Teve início na manhã desta quinta-feira (2) o segundo julgamento pelo assassinato de Paola Avaly Corrêa, 18 anos. A jovem foi executada a tiros em maio de 2018, após ser obrigada a deitar numa cova na Vila Tamanca, na zona leste da Capital. O crime ganhou repercussão em razão de um vídeo que registrou o momento do homicídio e que foi divulgado nas redes sociais na época.
São julgados nesta quinta Nathan Sirangelo, 27 anos, que é ex-namorado da vítima e apontado como mandante do crime; Thais Cristina dos Santos, 24, acusada de ter auxiliado no sequestro de Paola e gravado a execução da jovem; e Bruno Cardoso Oliveira, 28, que teria sido responsável por arregimentar o grupo para cometer o homicídio. As defesas de Nathan e Bruno negam envolvimento no crime — a de Thais ainda não se manifestou.
Segundo o Ministério Público, Nathan seria integrante de uma facção criminosa com berço no bairro Bom Jesus e teria ordenado a execução da ex. O motivo seria uma publicação realizada no Facebook, na qual Paola teria se referido ao ex como "otário", "piá" e "corno". No primeiro julgamento, na terça-feira (1º), quando três réus foram condenados, um deles, Vinicius Matheus da Silva, 25 anos, admitiu o crime e buscou inocentar os demais acusados.
O julgamento
A primeira etapa foi o sorteio dos jurados. Duas mulheres e cinco homens foram escolhidos para formar o Conselho de Sentença, que decidirá se os réus são culpados ou inocentes pelos crimes. Às 10h07min, os demais jurados, que não tiveram os nomes sorteados, foram dispensados. Logo depois, a juíza Cristiane Busatto Zardo concedeu tempo para os jurados lerem as peças do processo. Enquanto jurados liam, familiares dos réus chegaram ao plenário.
A primeira testemunha ouvida foi a mãe de Paola, assim como no júri anterior. Os familiares da vítima solicitaram que essa etapa fosse realizada sem a presença dos réus.
— É muito triste estar aqui de novo e lembrar tudo de novo o que aconteceu. Para mim, é muito difícil. É uma dor muito forte — disse a mãe, logo no começo.
Ao ser indagada sobre o que sabe a respeito da morte da filha, diferentemente do primeiro júri, a mãe deu mais detalhes do caso. Da primeira vez, ela falou somente por 10 minutos e disse não saber de nada. O promotor Eugênio Amorim chegou a indagar, no primeiro júri, repetidas vezes, se ela estava com medo ou sendo ameaçada. Dessa vez, a mãe confirmou ter visto marcas de agressões na filha.
— Eu vi os hematomas dela e eu perguntava o que era. E ela disse: "Eu caí" — afirmou, relatando, na sequência, que soube por amigas da filha que ela teria sido agredida por Nathan durante as visitas que fazia a ele na cadeia.
A mãe disse que Paola não queria mais manter a relação com Nathan, que chegou a arranjar desculpas para não ir visitar o ex na prisão e que estaria em outro relacionamento quando desapareceu.
— Ela me dizia que não queria mais o Nathan e queria ficar com esse (novo relacionamento). Mas eu não conheci o rapaz — disse a mãe.
Logo depois, o advogado Rafael Keller passou a fazer questionamentos em nome da defesa de Nathan. Indagou se a mãe da jovem soube que um dos réus, Vinicius Matheus da Silva, 25, que admitiu ter matado Paola, foi condenado, e o que ela sentiu ao saber disso.
— Nada vai trazer ela de volta. Mas eu agradeci a Deus pela justiça. Eu quero justiça, mesmo ela não estando aqui — respondeu.
— Seria possível que fosse essa pessoa que confessou a morte dela? — questionou o criminalista, sobre o relacionamento que Paola estaria mantendo na época.
— Eu acho que não.
— A senhora conhecia a pessoa?
— Não. Mas eu acho que não. A minha filha quando tira para amigo é amigo. E ela separa as amizades. Ela não se envolve — respondeu a mãe.
