A Divisão Especial da Criança e do Adolescente da Polícia Civil recebeu do Instituto-Geral de Perícias (IGP), após pedido para extração de dados de diversos dispositivos apreendidos, cerca de 2 mil páginas de mensagens trocadas entre um empresário que foi preso no Litoral Norte, em 27 de abril, e mulheres suspeitas de explorar sexualmente as próprias filhas. O investigado está preso preventivamente na Penitenciária Modulada de Osório.
O objetivo da análise em todo o conteúdo obtido pela polícia é identificar mais mulheres que possam ter sido aliciadas pelo homem. Há quatro mães presas, sendo três indiciadas em inquéritos já remetidos à Justiça. Outras seis mulheres são investigadas.
Os dados foram extraídos de discos rígidos de computadores e de telefones celulares, tanto do empresário quanto das quatro mulheres já presas. Ação decorre da Operação La Lumière, pela qual as autoridades resgataram, desde final de abril, sete crianças que estariam sofrendo abusos sexuais com suposto consentimento das mães. Materiais genéticos também foram recolhidos e estão sendo analisados.
O homem preso é investigado por suspeita de ser aliciador das mulheres e autor de violência sexual contra as crianças mediante pagamento de valores transferidos às mães, inclusive com recibos de transferências realizadas por Pix como evidências já incluídas aos inquéritos.
A polícia não revela a identidade do acusado, mas a reportagem conseguiu apurar que se trata do empresário do segmento de tecnologia da informação Jelson Silva da Rosa, 41 anos, que teria residência e empreendimento registrados em Imbé.
As acusações envolvem suspeita da prática de estupro, exploração sexual e produção de pornografia infantil, além de delitos como resistência à prisão e fraude processual, pois o acusado teria tentado destruir evidências e fugir durante momento da operação que resultou em sua prisão, em residência de sua propriedade no município do Litoral Norte.
A manutenção da prisão preventiva é considerada fundamental pelas autoridades. Conforme a polícia, trata-se de um indivíduo perigoso e com grande poder de dissimulação.
— O suspeito é casado e se apresenta como um homem de comportamento convencional, buscando constituir uma imagem empática perante a comunidade. Porém, as investigações demonstram que se trata de um criminoso contumaz, meticuloso, altamente persuasivo e que fazia uso de sua condição econômica estável para praticar uma rotina de crimes e abusos que representam uma gravíssima afronta à dignidade humana — afirma a delegada Camila Defaveri, titular da 1ª Delegacia de Polícia da Criança e do Adolescente.
A delegada diz que o suspeito aplicava sofisticação e sordidez à prática dos crimes, tendo criado uma espécie de "tabela de preços" a serem pagos pelo tipo de permissão que as mães aliciadas concedessem para que cometesse os atos propostos.
Ainda na primeira etapa da operação, a polícia apreendeu uma série de acessórios possivelmente utilizados em práticas sexuais, entre eles algemas e simulacro de arma de fogo, além de medicamentos de venda controlada, possivelmente utilizados como "dopantes", segundo interpretação das autoridades.
— Ele fazia a busca ativa por acompanhantes e garotas de programa em sites de relacionamento adulto. Combinava encontros somente com mulheres com filhas. Pedia que elas levassem as crianças e as recebia com mimos. Nos encontros, revelava suas reais intenções — relata a delagada.
De acordo com as investigações, após o primeiro encontro, o acusado buscava manter contato e, mediante oferta de dinheiro, procurava avançar nas formas de abuso praticadas, prometendo valores mais significativos às mulheres mães das vítimas.
A apuração, segundo Camila Defaveri, prossegue para descobrir se outras mulheres foram abordadas pelo suspeito com o mesmo tipo de propostas e se mais crianças podem ter sido submetidas a abusos e violência.
Contraponto
Representante de Jelson Silva da Rosa, o advogado Marcos Vinícius Barrios afirma que seu cliente nega a autoria dos fatos apontados pela polícia. Por nota, Barrios sustenta que a acusação, do ponto de vista técnico e sob seu entendimento, "encontra obstáculos legais" ao tipificar de forma "descabida e imprópria" a conduta do defendido. "Sob nenhum ângulo se amolda a figura prevista do crime de exploração sexual, tão noticiado e sustentado pelas autoridades", argumenta o advogado.
Barrios destaca ainda que busca reverter, na Justiça, a determinação de prisão preventiva do seu cliente.
Cinco pessoas presas em três fases da operação
Há seis inquéritos decorrentes da Operação La Lumière. Todos tramitam sob sigilo para preservar as crianças atingidas, que estão protegidas em instituições sob a tutela do Estado. Além do acusado, quatro mulheres permanecem presas em unidades estaduais de detenção, igualmente em regime preventivo.
Uma das mulheres, presa na primeira etapa, em 27 de abril, é mãe de três meninas, com idades de oito, 10 e 12 anos. Ela é suspeita de submeter as três meninas aos abusos em troca de dinheiro.
As prisões seguintes aconteceram na segunda etapa, ocorrida em 17 de maio. Uma das acusadas foi detida em Alvorada. Ela é estudante de Medicina Veterinária e suspeita de explorar a filha de seis anos. A outra é técnica em Enfermagem e foi apontada por permitir os abusos, mediante pagamentos, das filhas de um e de três anos e meio.
A terceira etapa, realizada na última sexta-feira (26), resultou na prisão de mais uma mulher, em Porto Alegre, sob acusação de incluir a filha de dois anos no esquema criminoso.
Denúncia anônima desencadeou investigações
A descoberta dos fatos que instigaram as investigações e propiciaram o resgate das sete crianças que estavam em situações de abuso e violência decorreram da atitude de uma pessoa. Foi ela quem denunciou a suspeita após deparar com parte dos diálogos em aplicativo de relacionamento mantido por uma das mães acusadas de exploração sexual.
— Isso é algo muito importante. Este tipo de atitude corajosa pode interromper um ciclo de violência do qual a criança sozinha seria incapaz de se ver livre. Tanto mais quando há participação daqueles que deveriam protegê-la — analisa a diretora da Divisão Especial da Criança e do Adolescente (Deca) da Polícia Civil gaúcha, delegada Caroline Bamberg.
Caroline garante que todas as denúncias são verificadas e a identidade das pessoas que procuram a polícia é mantida em absoluto sigilo.
Os principais canais de informação são:
- Disque-denúncia: 0800-510-2828
- WhatsApp e Telegram da Polícia Civil (51) 9.8418-7814.