Aos 43 anos, Eliandro José dos Reis aparentava ter uma rotina normal. Formado técnico em enfermagem, casado e conhecido na vizinhança em Dois Irmãos, para muitos, ele trabalhava como motorista de aplicativo. Para outros, no entanto, era policial civil. Dependendo do local onde se apresentava, podia ser perito criminal ou atendente do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). As diferentes identidades usadas por Reis seriam, de acordo com a polícia, meios de ele obter vantagens junto a vítimas.
Preso por extorsão na última quinta-feira (18), no município do Vale do Sinos, o homem, que acumula ocorrências por estelionato desde 2012, permaneceu em silêncio durante interrogatório. Independentemente de qual versão do suspeito conheciam, quem convivia com Reis foi surpreendido com a revelação das suas múltiplas facetas.
Conforme a Polícia Civil de Dois Irmãos, uma investigação foi aberta neste mês depois que uma pessoa procurou o órgão relatando ter sido extorquida. Contou que ela e parentes foram procurados, em casa e no trabalho, por um homem que afirmava ser policial civil. Esse homem seria Reis, que dizia atuar no Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc) e ter recebido informações que poderiam levar à prisão da vítima.
Ele pedia dinheiro para evitar a detenção. Segundo a polícia, um familiar dessa pessoa, bastante assustado com a abordagem, fez um depósito de quase R$ 600 para o golpista, que, após algum tempo, teria procurado novamente a família e pedido mais dinheiro. Por telefone, uma pessoa com voz feminina teria se identificando como delegada e confirmado a história de Reis para a vítima, que então desconfiou do caso e acionou a polícia.
Durante a investigação, o delegado Felipe Borba diz ter localizado diversas ocorrências similares contra o homem. A mais antiga é de 2012, registrada em Sapucaia do Sul. Na época, o dono de um posto de combustíveis contou que Reis abasteceu o carro e, na hora de pagar, disse ter tido problemas com o cartão do banco e que voltaria mais tarde para acertar a conta, dizendo ser um atendente do Samu. Ele estaria, inclusive, com roupas identificadas com o nome do Samu.
— Nesse primeiro fato registrado, ele se passa por funcionário público para tentar algum tipo de vantagem. Ao menos desde 2014, ele se passa por policial civil, há uma ocorrência disso em Novo Hamburgo naquele ano. Após a prisão, soubemos que ele era conhecido na região por praticar fraudes. Até então, o caso mais grave registrado era de estelionato, crime que depende das vítimas para ser levado adiante (uma investigação) e tem uma pena menor, acabava prescrevendo — explica Borba. — Dessa vez, ele foi detido e deve responder por extorsão, que é considerado mais grave — acrescenta, detalhando que, nesse caso, se houver condenação, a pena varia de quatro a 10 anos de prisão.
Em 2016, um mandado de busca contra Reis resultou na apreensão de uma capa de colete balístico com o brasão da Polícia Civil. Em janeiro deste ano, durante uma viagem a Porto Alegre, foi abordado pela Brigada Militar, que apreendeu no carro dele algema, arma falsa e equipamento luminoso usado em sinalização de trânsito. Na ocasião, Reis foi detido, assinou termo circunstanciado e foi liberado, segundo a polícia. Segundo o delegado Borba, "apesar do histórico longo", o homem costumava ser liberado logo após as detenções, porque, segundo o delegado, "é o que prevê o código penal.
Na semana passada, Reis foi preso em casa, onde foram apreendidos dois celulares que tinham o brasão da Polícia Civil como fundo de tela. Os aparelhos foram encaminhos à perícia. Também foram encontrados cartões bancários e camisetas com identificação da polícia de Nova York.
A Defensoria Pública do Estado, que atende Reis, afirmou que só irá se manifestar na Justiça.
Facilidade de relacionamento
Conforme a investigação, que ainda apura se ele agia sozinho ou se tinha comparsas, Reis assumiu diversas falsas profissões ao longo dos últimos anos, entre elas, perito criminal, policial civil e delegado. Gravações telefônicas obtidas pela polícia indicam que ele teria alterado a voz para se passar por outra pessoa. Também usava aplicativos de relacionamento e marcava encontros, apesar de ser casado, para, mais tarde, pedir dinheiro emprestado às pessoas com quem saía para supostos gastos inesperados, como com cirurgias, por exemplo.
Para o delegado Borba, a conduta do homem é similar à de outras pessoas que atuam em casos de golpes:
— O estelionatário tem esse perfil de ter muita facilidade em se relacionar com as pessoas, de ganhar credibilidade. É bastante comum circular em vários grupos. Chama atenção que ele se passava por falso policial e, ao mesmo tempo, tinha vínculo com pessoas ligadas ao tráfico, como informante. Nos relacionamentos que ele teve a partir de aplicativos, fica clara a intenção de angariar mais pessoas para obter mais e mais ganhos.
Ainda assim, o homem não teria um padrão de vida elevado, conforme a polícia. A investigação aponta que ele teria obtido R$ 15 mil em um golpe aplicado pela internet em 2021. Nas demais ocorrências, a quantia obtida não costumava passar de R$ 1 mil.
Natural de Cascavel, no Paraná, Reis é técnico em enfermagem e trabalhou por um breve período em hospitais na região. Vivia com uma companheira em uma casa simples em Dois Irmãos e dvidia o tempo entre a residência e a casa de familiares em Portão. Ele seria casado há pelo menos 15 anos. À polícia, a mulher negou que tivesse conhecimento sobre a conduta do homem.
— Ela afirmou que ele não ficava sempre em casa, que costumava descansar de dia e trabalhar à noite. Foi uma surpresa para ela, para os vizinhos, porque até então era só mais um morador comum. Foi uma surpresa de forma geral, para quem achava que ele era um policial, para todos os que conheciam ele — explica Borba.
Contraponto
A Defensoria Pública do Estado (DPE/RS) afirmou que foi procurada, nesta terça-feira (23), pela família de Reis, que solicitou atuação na defesa. A instituição afirma que o processo está em segredo de Justiça e que irá se manifestar apenas nos autos do processo.