Em frente à sala onde deveria ter ocorrido o julgamento de cinco réus nesta quinta-feira (21), no Fórum Central, os avós paternos de Alice Beatriz Rodrigues agarravam-se a um pacote onde estavam guardados os sapatinhos vermelhos usados pela neta na festa de aniversário de um aninho — mesmo dia em que foi assassinada. A menina foi executada a tiros junto dos pais Douglas Araújo da Silva, 29 anos, e da mãe Sabrine Panes Rodrigues, 24, em setembro de 2018, na saída da comemoração, na zona norte de Porto Alegre.
Desde que o filho, a nora e as netas — Sabrine estava grávida — foram mortos com dezenas de disparos de fuzil e pistola, o casal vive com medo. Mudaram-se de residência diversas vezes ao longo desses cinco anos. Nesta quinta-feira, eles estavam entre as testemunhas de acusação que seriam ouvidas durante o júri dos acusados de terem assassinado a bebê e seus pais. A sessão, no entanto, precisou ser cancelada em razão do número insuficiente de jurados, e uma nova data foi agendada: 23 de novembro.
Aos 52 anos, a avó paterna de Alice diz que convive com o peso de ter organizado a festinha para a neta. O filho, segundo a mãe, não queria realizar a comemoração.
— Meu filho nem queria essa festa, fui eu que fiz. E aí eu saí da festa, fui embora tranquila. Quando eu escutei (os tiros), ainda estava uma chuva, eu pensei: o que será que estão comemorando com essa chuva? Estavam matando meu filho, minhas netas, minha nora. O dia mais triste da minha vida. E eu convivo com isso — diz a avó, que não quis ser identificada por receio de represálias.
Segundo a investigação da Polícia Civil, Douglas, que estava foragido, era integrante de uma facção criminosa, e foi executado por um grupo rival. Áudios obtidos durante a apuração indicaram, no entanto, que os atiradores sabiam que havia a bebê e a mulher dentro do carro, e chegaram, inclusive, a cogitar invadir o salão onde era realizada a festa, mas refutaram em razão da presença de muitas pessoas, inclusive outras crianças.
— Hoje era o dia que eu queria ver terminar isso. Agora vamos esperar. Eles destruíram tudo. Perdi tudo, na verdade. Não tenho mais nada. Ficou só eu e minha mulher. A gente vive se mudando, por medo. Eu vivo mudando, vamos para cá, para lá— desabafou o avô de Alice, aos 56 anos.
Memórias
No mesmo pacote plástico onde estão os sapatinhos de Alice, os avós mantêm fotos da menina, e um papel onde estão carimbados os pezinhos da neta. No telefone, armazenam vídeos gravados da netinha, que ainda não sabia caminhar. Nas imagens, na festa de aniversário, a bebê, de vestido vermelho e tiara na cabeça, em alusão ao personagem infantil Minnie, aparece sorrindo.
— Foi essa bebê que eles mataram. Ela nem caminhava ainda. Tanto que o pai dela saiu com ela no colo. Eles esperaram ele entrar no carro, pegar a bebê. Não dá nem para dizer que são monstros que fazem isso. O que eles fizeram não tem explicação, mataram duas nenês — diz o avô.
— Eu espero, é o mínimo que eles merecem é pagar. Imagina, matarem uma bebê, que não caminhava. Nem queiram imaginar. Eu tenho as coisas do meu filho, tudo numa caixa. Eu guardei o sapatinho do aniversário, que foi só o que restou. Eu esperei cinco anos por isso porque eles têm que pagar. Depois que eu ver o júri, ver eles serem condenados, aí eu vou ficar tranquila — complementou a esposa.
Após o encerramento da sessão, o promotor de Justiça Octavio Cordeiro Noronha conversou com os familiares das vítimas. Na sequência, falou sobre o novo julgamento, a ser realizado em novembro.
