Uma forma de tráfico de drogas chamou a atenção das autoridades de segurança do Rio Grande do Sul porque, mesmo com a guerra de facções que matou dezenas de pessoas neste ano na Região Metropolitana — e até em cidades como Pelotas e Rio Grande —, os líderes destes grupos mantêm relações na hora de comprar e distribuir entorpecentes. Por meio de uma destas organizações criminosas, que tem base no Vale do Sinos, foi feito um "consórcio" para trazer maconha do Paraguai para o Estado.
Em dois anos de investigação, a Polícia Civil descobriu que estas facções traziam até seis toneladas da droga por mês para sítios em vários municípios próximos a Porto Alegre. E sempre da mesma forma: no meio de cargas de milho ou açúcar, em carretas acompanhadas por carros batedores, como se fossem equipes de segurança privada. Depois disso, os integrantes do consórcio pegavam suas partes já encomendadas com antecedência e distribuíam para depósitos menores e, em seguida, para os pontos de venda.
Para desarticular o esquema apurado pela 3ª Delegacia do Departamento de Investigações do Narcotráfico (Denarc), foram reunidos nesta segunda-feira (12) cerca de 500 agentes para cumprir 375 ordens judiciais — sendo 20 de prisão — nos três Estados da Região Sul. Além do tráfico de drogas, a lavagem de capitais também é alvo da Operação Consortium.
Entre os 15 presos está o ex-vereador de Cachoeirinha Manoel D´Ávila, suspeito de alugar sítio onde parte da droga era descarregada. Também foi detido, no Mato Grosso do Sul, o motorista de uma carreta flagrada em vídeo enquanto transportava entorpecentes (veja o vídeo abaixo).
Estão sendo ainda apreendidos imóvel e veículos de luxo, além do bloqueio de mais de 90 contas bancárias. Esta parta da apuração, que levou um ano, foi feita pela Delegacia de Repressão à Lavagem de Dinheiro (DLRD) do Denarc.
O trabalho teve início pelo delegado Gabriel Borges, da 3ª Delegacia, devido à grande quantidade de maconha apreendida nas estradas gaúchas, todas vindas do Paraguai. Com o monitoramento, a equipe dele percebeu que eram duas viagens mensais sob suspeita.
Contudo, o que mais surpreendeu foi o fato de a facção que tem base no Vale do Sinos estar à frente de outras na questão de compra e transporte da maconha. Mais provas foram reveladas, e foi nessa ocasião que a polícia percebeu que a organização criminosa não estava comprando maconha só para ela, mas para outras também.
— Dentro do consórcio, tem diversos compradores. Tem de Porto Alegre, do Interior, como Zona Sul, Litoral, vários lugares e sempre em grandes quantidades, por vezes toneladas. Das carretas, a maconha era largada por até um dia em sítios. Os compradores, que já haviam previamente agendado a droga, tinham um dia para tirar o produto nestes depósitos provisórios — diz Borges.
Forma de agir
São pelo menos 90 pessoas investigadas, sendo que 20 tiveram prisão decretada: são duas prisões preventivas e 18 temporárias. Segundo o delegado, há o núcleo dos líderes, que coordenam tudo, e os demais núcleos divididos por tipo de atividade. Outros são os "operadores logísticos", responsáveis pelo armazenamento da maconha e que estariam sempre procurando imóveis para alugar como depósitos, basicamente sítios. Tudo feito de forma a dificultar o rastreamento por parte da polícia.
Borges diz que há também o núcleo dos motoristas, contratados para transportar a droga em caminhões e carretas, e o núcleo que auxilia na distribuição, muitas vezes responsáveis por contratar pessoas para carregar e descarregar os entorpecentes adquiridos pelo consórcio de traficantes. Por fim, o titular da DLRD do Denarc, delegado Adriano Nonnenmacher, ressalta que há o núcleo responsável pela lavagem de capitais, cooptando laranjas, buscando por empresas de fachada e, em alguns casos, até por empresas lícitas que recebem investimentos dos traficantes.
— Nesta ação, nós atacamos os líderes e os principais gerentes do esquema. Em um segundo momento vamos atrás dos laranjas que deram seus nomes para serem usados pelos traficantes para abrirem mais de 90 contas bancárias e também empresas de fachada. Ao todo, eles movimentaram cerca de R$ 100 milhões — explica Nonnenmacher.
Toneladas de maconha
Enquanto a investigação do delegado Nonnenmacher teve foco na lavagem de dinheiro, a do delegado Borges apurou o tráfico em si. Por isso, ele ressalta que este grupo só atua com maconha, realizando duas viagens mensais e injetando no Estado de cinco a seis toneladas da droga por mês. E tudo começava com um integrante da facção do Vale do Sinos indo ao Paraguai para comprar a droga.
Borges ressalta que ele tinha sempre uma lista de encomendas, com nomes das facções e quantidades que pediam. Pessoas eram contratadas para carregar a maconha em meio a cargas de milho e açúcar, sendo que os motoristas sabiam o que estavam transportando. O delegado destaca que, conforme horário, quantidade e periculosidade, cada um recebia de R$ 500 a R$ 2 mil por "frete". No trajeto, haviam os batedores em carros e até motos, sempre com comunicação via rádio em caso de barreira policial.
A outra etapa do consórcio, já na Região Metropolitana, era descarregar os entorpecentes em sítios alugados. A droga não podia ficar mais do que uma noite em cada um dos locais.
— Só para ter uma ideia, eles compravam o quilo da maconha a R$ 800 no Paraguai e revendiam aqui (na Região Metropolitana) por até R$ 3 mil o quilo — explica Borges.
Operação policial
A "Operação Consortium" foi coordenada pelos delegados Borges, da 3ª Delegacia do Denarc, e Nonnenmacher, da DLRD do mesmo departamento.
Além das 20 ordens de prisão, são cumpridos 96 mandados de busca, 21 restrições impostas a veículos, sendo um imóvel e oito carros apreendidos, além do bloqueio de 93 contas bancárias, 99 afastamentos de sigilos bancário, fiscal, financeiro e de investimentos na Bolsa de Valores. Os 500 agentes utilizaram 250 viaturas e contaram com o apoio de um helicóptero.
A ação ocorreu em Porto Alegre, Gravataí, Cachoeirinha, Esteio, Estância Velha, Novo Hamburgo, Tramandaí, Viamão, Canoas, Soledade, Pelotas, Passo Fundo e Cruz Alta, no Rio Grande do Sul, além de municípios de Santa Catarina e Paraná.
A ofensiva teve apoio da Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça e Segurança Pública, de vários departamentos da polícia gaúcha, além da Brigada Militar , Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) e polícias catarinense e paranaense. Agentes cumpriram alguns mandados de busca e prisão nos dois Estados, assim como em alguns presídios gaúchos.