Questionada pelo advogado por que Nathan foi apontado como mandante do crime, respondeu:
— Porque ela não queria mais ele. (...) É muito difícil perder uma filha — disse a mãe.
O advogado perguntou por que, no júri anterior, ela negou saber detalhes do caso, e a mãe respondeu que estava nervosa e assustada:
— Medo, porque eles podem ser condenados e um dia vão sair da pena. Vão ficar livre, e podem fazer alguma coisa. Eu tenho medo desse povo. A gente vê televisão e a gente sabe o que eles podem fazer com as pessoas.
Amorim interrompeu o advogado, afirmando que ele estava fazendo perguntas "capciosas" para a mãe.
— A senhora tem medo de algum dos outros acusados? — insistiu Keller.
— Sim, um dia eles vão sair dali — respondeu.
A mãe relatou que nunca teve coragem de assistir ao vídeo da execução da filha:
— Eu sou mãe. Eu tenho que me lembrar dela como ela era.
Logo na sequência, começou a ser ouvida a irmã de Paola, de 35 anos, que já tinha falado no primeiro julgamento.
— Ela não falava tudo para nós. Não sei se ela tinha medo ou não queria trazer informações para a gente ficar mais preocupado. (...) Ela nunca chegou a falar que o Nathan a ameaçou, a única coisa que ela falou é que ele batia nela — afirmou. — A única coisa que eu sei é que o relacionamento que ela tinha era com o Nathan — acrescentou.
As defesas optaram por não fazer perguntas à irmã, e os depoimentos das familiares foram encerrados às 11h32min. Logo depois, os réus ingressaram na sala para acompanhar o depoimento da última testemunha de acusação. O policial civil, que na época trabalhava na 2ª Delegacia de Homicídios Proteção à Pessoa (DHPP), quando Vinicius (o mesmo réu sentenciado na terça-feira), ao ser preso por outro crime, disse saber onde estava o corpo de Paola, e que conduziu as equipes até lá.
— Ele de fato indicou precisamente o local onde o corpo foi enterrado — disse.
O policial afirmou ainda que, na época, Vinicius disse, informalmente, que o motivo do crime teria sido o fato de Paola ter feito a publicação ofendendo o ex, e que, por isso, ele teria ordenado sua morte.
Às 11h42min, foram encerrados os depoimentos das testemunhas e dado início ao interrogatório dos réus. A expectativa é de que este julgamento se prolongue mais do que o realizado na terça-feira, que se encerrou por volta das 21h. No primeiro, o MP não fez uso da réplica, que é a segunda etapa dos debates. Nesta quinta, é possível que o promotor decida explorar mais a fase do debate, o que deve levar a sessão a se estender até por volta da meia-noite.
Ré admite gravação
A primeira ré a ser ouvida no fim da manhã foi Thais, que admitiu ter feito a gravação do crime, mas alegou ter sido coagida para isso e negou qualquer outra participação. Disse que, na época, Vinicius havia lhe acolhido na casa dele, na Vila Tamanca, e que foi ele quem lhe entregou o telefone para que ela fizesse o vídeo. Negou ter participado do sequestro ou ter presenciado o momento em que Paola foi levada para a mata e a cova foi aberta.
— Ele (Vinicius) estava com uma arma na mão. Pediu para subir no mato com ele. A cova estava aberta. E estava essa moça lá. Ele estava muito bravo. Pelo que ele estava falando, ela tinha traído ele. Não dava para entender muito bem, alguns fatos não me recordo, porque faz muito tempo — disse.
Sobre um dos réus que foi condenado no primeiro júri, Carlos Cleomir Rodrigues da Silva, 39, apontado como um dos comparsas no sequestro de Paola, Thais afirmou que o viu pela primeira vez durante as audiências na Justiça. No entanto, um dos motivos que levaram Carlos a ser condenado é um reconhecimento feito por Thais, durante a investigação, apontando-o como um dos sequestradores de Paola.