— A expectativa do Ministério Público é de que os réus sejam condenados pelas provas que existem no processo e pela gravidade dos fatos — afirma o promotor.
O júri
Em razão do número insuficiente de jurados, foi preciso suspender a sessão. Eram necessários, no mínimo, 25 possíveis jurados. No entanto, somente 22 pessoas convocadas compareceram. A nova data para o julgamento foi marcada para o dia 23 de novembro.
Pouco antes das 10h, foi dado início ao sorteio dos jurados. Cada uma das cinco defesas e o Ministério Público (MP) poderia, por lei, recusar até três nomes, sem apresentar justificativa. Seis pessoas foram admitidas para integrar o Conselho de Sentença, mas não houve número suficiente para sortear o sétimo.
Ocorreu o que é conhecido no meio como "estouro de urna". Em razão disso, o juiz Marcos Braga Salgado Martins, titular do 1º juizado da 3ª Vara do Júri, precisou dissolver o conselho e adiar o julgamento. O juiz informou que tentou dividir previamente o processo, julgando, nesta quinta-feira, somente os quatro réus que estão presos — e deixando de fora um deles, que está foragido. No entanto, não houve concordância por parte da defesa.
Após o estouro da urna, foi definida uma nova data para o julgamento, que deve se estender por até dois dias.
— Também tentei marcar a data para antes, mas como são muitos advogados, alguns já têm plenários de réus presos, e a data que conseguimos mais próxima foi 23 de novembro. Até verifiquei se não seria o caso de cindir para evitar novamente a mesma situação, mas como não teve o acordo das defesas, e manifestaram o interesse em julgamento conjunto, eu optei por manter novamente os cinco réus no dia 23, onde vamos ver se conseguimos um número maior de jurados para realizar com sucesso o julgamento — afirmou Martins.
Segundo o juiz, chegou a ser realizado sorteio suplementar para que houvesse o mínimo de 25 possíveis jurados na sessão desta quinta-feira. A Justiça ainda vai avaliar qual o motivo apresentado por aqueles que não comparecerem.
— Nós esperávamos que tivesse o número mínimo, mas algumas pessoas não compareceram. Normalmente, quando fazemos o sorteio no mês anterior, vamos fazendo esse filtro, para dispensar aqueles que realmente comprovem que não podem comparecer. Tem que justificar o motivo do não comparecimento, inclusive, se for injustificado pode receber multa — explicou o magistrado.
O crime
Na noite de 23 de setembro de 2018, a família partiu em um veículo da frente do salão onde era realizada a festa de aniversário de um ano da criança. O pai, Douglas Araújo da Silva, 29 anos, a mãe, Sabrine Panes Rodrigues, 24, e a menina Alice Beatriz Rodrigues foram executados a tiros logo depois.
Os réus
Serão julgados Maycon Azevedo da Silva, o Dime, 28 anos, Nicolas Teixeira da Rosa, o Ovelha, 28, Anderson Boeira Barreto, o Boquinha, 31, Michel Renan Bragé de Oliveira, o Bragé, 26, e Leandro Martins Machado, o Mandy, 33. Este último está foragido.
Ainda há um sexto réu, que está preso e responde em outro processo, sem previsão de julgamento. Émerson Alex dos Santos Vieira, o Romarinho, 33 anos, é apontado como o responsável por ordenar o crime.
Os cinco serão julgados por três homicídios triplamente qualificados e associação criminosa. Pela morte da criança ainda há possível aumento de pena, em caso de condenação, por se tratar de menor de 14 anos.
A acusação
Segundo a acusação, Michel Renan, Maycon e Anderson teriam planejado o crime com os comparsas e ido até o local da festa da criança, armados. Após perseguição, teriam sido os responsáveis por atirar contra o carro onde estavam os pais e a bebê.
