A Justiça aceitou a denúncia contra André Ávila Fonseca, 37 anos, e ele virou réu por homicídio qualificado pela morte da namorada, Laila Vitória Rocha Oliveira, 20. O corpo dela foi encontrado carbonizado, no fim de março, dentro de uma lareira. O crime aconteceu no bairro Lomba do Pinheiro, na zona leste de Porto Alegre.
Segundo a investigação, os dois mantinham relacionamento a distância: a jovem morava em Parauapebas, no Pará, e estava na Capital visitando o homem desde meados de fevereiro. Ele foi preso e confessou o crime, alegando legítima defesa.
Fonseca irá responder criminalmente por homicídio triplamente qualificado (por meio cruel, recurso que dificultou a defesa da vítima e feminicídio), destruição parcial do cadáver e posse de munição de arma de fogo de uso permitido.
A decisão, da juíza Cristiane Busatto Zardo, da 4ª Vara do Júri na Capital, é do dia 22 de maio, mas só foi divulgada pelo Tribunal de Justiça do Estado na quarta-feira (31). O processo tramita em segredo de Justiça.
O crime aconteceu na noite de 25 de março, na residência do homem, durante uma suposta discussão. Segundo a Polícia Civil, para ferir a namorada, o agressor teria usado uma faca longa, como uma espada.
Ao ouvirem gritos vindos da casa, vizinhos chamaram a polícia. Quando chegaram, as equipes encontraram o corpo de Laila na lareira, parcialmente carbonizado. A perícia indicou que a mulher ainda estava viva quando foi colocada ali — não se sabe, no entanto, se ainda estava consciente quando as violências foram cometidas. A delegada Cristiane Ramos afirma que a ação do homem teve contornos cruéis.
— O laudo pericial demonstrou que ela aspirou fuligem e portanto foi queimada viva. Estava viva até o momento em que foi queimada. As perícias também demonstraram que a vítima possuía marcas que indicam tentativa de defesa. Ela tentou se defender dos golpes praticados pelo agressor. Essas marcas aparecem especialmente nas mãos, e os dedos chegaram a ser decepados — disse a titular da 1ª Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) da Capital, no dia do indiciamento, no fim de maio.
O laudo pericial do local do crime ainda detalhou algumas ações, como o uso de uma cortina interna da casa para enrolar a jovem e transportá-la até o local que possuía a lareira. Segundo a delegada, o homem confirmou essa dinâmica.
Segundo a investigação, agressor e vítima se conheceram pela internet e mantinham relacionamento a distância. A primeira vez que os dois se encontraram pessoalmente foi nesta viagem a Porto Alegre, em fevereiro. Laila voltaria para sua cidade natal no dia 29 de março, mas foi morta antes disso.
Durante a estadia dela em sua casa, Fonseca teria se mostrado ciumento e apresentou comportamento controlador e abusivo com a vítima. A polícia acredita que a vítima não procurou as autoridades por medo do homem ou por acreditar que a violência não iria evoluir.
Homem se diz bruxo
Nas redes sociais, o homem mantinha hábitos incomuns, se apresentava como Victor Samedi, mestre bruxo em necromancia — prática que promove um suposto contato com mortos —, e vendia trabalhos espirituais. Um deles, chamado Ritual Portal da Fortuna, prometia que a pessoa ficaria rica "em 66 dias". Em uma das imagens publicadas em seu perfil, ele aparece sentado em uma poltrona vermelha, com um cetro em uma das mãos.
Segundo a investigação, Fonseca teria criado a própria religião, se intitulava "mestre bruxo" e "especialista em destruição e vingança", oferecendo trabalhos para "drenar as energias do seu inimigo". Segundo informações de familiares, o homem teria começado a estudar ocultismo e satanismo aos 15 anos e criado, depois, uma religião própria.
O réu morava sozinho em uma casa no terreno do pai, onde também fica uma residência de outros familiares. Na de Fonseca, a polícia encontrou um cenário construído para os supostos rituais, com diferentes facas, espadas, espécies de machados, castiçal, caveira, estátuas e máscaras com aspectos demoníacos e chifres.
No entanto, a Polícia Civil e o Ministério Público descartam que Laila tenha sido vítima de algum tipo de ritual. A morte ocorreu, conforme a denúncia, por questão de gênero.
Conforme a investigação do caso, o réu costumava receber em casa jovens de outros Estados para passar temporadas. A polícia diz não ter recebido denúncias de mulheres que possam ter sido vítimas de agressão por parte do homem.
Outros crimes
Fonseca era monitorado por tornozeleira eletrônica desde janeiro, após ser condenado por uma tripla tentativa de homicídio em Porto Alegre. A condenação, que saiu neste ano, refere-se a um caso de 2007, em que Fonseca atirou contra três pessoas, sendo dois policiais militares. Na época do crime, ele chegou a ficar preso por cerca de 40 dias, e desde então respondia ao processo em liberdade.
Após o assassinato de Laila, em um sábado, ele conseguiu romper o dispositivo e desativar o sinal de monitoramento, segundo a polícia. Foi preso na quarta-feira seguinte, perto da residência onde morava, na Zona Leste, e permanece detido na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc).
Contraponto
Em depoimento logo após a prisão, no dia 29 de março, Fonseca alegou que agiu em legítima defesa. Afirmou que os dois estavam tendo uma briga e que Laila teria partido para cima dele com uma espada. Em relação aos dedos da vítima, o homem disse que ela segurou a lâmina da espada e se machucou sozinha.
O advogado Jean Maicon Krause, que defende o réu, se manifestou por meio de nota:
"Na vindoura semana e dentro do prazo legal, apresentaremos defesa preliminar bem como tornaremos a postular pela concessão de liberdade provisória ao assistido."