
Um mês após um crime brutal que chocou o Rio Grande do Sul, a família das quatro crianças mortas dentro de uma casa em Alvorada tenta entender como será a vida daqui para frente. Em 12 de dezembro, Giovana, 3 anos, Kimberly, 6, Donavan, 8, e Yasmin, 11, foram mortos pelo próprio pai, segundo a polícia, em um caso que deixou um rastro de indignação e dor, além de mãe, tios e avós órfãos. Principal suspeito do caso, David da Silva Lemos, 28 anos, está preso desde 14 de dezembro. A investigação sobre as mortes segue em andamento na Polícia Civil.
Tentando encontrar formas de lidar com a perda, a vó materna das crianças, Idenisia Martins da Silva, 59, gravou o nome dos netos na pele, em homenagem, assim como as tias e a mãe dos pequenos, Thays da Silva Antunes, 26. Idenisia lembra dos meses que passou morando com a filha e as crianças, entre maio e agosto, em Porto Alegre. Na oportunidade, Thays e o ex estavam separados, e a jovem pediu que a mãe cuidasse das crianças durante o dia, para que pudesse trabalhar.
Idenisia deixou a praia de Imbé, onde residia, e passou a morar com os netos. Hoje, ela lembra com carinho dos momentos que dividiu com os quatro.

— Eu tive o privilégio de conviver, passar o dia a dia com eles. Meu maior prazer foi esse, estar na rotina deles. Eu vi essas crianças nascerem, eu estava dentro da sala com a minha filha. Quando a Yasmin nasceu eu estava lá, o Donavan também. A Giovanna eu lembro que nasceu no corredor, não deu tempo de entrarmos na sala. Só a Kimberlly eu não acompanhei no parto. Foi muito muito gratificante — conta a avó, que seguiu junto dos quatro durante todo o velório, até o momento do sepultamento.
Idenisia diz que deixou o apartamento onde morava com a filha e os netos quando Thays reatou o relacionamento com Lemos, em agosto. Logo depois, ela conseguiu um emprego como atendente de caixa em um supermercado, e voltou a trabalhar. Agora, ela conta que a atividade ajuda a distrair um pouco o pensamento, mas há momentos do dia em que a dor intensifica:
— Eu preciso ser forte, pela Thais, pelos meus filhos. Na rua, a gente tem que mostrar que está indo bem. Mas dentro da minha casa, quando chego, sei que posso desabar, posso chorar, posso lembrar. É muito triste, muito recente. Ainda temos algumas crises às vezes. Quando vejo uma criança, não tenho como não lembrar. Cada um tinha sua essência, a pequeninha era muito engraçadinha, cada um tinha um jeitinho. Acho que estamos aprendendo a conviver com a dor e com a perda. Eu sei que, onde eles estiverem, estão bem, em um lugar melhor. É isso que dá forças.
Idenisia conta que, após as mortes, a filha está morando com o pai e a madrasta, em Porto Alegre. Antes, morava com as crianças de aluguel. A jovem vinha planejando levantar uma casinha de madeira, para viver com os filhos, em um terreno que comprou, segundo Idenisia. Thais já havia comprado as madeiras para a montagem e vinha construindo e pagando aos poucos. Estava feliz com o futuro que vinha desenhando para os pequenos.
Segundo a avó, após o crime, Thais deixou o emprego e faz tratamento psicológico.
— Eu sinto que sofro por cinco, pelas crianças e pela minha filha. Mas há uma dor que é só dela, que só ela sabe o tamanho. Minha filha sempre foi uma ótima mãe, sempre trabalhou, é dedicada.
Quando as mortes completaram uma semana, Idenisia e familiares realizaram uma missa de sétimo dia. A avó também pediu que o nome dos pequenos estejam na orações por um ano, todo dia 12, quando as mortes teriam ocorrido.
Relação com o pai
Segundo a atendente, Lemos nunca teria agredido fisicamente as crianças. No entando, ela afirma que os pequenos teriam feito alguns relatos sobre o pai:
— Ele dava mais atenção para as meninas do que para o Donavan, o tratamento era diferente. Lembro que ele não queria registrá-lo como filho, dizia que não era dele. Então eu falei que iríamos fazer um teste de DNA, aí ele registrou a paternidade. Uma vez eles também me contaram que o pai servia comida gelada para eles, direto da geladeira sem aquecer. Mas ninguém jamais iria imaginar uma coisa dessas, ele fez para atingir a minha filha.
Lemos tinha uma medida protetiva, expedida pela Justiça, para que não se aproximasse da mãe das crianças. O pedido foi feito por Thais após um episódio de agressão ocorrido em setembro. A determinação, válida por seis meses, no entanto, não se estendia aos filhos.
— Ela estava em uma chamada de vídeo comigo quando essa agressão aconteceu. Eu que liguei para a Brigada Militar e pedi que fosse lá — lembra a avó.
