Um anos depois do assassinato de Débora Moraes, 30 anos, em Porto Alegre, a família ainda aguarda por um desfecho para o crime, tratado como feminicídio. Ao longo desse tempo, lida com a perda e a falta, mas reúne forças para se mobilizar por ela. Para homenageá-la e buscar por Justiça, dois atos estão previstos para sábado (16), na Capital.
Lembrada como pessoa generosa e companheira, Débora atuava em um movimento social que oferece suporte a atingidos pela barragem da Lomba do Sabão, na Zona Leste. No Judiciário, o ex-marido dela, Felipe Fraga Faustino, 42, é réu pelo assassinato em processo que segue tramitando, em segredo de Justiça. O homem segue preso na Penitenciária Estadual de Canoas.
O primeiro ato para lembrar a vítima está programado para as 10h, quando amigos e familiares se reunirão no Cemitério Jardim da Paz. Depois, às 19h30min, uma cerimônia está prevista na comunidade Vila dos Herdeiros, no bairro Agronomia, comunidade onde Débora morava, na Zona Leste.
O crime
O crime aconteceu na tarde de 12 de setembro do ano passado, uma segunda-feira. Ela foi encontrada morta dentro da casa onde morava, no bairro Agronomia, na zona leste da cidade.
No dia do crime, foi o próprio Faustino que acionou o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), alegando que a esposa havia cometido suicídio. No entanto, a cena do crime continha elementos que indicavam assassinato, de acordo com os investigadores. À época, laudo da perícia apontou que o pescoço da mulher mostrava sinais de enforcamento.
Conforme familiares, a vítima e o homem ainda estavam juntos na data do crime, mas Débora já manifestava desejo de se separar.
A investigação concluiu que o homem foi o responsável pela morte. Ele virou réu em outubro do ano passado, e responde por homicídio qualificado — por motivo torpe, asfixia, recurso que dificultou a defesa da vítima e por feminicídio.
De acordo com o Tribunal de Justiça do Estado (TJ-RS), o processo está na fase de alegações finais da defesa. Depois disso, a juíza do caso decide se pronuncia ou não o réu — ou seja, se ele será julgado pelo Tribunal do Júri.
Para a advogada Alice Hertzog Resadori, que atende a família da vítima, há material suficiente no processo para comprovar o feminicídio.
— Tanto as provas testemunhais quanto as periciais que foram produzidas no processo deixam claro o cometimento do crime de feminicídio qualificado pelo réu, que deve ser levado a júri — opina a advogada, que é especialista em direitos humanos e atua como assistente de acusação, ao lado do Ministério Público do Estado.
"Ano muito duro", diz madrinha
Débora chegou a ser coordenadora do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) em Porto Alegre, onde lutava pelos direitos das pessoas atingidas pela barragem da Lomba do Sabão. Era tida como figura forte e importante dentro dessa comunidade.
— Marcamos esse ato de um ano sem Débora para honrar sua memória, sua luta e pedir o fim da violência contra as mulheres — afirmou Alexania Rossato, integrante da coordenação nacional do MAB.
Além de ser ativista, ela também trabalhava como segurança em uma universidade da Capital e fazia curso de Nutrição. Aos finais de semana, gostava de jogar bola e ficar com a filha, atualmente com sete anos — do relacionamento com Faustino. A criança vive hoje com familiares maternos.
Apesar da atuação forte na militância, Débora também é lembrada como uma pessoa engraçada, que gostava de ajudar quem estivesse por perto e de se divertir. Era "companheira de vida" da madrinha, Elaine Teresinha Alves, 57 anos, que conta que as duas viviam "grudadas":
— Éramos muito amigas, unidas. Saíamos para jantar, ir ao cinema, a filhinha dela ia junto. Às vezes eu saía do trabalho e ligava para ela, ia até em casa conversando. O tempo todo nos falávamos. Se visse que eu estava mais chateada em algum dia, ela me dizia: "Eu vou aí para a gente conversar. Vamos sair, vamos comer alguma coisa". Ela gostava de conversar, de ajudar as pessoas. Sempre foi de trabalhar, de lutar pelas coisas.
Com a morte de Débora, o convívio diário foi interrompido. Assim como a madrinha, demais familiares e amigos seguem abalados.
— Ela tinha uma motinho e quando chegava aqui na frente de casa eu já ouvia o barulho, ficava feliz. Ela era tão carinhosa. Esse ano foi muito duro, a perda dela me pegou de um jeito muito difícil, assim como a toda a família. Eu sinto muita, muita falta, era uma grande amiga — lamenta Elaine.
Contraponto
O advogado Bruno Baum Pereira, que representa Felipe Fraga Faustino, afirma que vai provar a inocência do cliente.
— Não há provas para indicar que Felipe tenha concorrido para essa infração penal, o mesmo é inocente, e a defesa, de todas as formas, vai lutar pelo direito de provar que o mesmo é inocente.
Ele alega que "toda a denúncia elaborada pelo MP teve como base provas circunstanciais", inclusive para a decretação e manutenção da prisão preventiva de Felipe. A defesa sustenta tratar-se de um caso de suicídio com base em laudo pericial.