— A senhora sabe por que ele levou a senhora só para filmar, não pediu ao próprio crackeiro que abriu a cova que filmasse? — indagou o promotor, e Thais disse não saber o motivo.
Logo depois, Amorim questionou:
— A senhora vai afirmar essa versão então, de que o relacionamento era com ele, livrando o Nathan?
— Foi o que ele (Vinicius) falou — disse a ré.
Na sequência, a advogada Gisela Almeida indagou se a cliente sente medo.
— Bastante — respondeu.
— Quando foi com Vinicius, sabia o que ia acontecer? — questionou a advogada.
— Nunca. Se eu soubesse o que ia acontecer, nunca ia participar de uma coisa dessas. O Vinicius disse que ia matar eu e minha família — afirmou a ré.
Quando questionada pela defesa de Nathan se em algum momento viu Vinicius conversando por telefone com Nathan, Thais alegou que só havia um telefone e que era o que ela estava usando para fazer a gravação. E que durante a execução Vinicius falava em prejudicar Nathan, após descobrir que Paola mantinha relacionamento com ele.
— Porque a traição não ia ficar assim — disse Thais.
Por videoconferência, o defensor público André Esteves, que defendeu Carlos, também fez perguntas à ré. Ele indagou repetidas vezes se ela viu o cliente ou outro homem no local da execução, e ela negou. Thais alegou que, quando fez o reconhecimento de Carlos por fotografia, acreditava se tratar do usuário de drogas Paulo Henrique Silveira Merlo, 40, que foi condenado por abrir a cova para a vítima.
— Eu achei que era o Paulo, na foto parecia o Paulo — disse.
Apontado como mandante nega acusações
Logo depois, passou a ser ouvido Nathan, apontado como mandante do crime. Quando interrogado pela juíza, negou qualquer agressão ou ter ordenado a execução de Paola, e disse não ter posição de liderança na facção criminosa.
— Mas por que se dá essa tal liderança? — o preso disse à juíza.
Nathan questionou a magistrada sobre seus antecedentes por tráfico e insistiu que não tinha todas as condenações citadas. Cristiane voltou a ler todas as condenações.
— Uma liderança por causa disso, por causa dessas passagens. As duas vezes, fui comprar maconha, e outra vez me enxertaram cinco petecas de coca — respondeu o preso.
— Essa parte de antecedentes termina aqui — afirmou a juíza, encerrando a discussão.
Sobre o relacionamento com Paola, o réu afirmou que conhecia a jovem antes de ser preso e que depois eles retomaram o contato pelas redes sociais. E que, a partir disso, ela passou a visitá-lo no Presídio Central. Afirmou que, no domingo em que ela desapareceu, eles tinham combinado que ela não iria visitá-lo porque era Dia das Mães.
O promotor Amorim iniciou os questionamentos pela acusação, indagando sobre a postagem realizada por Paola.
— O senhor não viu nas redes sociais que ela lhe chamou de corno? — questionou.
— Ela não me chamou de corno — respondeu.
O preso tentou fazer uma pergunta ao promotor e foi interrompido.
— O senhor é o interrogado. Eu não respondo perguntas — disse Amorim.
O promotor seguiu nas questões:
— O senhor não olhava redes sociais da mulher com quem se relacionava?
— Não ficava olhando.
— Esses processos é tudo enxerto?
— Tudo não.
— Não tente tergiversar. Não sou pouco inteligente.
— Um assalto eu fui julgado, e outro fui absolvido.
O advogado de defesa de Nathan interrompeu, ressaltando ao réu que ele poderia se negar a responder as perguntas, caso não se sentisse à vontade, e que estava ali para ser julgado pelo crime e não pelos antecedentes.
— O senhor pode mostrar para nós o que tem no pulso esquerdo debaixo da manga? Que tatuagem é? — Amorim fez uma última pergunta.
— O Olho de Hórus — disse o promotor.
A defesa de Nathan seguiu fazendo perguntas, e o réu disse que só soube pela televisão do desaparecimento de Paola e do vídeo da execução.