Nicolas é apontado como o responsável por fornecer e dirigir um dos veículos durante a execução. Leandro teria vigiado as vítimas durante a festa e alertado os demais sobre a saída delas — ele permanece foragido. Os outros quatro estão presos na Penitenciária Estadual do Jacuí e na Penitenciária Modulada Estadual de Charqueadas.
Contrapontos
O que diz a defesa de Anderson Boeira Barreto
A defesa sustentou à Justiça a ausência de provas da autoria dos crimes. Pediu, com base nisso, a absolvição sumária ou impronúncia. Também pediu afastamento das qualificadoras e a concessão do réu ao direito de apelar em liberdade. Quando interrogado, Anderson negou envolvimento. A Defensoria Pública do Estado, que representa o réu, informou que irá se manifestar somente no plenário do júri.
O que diz a defesa de Leandro Martins Machado
À Justiça, a defesa sustentou que não havia provas nos autos da participação do cliente. Durante a instrução, a defesa apresentou testemunhas, que informaram que Leandro estaria trabalhando na lancheria da mãe na noite do crime. Ainda assim, a Justiça entendeu que esses relatos não permitem afastar de forma imediata a acusação contra o réu. Leandro não pôde ser ouvido durante a instrução processual para apresentar sua versão, por estar foragido. O advogado Marcelo Wojciechowski Dorneles enviou nota sobre o caso:
"A defesa de Leandro manifesta que o cliente não tem nenhuma relação com os fatos. Desde 2019 sofre com uma acusação injusta por fatos graves, havendo provas que serão demonstradas neste sentido, excluindo a sua participação. Aguardamos pelo julgamento com serenidade e que a devida justiça possa ser feita."
O que diz a defesa de Maycon Azevedo da Silva
A defesa do réu pediu a absolvição sumária ou impronúncia do acusado, e alegou que não há provas da participação dele nos crimes. Em seu interrogatório judicial, o réu se reservou ao direito de permanecer em silêncio. A Defensoria Pública do Estado, que representa o réu, informou que irá se manifestar somente no plenário do júri.
O que diz a defesa de Michel Renan Bragé de Oliveira
A defesa alegou à Justiça total ausência de indícios de que ele seja o autor do crime. Pediu a impronúncia ou absolvição sumária do réu, além do afastamento de qualificadores e revogação da prisão preventiva. O réu optou por não se submeter ao interrogatório judicial. GZH entrou em contato com a advogada Tatiana Vizzotto Borsa, que informou que não pretende se manifestar à imprensa.
O que diz a defesa de Nicolas Teixeira da Rosa
À Justiça, a defesa sustentou que não existem provas do envolvimento do réu no crime e pediu a absolvição do cliente, além da revogação da prisão preventiva. Quando interrogado, Nicolas negou participação. A advogada Hevelin Ferreira enviou nota sobre o caso antes antes da realização do julgamento desta quinta-feira (21). Confira:
"A Defensa de Nicolas Teixeira da Rosa vem a público esclarecer que está preparada para o julgamento perante o Tribunal do Júri, que será realizado no dia 21/09/2023. Esclarece ainda, que será demonstrado durante o plenário, que a acusação que pesa contra o réu Nicolas não se sustenta, eis que carecedora de provas que sejam capazes de uma condenação. Quem vai decidir sobre a participação ou não de Nicolas Teixeira da Rosa serão os jurados, com base nas provas que instruem o processo o que será comprovado que o mesmo não teve qualquer participação no crime."
O que diz a defesa de Émerson Alex dos Santos Vieira
O advogado Rodrigo Schmitt da Silva informou que a defesa de Émerson recorreu da decisão de enviar o réu a júri, e o caso aguarda decisão sobre o recurso. Ainda não há data para este julgamento. Confira:
"A defesa de Émerson está aguardando julgamento de recurso com serenidade, ele não irá a julgamento com os outros réus. Temos plena convicção da inocência do réu no presente caso e estamos certos de que a absolvição será o resultado final deste processo".