam sido cometidos pela facção, também corroborou para apontar os envolvidos.
— O mando do homicídio foi do Romarinho. Esse criminoso que fez colaboração premiada acompanhou tudo — disse.
Pedido de anulação do júri negado
Após o depoimento do delegado, as cinco defesas pediram que o júri fosse anulado e encerrado. Entre os motivos apontados, estão o fato de ter sido juntado ao processo um documento sobre a colaboração premiada em 22 de setembro deste ano. As defesas alegaram que foram prejudicadas e que esse documento deveria ter sido acrescido anteriormente. Também alegaram que o delegado manifestou em seu depoimento que torcia para ver os réus condenados.
O Ministério Público se manifestou contra os pedidos de nulidade. Da mesma forma, o juiz Marcos Braga Salgado Martins negou o pedido. O magistrado considerou que as defesas tiveram dois meses para ter acesso ao documento.
— Se não os fizeram foi por inércia das próprias defesas. Chega a beirar a má-fé processual. Trata-se de delação homologada — afirmou o juiz.
Sobre a manifestação do delegado, o magistrado considerou que o policial não tem a obrigação de ser imparcial.
— Ele não é juiz. Ele fez o trabalho dele, e entendeu pelo indiciamento dos réus. É evidente que espere pela condenação — disse Martins.
Testemunhas de defesa
Logo depois, começaram a ser ouvidas as testemunhas de defesa. Um motoboy e uma amiga do réu Leandro relataram que ele estaria trabalhando na cozinha da lancheria da família, na Zona Norte, na data do crime.
A última testemunha a ser ouvida falou pelo mesmo réu. Ela relatou ter feito um pedido de lanche no comércio da família de Leandro, nas proximidades de casa, na noite da execução do casal e da bebê e que ele estava trabalhando no local.
As outras testemunhas de defesa foram dispensadas.
Próximas etapas
Por fim, os quatro réus devem ser interrogados – já que Leandro continua foragido.
Há possibilidade de que o julgamento seja estendido para sexta-feira (24). Após os interrogatórios, será dado início aos debates entre acusação e defesas, com duração de duas horas e meia para cada lado. Ainda é possível que haja réplica de até duas horas e tréplica com a mesma duração. Por fim, são os jurados que definem se os réus são culpados ou inocentes.
Os crimes
Os cinco serão julgados por três homicídios triplamente qualificados e associação criminosa. Pela morte da bebê, ainda há possibilidade de aumento de pena, em caso de condenação, por se tratar de menor de 14 anos.
Entenda as qualificadoras dos assassinatos:
- Motivo torpe — Segundo a acusação, o crime foi motivado por desavenças envolvendo disputas pelo tráfico de drogas. Douglas é apontado como o alvo da ação, porque, segundo o Ministério Público, integrava facção rival à dos atiradores. Ele já havia sido preso por tráfico e, quando foi morto, estava foragido.
- Emboscada — Os executores vigiaram a movimentação das vítimas, aguardando o momento para o ataque, além de estarem em maior número e portando armas.
- Perigo comum — Isso porque foram disparadas dezenas de tiros contra as vítimas no meio da rua, colocando em risco a vida de outras pessoas.
Contrapontos
O que diz a defesa de Anderson Boeira Barreto
A defesa sustentou à Justiça a ausência de provas da autoria dos crimes. Pediu, com base nisso, a absolvição sumária ou impronúncia. Também pediu afastamento das qualificadoras e a concessão ao réu do direito de apelar em liberdade. Quando interrogado, Anderson negou envolvimento.
A Defensoria Pública do Estado, que representa o acusado, informou que irá se manifestar somente no plenário do júri.
O que diz a defesa de Leandro Martins Machado
À Justiça, a defesa sustentou que não havia provas nos autos da participação do cliente. Durante a instrução, a defesa apresentou testemunhas que informaram que Leandro estaria trabalhando na lancheria da mãe na noite do crime. Ainda assim, a Justiça entendeu que esses relatos não permitem afastar de forma imediata a acusação contra o réu. Leandro não pôde ser ouvido durante a instrução processual para apresentar sua versão, por estar foragido.
O advogado Marcelo Wojciechowski Dorneles enviou nota sobre o caso: "A defesa de Leandro manifesta que o cliente não tem nenhuma relação com os fatos. Desde 2019 sofre com uma acusação injusta por fatos graves, havendo provas que serão demonstradas neste sentido, excluindo a sua participação. Aguardamos pelo julgamento com serenidade e que a devida justiça possa ser feita".
O que diz a defesa de Maycon Azevedo da Silva
O advogado Eder Siqueira afirma que o cliente confessa ter cometido o crime e que a execução teria ocorrido porque ele estava sendo ameaçado por Douglas.
O que diz a defesa de Michel Renan Bragé de Oliveira
A defesa alegou à Justiça total ausência de indícios de que ele seja o autor do crime. Pediu a impronúncia ou absolvição sumária, além do afastamento de qualificadores e revogação da prisão preventiva. O réu optou por não se submeter ao interrogatório judicial.
GZH entrou em contato com a advogada Tatiana Vizzotto Borsa, que informou que não pretende se manifestar à imprensa.
O que diz a defesa de Nicolas Teixeira da Rosa
À Justiça, a defesa sustentou que não existem provas do envolvimento do réu no crime e pediu a absolvição do cliente, além da revogação da prisão preventiva. Quando interrogado, Nicolas negou participação. A advogada Hevelin Ferreira enviou nota sobre o caso: "A Defensa de Nicolas Teixeira da Rosa vem a público esclarecer que até o presente momento, o que se tem nos autos são suposições da acusação. Não se tem provas concretas da participação de Nicolas Teixeira da Rosa no crime em questão, mantendo-se, assim, a coerência com base no princípio constitucional da presunção de inocência. Importante esclarecer, que quem vai decidir se o réu é ou não culpado, serão os jurados, com base nas provas que instruem o processo o que será comprovado que o mesmo não teve qualquer participação no crime".
O que diz a defesa de Émerson Alex dos Santos Vieira
Émerson é o sexto réu, que responde a processo separado, e é apontado como mandante. O advogado Rodrigo Schmitt da Silva informou que a defesa de Émerson recorreu da decisão de enviar o réu a júri, e o caso aguarda decisão sobre o recurso. Ainda não há data para este julgamento. Confira a manifestação: "Quanto ao Emerson Alex dos Santos Vieira, o Egrégio Tribunal de Justiça ainda não analisou um recurso de Embargos Declaratórios proposto pela defesa. Por esta razão, o julgamento dele deverá ser aprazado para outra oportunidade."