Duas semanas depois da Justiça decidir pelo retorno ao Rio Grande do Sul de um dos suspeitos de liderar facção gaúcha, a Polícia Civil reúne, nesta quarta-feira (28), cem agentes para cumprir 18 mandados de busca e dois de prisão preventiva — um deles cumprido ainda no fim da terça-feira (27). O trabalho é relacionado ao crime de lavagem de dinheiro praticado pelo detento que ainda está na Penitenciária Federal de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul desde junho de 2021.
Apontado como um dos três principais nomes da organização criminosa que tem base no Vale do Sinos, o apenado é investigado por movimentar mais de R$ 1 milhão oriundo do tráfico de drogas. Ele também foi investigado como um dos mentores da construção de um túnel, em fevereiro de 2017, para fuga em massa do Presídio Central. Cinco meses depois, ele foi um dos 27 líderes de facções transferidos para casas prisionais em outros Estados durante megaoperação do governo.
Conforme apuração da Delegacia de Repressão à Lavagem de Dinheiro do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), foram apontados 40 atos ilícitos envolvendo laranjas, tanto pessoas físicas quanto jurídicas, na compra de veículos, muitos de luxo, lanchas, imóveis e depósitos em pelo menos 13 contas bancárias. A operação policial ocorre no Vale do Sinos e na Região Metropolitana, mas também na cela onde o detento está atualmente.
O delegado Filipe Bringhenti ressalta que o investigado, natural de Novo Hamburgo, recebeu mais uma ordem de prisão contra ele. No caso, por lavagem de dinheiro. GZH apurou que se trata de Tiago Benhur Flores Pereira, 38 anos, que já contabiliza duas passagens por penitenciárias federais. O outro mandado de prisão foi cumprido na terça. A companheira dele foi detida na praia da Guarda do Embaú, em Santa Catarina, com o apoio de policiais de Palhoça.
O delegado diz que ações suspeitas dela deram origem ao trabalho realizado pela polícia. Inicialmente, outra delegacia do Deic, a que investiga roubos e sequestros, teve conhecimento de que integrantes da facção de Benhur, como é chamado no meio criminoso, estavam ocultando armas e dinheiro vinculados a ataques a carros-forte e bancos, bem como sequestros e tráfico de entorpecentes. Bringhenti, que apura lavagem de capitais, foi acionado e confirmou que a principal suspeita desta prática era a namorada do detento.
Segundo ele, foi comprovado que armamento e dinheiro em espécie estariam na posse dela após ordens que teriam sido dadas por Benhur. Além disso, ela também estaria envolvida na ocultação de valores. Consta no inquérito uma casa adquirida pelo suspeito para a sua companheira no bairro Ipanema, zona sul de Porto Alegre. O imóvel foi reformado, em princípio com dinheiro sujo, tem grande aparato de segurança e nos dias atuais tem 450 metros quadrados, estando à venda por R$ 3,3 milhões.
— A investigação apura a lavagem de dinheiro e as ordens dele para manutenção do esquema, desenvolvido provavelmente enquanto ainda estava no Estado e por meio de visitas recebidas — diz Bringhenti.
Lavagem de capitais
O Deic obteve da Justiça o afastamento dos sigilos bancário e fiscal de 30 investigados: 18 pessoas físicas e 12 jurídicas. As jurídicas são empresas. Além da mansão em Ipanema que está sendo sequestrada judicialmente, há outra casa avaliada em R$ 500 mil e 18 veículos, vários da marca Mercedes e avaliados em mais de R$ 1,6 milhão. Todos confiscados.
A diretora do Deic, delegada Vanessa Pitrez, acompanhou a apreensão judicial da mansão na beira do Guaíba, na zona sul da Capital. Ela diz que o investimento na casa mostra o alto padrão de vida que os suspeitos mantinham com o dinheiro obtido com o tráfico. A polícia estima uma movimentação financeira mensal superior a R$ 1 milhão, mas destaca que este número poderá ser ainda maior depois que analisar as contas bancárias identificadas, todas em nome de laranjas.
