Desde 8 de dezembro de 2022, pelo menos 32 mulheres de Santa Maria, na Região Central, vivem um pesadelo. Às 7h da manhã daquele dia, o namorado de uma delas foi acordado por uma amiga que contou ter reconhecido a companheira dele em fotos em um site pornográfico. A partir de então, uma rede de contatos se formou, com cada vez mais pessoas tendo imagens encontradas. A Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher de Santa Maria abriu 10 inquéritos para investigar o caso.
Algumas fotos de vítimas têm nudez, outras são de ensaios sensuais e algumas são de mulheres de biquíni. Três seriam ex-namoradas do principal suspeito, que não teve o nome divulgado. Elas tiveram imagens nuas expostas. Duas afirmam ter se aproximado dele após contatos por aplicativos de relacionamento. Outras seriam namoradas de amigos do suspeito, que teria feito print de postagens das vítimas nas redes sociais. Há também mulheres que nem conheciam ele.
As mulheres foram se avisando a partir do momento em que uma reconhecia outra no site. Um grupo foi formado no WhatsApp para reunir todas e trocar informações. Uma advogada foi contatada. Teriam sido encontrados 44 álbuns ligados a um usuário deste site. Apenas um reunia fotos de mulheres sem identificação. Os demais eram devidamente titulados com os nomes ou apelidos das vítimas, quase sempre acompanhados de algum comentário pejorativo.
Ao conversarem, as mulheres chegaram ao nome do suspeito. Em comum, todas o tinham no círculo social, além do fato de ele ter namorado três delas. Muitas imagens foram feitas enquanto as vítimas tomavam banho ou dormiam. Duas delas afirmam que mandaram as imagens ou permitiram que ele as fizesse para ajudá-lo a largar a pornografia, vício que ele dizia ter.
Uma das ex-namoradas relata o trauma em ter de procurar as próprias fotos em um site pornográfico. Era preciso agilidade para salvar o maior volume de provas possível. E, de fato, a atitude das vítimas foi importante. Como o número de acessos aos álbuns foi elevado, em um dia eles foram excluídos do site.
— Tive de ficar procurando num site pornô, para achar fotos minhas no meio daquilo tudo — conta a jovem.
Algumas mulheres que também dizem ter sido alvo do suspeito não quiseram se juntar ao grupo para relatar o caso.
— Muitas não estão querendo continuar porque é uma carga mental absurda. É todo um processo lento, exaustivo e desgastante. Você se sente num filme. Confiou na pessoa, teve um relacionamento com ela, se doou até um certo ponto. Aí descobre que a pessoa chegou ao ponto de colocar as tuas imagens num site, te expor dessa maneira e não se importar no quanto isso impacta na vida da pessoa. É um choque em um primeiro momento, depois só vem a raiva, o nojo e o arrependimento de ter se envolvido com uma pessoa dessas — desabafa uma das vítimas.
Outra mulher, ao saber do vazamento de fotos seminua, pediu demissão do emprego porque não conseguia mais sair de casa por vergonha de ter sido exposta.
Vergonha e culpa
A namorada do jovem que foi o primeiro a ver as fotos no site pornográfico relata o seu trauma ao descobrir.
— Eram fotos de ensaios, que eu divulguei para os meus amigos confiando neles, esperando no máximo que alguém dissesse que ficou legal, não que as imagens parariam em site pornográfico. A sensação foi de pânico, de não saber o que foi feito nem o que ainda pode ser feito a partir do que já foi divulgado — lamenta ela, que afirma já ter sido vítima de crime sexual no passado:
— Tenho estresse pós-traumático de um primeiro abuso que sofri. Agora precisei voltar para delegacia para interrogatório, reviver pesadelos.
O namorado desta jovem admite que chegou a se sentir culpado pela situação:
— Eu o trouxe para dentro de casa, mas ao mesmo tempo não tinha como saber que ele era essa pessoa. Acreditava que era alguém que tinha problemas que poderiam ser resolvidos com terapia, com um puxão de orelha, mas que não afetavam a essência dele. Teve o momento da culpa, da raiva, mas agora só quero que essa situação seja resolvida e que ele pague pelo que ele fez.
Investigação
A Delegacia da Mulher de Santa Maria tomou conhecimento do caso no dia 2 de janeiro, quando a advogada Renata Quartiero, contratada pelas vítimas, levou uma espécie de dossiê com as informações de todas as mulheres à delegada Elizabete Shimomura. Conforme a policial, por conta da peculiaridade de cada caso, decidiu-se abrir mais de um inquérito.
O principal crime investigado de modo geral é o previsto no Artigo 218-C do Código Penal, que é publicar ou divulgar cena de sexo, nudez ou pornografia sem o consentimento da vítima. A pena para esse crime, em caso de condenação, é de um a cinco anos de reclusão, mas pode ser aumentada de um terço a dois terços se o crime for praticado por uma pessoa que tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou que tenha tido o objetivo de vingança ou humilhação.
Em algumas imagens publicadas no perfil do site pornográfico, havia a hashtag revengeporn, que significa vingança pornográfica. Essa expressão é usada quando um ex-namorado expõe imagens íntimas da companheira para se vingar.
Outro crime investigado é o de stalker, previsto no artigo 147-A,B do Código Penal. Esse crime se configura pelos prints feitos pelo suspeito de diversas imagens de redes sociais das vítimas, como Twitter e Instagram. Há, ainda, um relato de estupro feito por uma das ex-namoradas. Durante uma relação sexual, ela teria pedido que ele parasse, mas não foi atendida.
A prática dele era pegar fotos, além das jovens com quem se relacionava, também de mulheres que ele seguia nas redes sociais.
RENATA QUARTIERO
Advogada
— Ele sempre foi extremamente abusivo nas nossas relações sexuais, mas só me dei conta disso muito tempo depois. Ele fazia coisas horríveis, que são muito dolorosas de revisitar. Quando a gente terminou, de fato, eu deixei bem claro que havia sido por isso, porque senti que havia sido estuprada dentro do relacionamento — revela uma das ex-namoradas.
A advogada Renata Quartiero diz que confia na celeridade das investigações e espera que o suspeito seja indiciado. Ela afirma que o principal objetivo, nesse momento, é a responsabilização criminal do investigado.
— A prática dele era pegar fotos, além das jovens com quem se relacionava, também de mulheres que ele seguia nas redes sociais. Tínhamos de agir rápido. Houve agilidade da Polícia Civil que foi muito importante nesse primeiro momento — explica a advogada.
Foi cumprido um mandado de busca e apreensão na casa do suspeito. Um notebook e um celular foram apreendidos e também foram solicitadas algumas quebras de sigilos. A delegada Elizabete Shimomura preferiu não se manifestar sobre o caso nesse momento.