A Justiça Federal condenou a União a indenizar uma professora e a família de um ex-vereador gaúcho por danos morais sofridos após perseguições durante a ditadura militar (1964-1985). As sentenças estipularam o pagamento de R$ 100 mil a cada um dos dois processantes, que não tiveram os nomes divulgados.
As decisões, que foram publicadas nos dias 6 e 11 de setembro e divulgadas nesta sexta-feira (15), são dos juízes federais Marcelo Cardozo da Silva e Fábio Dutra Lucarelli, respectivamente. Ainda cabe recurso junto ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4).
Em sua decisão, o juiz Marcelo Cardozo da Silva caracterizou o período vivenciado no Brasil durante a ditadura militar como uma época de “forte repressão política e violência institucional, de violação massiva de direitos fundamentais, de graves desrespeitos e destruição dos pilares necessários ao funcionamento de uma sociedade democrática e plural”.
O juiz também comentou sobre o período de transição da ditadura para o regime democrático no país até a criação da Comissão Nacional da Verdade, em 2011. Já o juiz Fábio Dutra Lucarelli reconheceu que a Lei do Regime Jurídico do Anistiado Político veda a acumulação de indenizações ou outros benefícios com o mesmo fundamento.
Entretanto, ele observou que não há proibição legal para o pedido de indenização por danos morais decorrentes dos traumas inerentes aos crimes cometidos durante a ditadura. Dessa forma, ambos os magistrados analisaram as provas apresentadas em ambos os casos e concluíram que houve danos morais, julgando procedentes as duas ações.
Sobre os processos
Uma das ações foi movida pela esposa e pelos filhos de um ex-vereador já falecido, de Tenente Portela, no noroeste do RS. Segundo a família, ele era um líder político na cidade e foi eleito pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), ligado ao ex-governador Leonel Brizola, para o mandato de 1964 a 1968, e pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), para o mandato de 1973 a 1976.
Em 1968, foi eleito prefeito da cidade vizinha, Miraguaí, mas teve seus direitos políticos suspensos devido ao Ato Institucional nº 5. Os familiares afirmaram que ele sofreu perseguições, pressões, humilhações, prisões, processos e condenações injustas, sendo difamado publicamente como comunista e agitador.
Ele teria sido preso diversas vezes acusado de integrar um dos chamados Grupos dos Onze — que eram células de esquerda organizadas por Brizola, compostas por onze apoiadores (daí o nome) das políticas de base do ex-presidente João Goulart (Jango). Nestas prisões, a família diz que ele foi torturado, espancado e recebeu choques elétricos.
A segunda ação foi movida por uma professora, que era militante política durante a ditadura militar e atuava na educação da população rural. Segundo a denúncia, ela foi presa em maio de 1970, quando estava na casa dos sogros na cidade de Nova Aurora, no Paraná.
Na ocasião, a vítima relata que a residência foi invadida por policiais e agentes do extinto Departamento de Ordem Política e Social (Dops). A professora conta que foi violentamente torturada com choques elétricos, golpes com toalhas molhadas, no “pau-de-arara”, além de torturas psicológicas praticadas na presença do marido e dos sogros.
De acordo com o relato, ela foi levada ao Batalhão de Fronteira de Foz do Iguaçu, onde foi impedida de se comunicar com pessoas de fora e continuou sendo torturada por agentes do Dops e do Exército Brasileiro. Ela conta que estava grávida e que sofreu um aborto dentro da cela em função das violências sofridas.
Após cinco meses, a mulher conta que foi transferida para Porto Alegre sem o conhecimento de sua família. Ela diz ter sido ameaçada de ser jogada para fora do avião. Conforme a denúncia, a tortura só foi interrompida quando a família descobriu o local em que a mulher estava presa e recebeu autorização para visitá-la.
A mulher conta que depois disso foi transferida para um presídio no Paraná, onde permaneceu mais seis meses, antes de passar para a prisão domiciliar. Ela relatou que se exilou no Chile, em 1972, e, no ano seguinte, se mudou para França, onde permaneceu até 1985.
A União argumentou em sua defesa que os autores já foram indenizados pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça e receberam R$ 100 mil pagos em prestação única. Também sustentou que a indenização por danos morais não poderia ser somada com aquela já recebida e que não teria ficado comprovado o dano moral.
GZH entrou em contato com o escritório de advocacia que representa ambos os casos, mas não obteve retorno até a noite desta sexta-feira (15).