— Com desacertos, mas nada... Acho que todo casal tem — disse sobre a relação.
Keller, advogado de defesa, questionou se Nathan sabia que outro réu tinha confessado o crime e se sabia que Vinicius relatou manter relacionamento com Paola e que havia agido por ciúme.
— Ele tinha motivos para tentar me incriminar. Como ele ia apontar o lugar onde estava o corpo e falar que não matou? Mostra que ele estava tentando tirar do dele, para largar em alguém — respondeu Nathan.
— Tu mandou matar a Paola? — questionou o criminalista.
— Não — disse o réu.
Terceiro réu a ser ouvido, Bruno negou qualquer envolvimento com o crime. Disse que acredita ter sido apontado como envolvido em razão de seus antecedentes. Às 12h47min foram encerrados os interrogatórios e aberto intervalo até 13h45min.
Primeiro júri
No primeiro julgamento, além de Vinicius, que foi condenado a 28 anos, também foram sentenciados outros dois réus. Carlos Cleomir Rodrigues da Silva, 39, foi condenado por homicídio qualificado e ocultação de cadáver, mas os jurados reconheceram que ele teve participação de menor importância. A pena total ficou em 16 anos e 2 meses, com regime inicial fechado. O defensor público André Esteves pretende recorrer para tentar reduzir a pena de Carlos. O advogado Igor Garcia informou que foi contratado somente para atuar no plenário e que o recurso deverá ser movido pela Defensoria Pública.
Já o terceiro réu, Paulo Henrique Silveira Merlo, 40, teve todas as qualificadoras afastadas e foi condenado por homicídio simples e ocultação de cadáver. Os jurados entenderam que houve participação de menor importância dele no crime, e a pena foi fixada em oito anos e 10 meses de reclusão. A magistrada determinou que ele pode apelar em liberdade, porque já estava preso pelo crime desde 2018, e estabeleceu que ele seja colocado no regime semiaberto. O defensor público William Foster afirmou que não irá recorrer.
Contrapontos
O que diz a defesa de Nathan:
O criminalista Rafael Keller, que defende Nathan, sustenta que o motivo de ele ser apontado como mandante do crime é o fato de que a vítima visitava o réu frequentemente na Cadeia Pública de Porto Alegre (o Presídio Central).
— Não há nenhuma prova produzida em audiência judicial que aponte Nathan como mandante do crime. Toda prova apontada pela acusação advém de depoimentos que supostamente foram prestados na fase de inquérito policial. Interrogados em juízo, os réus alegaram que os depoimentos que constam no inquérito não condizem com o que realmente foi dito por eles na delegacia de polícia — afirma o advogado.
Keller diz ainda que as acusações sustentadas pelo Ministério Público, de que Nathan seria o mandante do crime, "não passam de suposições".
— A tese defensiva demonstrará, de forma firme e coesa, baseado em provas já produzidas nos autos, que Nathan Sirangelo não teve qualquer participação nos fatos narrados na denúncia, o que fora confirmado, diante da confissão da autoria do homicídio pelo corréu Vinicius — diz o criminalista.
O que diz a defesa de Bruno:
As advogadas Viviane Dias Sodré e Gabriela Goulart de Souza se manifestaram ainda na terça-feira (28), por meio de nota, na qual negam as acusações. No texto, ressaltam a versão dada por Vinicius, de que teria apontado Bruno como envolvido no crime em razão de desavenças entre eles. Confira o texto:
"Conforme possível visualizar nos depoimentos prestados na data de hoje (terça), nenhum policial responsável pela investigação apontou Bruno como mandante do crime. Além disso, o corréu que admitiu a sua participação esclareceu que inicialmente apontou Bruno por possuir desavenças anteriores com o mesmo. Assim, conforme será exposto no próximo dia 02, a Defesa acredita e confia nos jurados para que absolvam Bruno de todas as acusações".
O que diz a defesa de Thais:
A advogada Gisela Almeida, uma das responsáveis pela defesa de Thais, informou que pretende se manifestar somente no julgamento.