A Polícia Civil investiga um caso de intolerância religiosa registrado no bairro Partenon, na zona leste de Porto Alegre, na madrugada de 9 de março. Na ocasião, vândalos picharam com xingamentos e acusações a fachada de um templo de religião de matriz africana e criaram um perfil falso para difamar os religiosos.
A delegada Andréa Mattos, titular da Delegacia de Polícia de Combate à Intolerância (DPCI) de Porto Alegre, recebeu a denúncia e instaurou o inquérito para investigar o caso. Segundo ela, as vítimas já foram ouvidas. Imagens e vídeos do ataque ao templo também foram anexados à ocorrência e serão analisados pela polícia.
O caso aconteceu por volta de 1h30min daquela quinta-feira, quando uma pessoa escreveu palavras de ódio em frente ao templo Reino de Ogum e Oxalá, uma casa de nação e umbanda. A ação foi acompanhada com medo e apreensão do lado de dentro do prédio pelas câmeras de videomonitoramento.
— Escutamos o som como de uma bomba. Um estouro no pátio. Fomos direto para as câmeras e checando parecia que tinha leite no chão na frente de casa. Depois, verificamos que era tinta. A pessoa retornou cerca de meia hora depois e continuou pichando por cerca de 10 ou 15 minutos — lembra o babalorixá Carlos Eduardo Malater dos Santos, 51 anos, o Pai Duda de Oxalá.
Fundador do templo há mais de 10 anos e morador do endereço há três, Pai Duda lembra que o agressor vestia roupa preta e usava uma máscara. Segundo ele, havia uma segunda pessoa que teria arremessado uma pedra em direção à câmera de segurança.
A Brigada Militar foi acionada e chegou momentos após o término da ação dos vândalos. Ainda durante a madrugada, Pai Duda e seu companheiro David Gonçalves Schneider dos Santos, 36, Pai David de Ogum, que mora com ele no local, recobriram as pichações com tinta para impedir que as palavras de ódio ficassem estampadas em frente ao templo.
Ataque virtual
A agressão ocorrida na madrugada não se restringiu ao ataque físico e foi transportada, também, para o ambiente virtual. Ao longo do dia, Pai Duda e Pai David receberam diversos relatos sobre posts difamatórios publicados por um perfil falso no Facebook.
— Babalorixás e outras pessoas começaram a nos avisar que estavam recebendo fotos e um áudio de uma pessoa contando uma história falsa sobre nós. Após diversas denúncias, o perfil fake caiu — lembra Pai Duda.
O babalorixá destaca que, embora as atividades no terreiro não tenham sido suspensas, os dois episódios de agressão acenderam um alerta. As sessões passaram a contar com seguranças e o sistema de proteção do local foi reforçado, embora não haja suspeitos.
— Não temos inimigos, mas nos assustamos bastante porque houve um ameaça e uma tentativa de difamar a imagem da nossa casa e da nossa religião. Nunca passamos por nada desse tipo — diz o babalorixá.
A delegada Andréa afirma que os dados cadastrais do perfil utilizado para fazer as publicações foram solicitados ao Facebook para tentar chegar ao autor do ataque virtual. Até o momento, ninguém foi preso.
Contra a intolerância religiosa
O ataque contra o templo gerou uma rede de solidariedade entre a comunidade das religiões de matriz africana. Entre os apoiadores que contataram Pai Duda está o Pai Ricardo de Oxum, chefe de Divisão da Comunidade Negra, Quilombolas e Povos de Terreiro da Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (SJCDH) do RS, que reforçou a importância de combater a intolerância religiosa.
Para pedir o fim do preconceito e racismo religioso, foi convocada para o dia 22 de abril, véspera do dia de Ogum (São Jorge para os católicos), uma caminhada em homenagem ao orixá e também contra a intolerância religiosa. Os detalhes como horários e trajeto serão alinhados em uma reunião que ocorre na manhã desta quarta-feira (29), entre lideranças religiosas e Pai Ricardo de Oxum, no Centro Administrativo Fernando Ferrari (Caff), em Porto Alegre.