A Operação Golpe de Estado, deflagrada na manhã desta segunda-feira (23), pelo Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc), teve como base desentendimentos internos de uma facção. Entre os presos, está o homem de 41 anos, apontado pela polícia como principal líder do grupo, a quem são atribuídos 79 homicídios que ele teria ordenado.
A polícia não divulgou os nomes dos alvos, mas a reportagem conseguiu apurar que este investigado é José Dalvani Nunes Rodrigues, o Minhoca, considerado líder máximo da organização criminosa que tem berço na zona leste de Porto Alegre e que mantém operações em todo o Estado. Minhoca está recluso em uma penitenciária federal e recebeu a nova ordem de prisão no começo da manhã desta segunda-feira.
As investigações que originaram os mandados decorrem do desentendimento deste líder com seu primeiro subordinado, um homem de 32 anos, o qual seria seu auxiliar da mais alta confiança. Este homem permanece sendo procurado pelas autoridades, pois não foi localizado nos endereços alvos das buscas. Ele passou a ser considerado foragido.
— Acontece que este auxiliar, ao ver o chefe preso, entendeu que poderia tomar o poder para ele. Foi uma espécie de traição, que gerou diversos descontentamentos e conflitos internos. Precipitou homicídios e proporcionou elementos de investigação que nos permitiram chegar até os alvos desta operação — revela o delegado do Denarc, Gabriel Borges.
Coordenador da operação, Borges explica que a presumida "traição" entre os líderes da facção inspirou o nome da operação: Golpe de Estado.
Além de Minhoca e de seu ex-auxiliar, mais 12 investigados foram presos preventivamente. Um deles é familiar do líder e teve o mandado executado na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas, onde cumpre medida de reclusão.
Foram cumpridos ainda 38 mandados de busca e apreensão, sendo recolhidos telefones celulares a serem enviados para perícia, veículos presumidamente adquiridos com dinheiro do crime, e cerca de R$ 13 mil em espécie, além da execução de 48 bloqueios em contas bancárias por onde a polícia acredita que circulam os valores obtidos com o tráfico. A facção, apontam as autoridades, movimentaria mais de R$ 1 milhão a cada dez dias.
Ao grupo, são creditados mais de cem homicídios praticados desde 2016.
— Estamos falando de um grande número de crimes ocorridos em sequência e relacionados a disputas de poder em bairros como Mario Quintana, Rubem Berta, Sarandi, além de outros pontos da zonas norte e leste de Porto Alegre e na Região Metropolitana — indica.
Delação após perda afetiva
A Operação Golpe de Estado traz outro ingrediente inusitado em seu escopo. Conforme o delegado Gabriel Borges, as recentes descobertas do Denarc tiveram base em provas extraídas de telefone e anotações após a prisão de um gerente do grupo, há cerca de um ano.
Contudo, para descortinar as ações da facção, a Polícia Civil se valeu de outra circunstância de suposta "traição" ocorrida no seio do grupo criminoso.
— Em 2020, um investigado que era o mais importante matador do grupo recebeu a ordem de executar a própria namorada, que estava em dívida com a facção. Ele cumpriu a ordem, mas tinha realmente uma relação afetiva com a mulher que precisou matar. Ficou transtornado por isso e nutriu um sentimento de vingança contra seus chefes — descreve Borges.
O delegado conta que este investigado foi preso e decidiu fazer acordo de delação, revelando como a facção operava seus negócios e entregando nomes e funções dos outrora comparsas. Este homem ficou por cerca de um ano no programa de proteção a testemunhas, mas foi morto ao retornar ao Estado após o término da medida.
— Com base nos relatos desta testemunha, o Denarc estabeleceu o organograma da facção, o que serviu como apoio para a atual investigação e contribuiu nos resultados desta operação — conclui Borges.
De acordo com o diretor-geral do Denarc, delegado Carlos Wendt, o trabalho terá prosseguimento no sentido de minar economicamente os integrantes, descapitalizando a estrutura da organização para a obtenção de mais prisões e tendo como desfecho a redução no número de homicídios na Região Metropolitana, em especial na zona norte da Capital.
Contraponto
Advogado de José Dalvani Nunes Rodrigues, o criminalista Jean Severo encaminhou posicionamento em nota afirmando que seu representado está preso em uma penitenciária federal há mais de cinco anos sem comunicação com ninguém. "Suas conversas são monitoradas e gravadas, portanto não teria como ordenar algo para qualquer pessoa. José Dalvani é completamente inocente destas acusações", sustenta Severo.