Os dois mantiveram relacionamento por quase 12 anos, e estavam separados há cerca de seis meses.
Frieza
A frente do caso, o delegado Edimar Machado, da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) de Alvorada, afirma que o inquérito segue em andamento. Seguendo ele, a maioria das etapas da apuração já foram concluídas. Testemunhas, como vizinhos do homem e familiares das crianças já prestaram depoimentos, assim como a avó paterna dos pequenos, que foi quem localizou os corpos dos netos. O celular da mãe também passou por análise, mas nada relevante foi encontrado. Telefones apreendidos com o homem ainda passam por perícia, assim como a faca que teria sido usada.
O policial define o crime como um dos mais frios do município, onde atua há cerca de seis anos:
— Nós já tivemos casos de crianças que acabaram morrendo em confrontos do tráfico de drogas, pela violência. Mas este, com certeza, é de o maior frieza, um crime de morte por parte do pai das crianças.
O diretor da divisão de Homicídios da Região Metropolitana, delegado Cassiano Cabral, também fala sobre o peso que o caso traz aos policiais:
— É uma situaçao que exige um preparo, um profisisonalismo extra dos policias. A forma como tudo aconteceu chama muito a atenção, até mesmo dos mais experientes, é algo que nos choca. Agora, trabalhamos para que o inquérito não deixe nada para trás e que o indiciamento venha com bastante clareza sobre os fatos.
A Polícia Civil pediu prorrogação de prazo para concluir o inquérito, que deve ser entregue até o fim de janeiro. As equipes aguardam o resultado de perícias que ajudarão a esclarecer pontos sobre as mortes. Uma das perguntas a serem respondidas, por exemplo, é se Lemos dopou as crianças antes de cometer os crimes — em relato informal à polícia, o pai disse ter dado chá para fazer os filhos dormirem.
Conforme o Instituto-Geral de Perícias (IGP), foram solicitadas total de 47 análises referentes ao caso, sendo 23 delas da área de toxicologia, que deve responder se havia alguma substância sedativa no corpo das crianças. De todas as perícias, 23 estão concluídas, entre elas a análise de impressões digitais e a que verificou a possibilidade de presença de álcool etílico nas vítimas. O IGP afirma que as perícias estão em fase final e devem ser concluídas dentro de 15 dias.
Homem quis atingir a ex
O assassinato ocorreu dentro da casa de Lemos. A polícia acredita que as mortes tenham ocorrido na segunda-feira (12), mas os corpos só foram encontrados na terça (13).
Em um relato inicial, o homem disse que ia levando as crianças, uma a uma, para dentro da casa e as fazia dormir. A menor teria sido sufocava com um travesseiro, e foi achada em um quarto do local. As outras três, após serem sufocadas, também receberam golpes de faca, conforme a polícia. Elas estavam em outro quarto. Essa fala ocorreu, informalmente, no dia 14 de dezembro, quando foi preso em flagrante, na entrada de um hotel na Capital.
O homem foi ouvido novamente no dia 23. Ele afirmou ter tido um surto e chorou duas vezes durante a fala. Se mostrou arrependido e não quis falar sobre a dinâmica do crime. Lemos teria admitido que cometeu o crime para atingir Thais
— Ele fez para atingir ela, porque não aceitava o fim do relacionamento deles. Acreditava que a ex estaria com outra pessoa. Disse que amava demais a mãe das crianças e na hora teve um surto. Das testemunhas que ouvimos, nenhuma relatou que ele fosse violento com as crianças, que tivesse feito ameaças. Não havia qualquer indício de que pudesse fazer o que fez.
Segundo o policial, Lemos disse que teria tentado cometer suicídio após matar os filhos:
— Ele diz que saiu dali e foi para o gasômetro, que queria se jogar na água. Disse que tentou se matar mas não teve coragem. Aí foi para um hotel onde ele já tinha trabalhado antes. Ficou ali no saguão. Os antigos colegas o reconheceram e acionaram a equipe. Ele estava desorientado.
As mortes ocorreram quando as crianças passavam o fim de semana com o pai e a avó paterna. Segundo o delegado, o combinado seria que as crianças retornassem no domingo, mas Lemos pediu que os filhos ficassem mais um dia, pois queria comprar um celular para uma das crianças.
— Na terça, ele ainda pediu mais um tempo com elas, quando já teria cometido as mortes. Depois, parou de atender a mãe das crianças.
O delegado afirma que Lemos atuou por alguns anos como garçom, mas ultimamente não estava trabalhando. Ele também seria usuário de cocaína, segundo testemunhas.
Contraponto
A Defensoria Pública do Estado é responsável pela defesa de David da Silva Lemos. Em nota, a instituição informou que só pretende se manifestar sobre o caso nos autos do processo.