— As formas de movimentação de dinheiro identificadas, basicamente, passavam por laranjas e empresas de fachada que “emprestavam” suas contas bancárias para movimentação de valores ilícitos. Ou também ocorria a compra de veículos por esses laranjas. A maioria dos veículos era para pessoas do relacionamento do Benhur, inclusive uma Mercedes que estava com a companheira dele. Então, totalizamos 40 atos ilícitos referentes à lavagem de capitais — explica o delegado.
Bringhenti diz que a maioria do dinheiro sujo é oriundo do tráfico, o que não é alvo da operação realizada nesta quarta. Segundo ele, foram contabilizados — por outros setores da polícia —160 quilos de cocaína por mês que seriam distribuídos por Benhur no Estado. Os delitos apurados nesta ação são lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Quem é Benhur
Segundo a polícia, Benhur é um dos três líderes de facção com base no Vale do Sinos, mas que tem outras bases em todo o Rio Grande do Sul e ainda opera fora do Estado com apoio de organização criminosa oriunda dos presídios paulistas. Ele teve sua primeira passagem policial em 2004, quando tinha 19 anos, ao roubar um pedestre em Novo Hamburgo.
O diretor da Divisão Estadual de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro do Deic, delegado Cassiano Cabral, sem mencionar nomes, apenas ressalta que o suspeito investigado e alvo da operação tem 18 indiciamentos pelos crimes de roubo, tráfico de drogas e associação para o tráfico, homicídio, receptação, organização criminosa e lavagem de dinheiro.
Ele esteve de 2006 a 2017 em casas prisionais gaúchas, alternando entre o Presídio Central — onde foi um dos suspeitos de organizar a escavação de um túnel — e o complexo prisional de Charqueadas.
Benhur está, desde 2021, na Penitenciária Federal de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. Já esteve também em prisão federal em Mossoró, no Rio Grande do Norte, de 2017 a 2019. Retornou de lá em 2019 e ficou até 2021 em Charqueadas. Há dois anos, foi encaminhado para Campo Grande em outra grande operação das autoridades de segurança: a "Império da Lei".
Sobre o retorno do apenado para o Estado, a Justiça Federal indeferiu a permanência dele no Mato Grosso do Sul porque não houve, em princípio, renovação de novas informações sobre atividades dele como líder de facção. A decisão foi do dia 13 deste mês e, portanto, ele tem que voltar ao Rio Grande do Sul nos próximos dias.
O que diz a advogada Bruna Thalita de Oliveira, que faz a defesa do réu
A defesa de Tiago Benhur Flores Pereira, deixa, por ora, de se manifestar acerca do mérito da investigação, a qual corre em sigilo, não tendo, portanto, sido facultado o acesso aos documentos. A defesa é firme em acreditar que a investigação, quando finda, apontará que o investigado Tiago não tem relação com a prática dos ilícitos que são objeto de apuração, uma vez que, há dois anos, o investigado foi transferido para Penitenciária Federal de Campo Grande, umas das unidades de máxima segurança do país, seguindo regras de regime diferenciado, cujo contato com visitantes e advogados são filmados e gravados, com adoção de regras severas pelo estabelecimento prisional federal, com o principal objetivo de isolar os apenados e inviabilizar toda e qualquer forma de cometimento de ilícitos, para o fim de torná-los aptos ao retorno as unidades penitenciárias estaduais. Ainda, neste mês de junho, obtivemos determinação judicial de retorno do investigado Tiago ao sistema carcerário estadual em virtude da ausência de elementos que justifiquem a permanência no sistema penitenciário federal, no estado do Mato Grosso do Sul.
Nesse sentido, destaca-se que causa estranheza a Defesa a alegação de envolvimento do investigado Tiago nos fatos ora apurados, pois a investigação iniciou em 2021 e, casualmente, a operação ocorreu após a autorização de retorno ao estado do Rio Grande do Sul, cuja questão inclusive foi objeto de divergência entre o Ministério Público Estadual e o Juízo Federal.
Acreditamos na boa-fé das instituições que compõe o Estado Democrático de Direito e que a investigação, ao final, concluirá pela inocência de Tiago Benhur Flores Pereira.
Sobre a defesa da companheira do réu, acusada de participação no esquema, a advogada disse que não iria se manifestar.