Por Eduarda Garcia
Advogada criminalista, coordenadora do Departamento Jurídico da Sociedade Brasileira de Direito Antidiscriminatório (SBDA)
Recentemente o Fórum Brasileiro de Segurança Pública de 2023 lançou o seu 17º Anuário Brasileiro. Os resultados apresentados, no que se refere à população prisional, apontam uma população de 832.295 pessoas encarceradas, sendo 621.608 (74,7%) condenados definitivos e 210.687 (25,3%) provisórios – aqueles que ainda aguardam uma sentença do Poder Judiciário. Dentre esses, permanece o mesmo perfil de sempre: jovens de até 29 anos (43,1% da população carcerária) e negros (68,2% da população), justamente as vítimas majoritárias das chamadas mortes violentas intencionais.
Vale destacar que, de acordo com os dados do Departamento Penitenciário, 39,42% dos presos respondem por crimes relacionados ao tráfico de drogas. Em seguida, os crimes contra o patrimônio correspondem a 36,74% do total de crimes. Já os crimes contra a pessoa somam 11,38%, e os crimes contra a dignidade sexual representam apenas 4,3%. Acerca das condições dos estabelecimentos prisionais, o Fórum aponta a persistência da superlotação e da insalubridade.
A população carcerária variou 257,6% de 2000 a 2022. O fenômeno cresce. Mas a violência não diminui, e aumenta também nas escolas. O Brasil apresenta hoje o maior número de estupros da história, a maioria sendo contra crianças e adolescentes. Aumenta a violência contra a mulher. De maneira geral, crescem as denúncias de crimes resultantes de preconceito de raça e de cor. Em São Paulo, por exemplo, as denúncias de racismo registradas entre janeiro a abril de 2022 superam o total de casos registrados em todo 2021, conforme a Secretaria Estadual da Justiça e Cidadania daquele Estado.
No Rio Grande do Sul, o número de registros é ainda maior. Cerca de 68% dos casos de racismo e injúria racial registrados no território nacional são oriundos do nosso Estado, de acordo com a Secretaria de Segurança Pública gaúcha.
Foi criada em Porto Alegre, em 2020, a Delegacia Especializada de Combate à Intolerância (DCI). Nesses dois anos de atuação, 65% das ocorrências foram registradas em relação a crimes resultantes de preconceito de raça e de cor. De acordo com a Polícia Civil, o número de ocorrências passou de 24, entre janeiro e setembro de 2021, para 61, no mesmo período de 2022, um aumento de 154%. Vale ressaltar que se trata de crime inafiançável, imprescritível, e que, na lei da ficha limpa, está previsto juntamente com os crimes de terrorismo e de tortura.
Assim, é possível verificar que o racismo estrutural é um fator determinante na política prisional brasileira, em uma simbiose digna de um país de passado escravocrata, pois há uma priorização – implícita ou explícita – em investigar e prender negros, ainda que não sejam somente eles que venham a cometer crimes. Ainda, o Anuário aponta que o sistema de justiça vem reproduzindo padrões discriminatórios, naturalizando a desigualdade racial.
Atesta o documento, ainda, que Porto Alegre permanece a capital mais violenta dentre as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. No ano passado, na capital gaúcha, ocorreram 400 mortes, entre homicídios, latrocínios, feminicídios e outros, uma alta de 24,8% em relação a 2021. Quanto ao armamento da população, o estudo aponta o Rio Grande do Sul como o Estado com mais registros ativos de armas de fogo por parte de cidadãos comuns – 227,9 mil. O segundo lugar, Minas Gerais, possui 152,5 mil armas e uma população maior do que a nossa.
Por fim, os dados são importantes para a elaboração de qualquer política pública e a formação de opinião na sociedade. O Brasil está prendendo mais. Para avaliar se está prendendo bem ou mal, precisamos analisar os dados da violência. Eles não diminuem. Pelo contrário: aumentam. E as políticas públicas de prevenção e educação com foco na juventude têm aumentado? Nesse sentido, o governo do Rio Grande do Sul e quatro municípios vão receber R$ 6,05 milhões do Ministério da Justiça para prevenir ataques em escolas, conforme anunciado em GZH no último dia 21. Essa medida integra as ações do Programa de Ação na Segurança (PAS), do governo federal. Como ação integrante do PAS, também foi publicado um decreto que restringe o acesso a armas de fogo no país. De acordo com o Instituto de Pesquisa Aplicada (Ipea), no relatório Violência e Segurança Pública em 2023, a redução da desigualdade social e o aumento da frequência escolar são contribuições do desenvolvimento social para a redução da violência.
A despeito da repressão e aumento da população carcerária, a violência segue aumentando. Por que não mudar de estratégia?
O Anuário
O 17º Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, relacionado a este ano de 2023, está disponível, na íntegra, em forumseguranca.org.br. Todas as edições anteriores também podem ser acessadas, em PDF ou arquivo de infografia, no mesmo endereço.