Mais de um ano depois do fato, a Polícia Civil concluiu o inquérito instaurado para investigar o caso da enfermeira Elizandra Pereira Cunn, 41 anos, que morreu em um acidente com o próprio carro, em Gravataí, na Região Metropolitana. A vítima estava na residência do namorado, em 24 de abril do ano passado, quando foi atropelada pelo próprio carro.
O caso foi investigado como feminicídio consumado pela Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam) de Gravataí. O inquérito foi concluído com a entrega dos laudos periciais do Instituto-Geral de Perícias (IGP) à Polícia Civil no dia 16 de junho.
Mediante a análise dos laudos, a polícia concluiu que que a vítima morreu ao ser atingida pelo próprio veículo, após ter confundido os pedais de freio e aceleração, e ter sido prensada entre a porta do automóvel e portão de entrada da casa do companheiro.
Ao longo da investigação, a polícia ouviu depoimentos do namorado da vítima, que se tornou suspeito, de um vizinho, que foi o primeiro a chegar ao local, e de alguns familiares que conviviam com o casal. Além disso, em 9 de agosto, foi realizada a reprodução simulada dos fatos com a presença do investigado.
— Durante as investigações, as provas periciais produzidas atestaram que a versão narrada pelo suspeito, ex-companheiro da vítima, mostrou-se possível de ter ocorrido da maneira como apresentada, afastando a tipicidade de feminicídio — explica a delegada Fernanda Generali, titular da Deam da cidade, que conduziu as investigações.
Com a conclusão do inquérito, o processo foi encaminhado ao Tribunal de Justiça do Estado (TJ) na segunda-feira (19). Nesta terça-feira (20), a 2ª Vara Criminal remeteu o documento ao Ministério Público (MP) para análise, que pode decidir se oferece denúncia (contrapondo o resultado do inquérito policial) ou opta pelo arquivamento.
"Sensação de Alívio"
Em setembro do ano passado, o empresário de 50 anos, ex-companheiro de Elizandra, conversou com a reportagem de GZH e contou sua versão dos fatos. Na ocasião, ele disse que estava sendo "duplamente penalizado". Com a conclusão do inquérito policial apontando em direção à sua inocência, ele diz que se sente aliviado.
— Alivia e traz um pouco mais de tranquilidade. O laudo pericial conta item por item sobre os machucados dela, como aconteceram. Eu já sabia, não tinha como ser diferente, mas fui pré-julgado, condenado pela opinião pública. Algumas pessoas ainda tinham dúvidas — sublinha.
O que aconteceu no dia do acidente
O empresário, que preferiu não se identificar, contou que a namorada estava na sua casa no dia do acidente porque na noite anterior, no sábado, foram a um show de sertanejo com dois casais de amigos. No domingo do acidente, dia 24 de abril, após almoçarem com um destes casais de amigos, havia ainda a festa de aniversário da irmã de Elizandra, que morava junto com ela na casa que era dos pais, próximo à Parada 64, em Gravataí. Ele conta que decidiu ficar em casa. Eliz se preparava para comemorar com a irmã quando o acidente aconteceu.
Segundo ele, o carro da enfermeira, um Chevrolet Tracker Premier, tinha um problema no freio de mão. Devido a isso, ela geralmente pedia ajuda ao namorado quando a alavanca travava. No domingo, segundo o homem, ela entrou no carro, deu a partida, engatou a ré, e não conseguiu soltar o freio de mão. O veículo estava dentro do pátio, ligado, em um terreno plano.
O empresário relata que estava dentro de casa quando ela pediu sua ajuda para soltar o freio de mão. Ela desceu do carro pela porta do motorista, deixou a porta aberta e deu espaço para que ele pudesse puxar a alavanca. Contudo, Elizandra teria esquecido de colocar o carro, que é automático, na posição P (estacionamento) ou N (neutro). Ele soltou o freio de mão pela porta do motorista, que ficou aberta, e deu um passo para trás, sem saber que a ré estava acionada.
— No momento em que eu dei um passo para trás com a porta aberta, o carro começou a andar de ré bem devagar, em direção à Elizandra. Ela começou a andar para trás, com o carro andando no mesmo sentido. Eu disse para ela entrar e pisar no freio — conta.
Contudo, invés de pisar no freio, ela acionou o pedal do acelerador, sem entrar no carro, que estava em movimento.
— Como ela era uma mulher alta, ela pisou no pedal segurando uma mão no capô e outra na porta. Invés de pisar no freio, pisou no acelerador com a ré engatada. O carro arrastou ela com metade do corpo pra fora e ela foi prensada pela porta do carro na lateral do portão — explica.
O automóvel seguiu de ré, colidindo a traseira contra a lateral de um Peugeot 307 que estava estacionado na rua. De acordo com o namorado, Elizandra desmaiou no momento do acidente, mas recobrou os sentidos aos poucos e até conseguiu trocar algumas palavras com ele antes do socorro chegar.
— É o tipo de situação que ninguém aceita. Eu tinha certeza que ela não ia morrer. Ela trabalhava na área da saúde e era muito querida por todos. Já estão fazendo quatro meses (setembro de 2022) e só agora eu estou conseguindo falar — conta.