Aos 21 anos, Mariana Canofe Marques sonhava em um dia se tornar mãe de três filhos. Mas não houve tempo para concretizar os planos que dividia com os pais. Na manhã do último sábado (26), foi encontrada morta dentro de casa em Guaíba, na Região Metropolitana. Série de indícios levou a polícia a suspeitar de que se trata de um feminicídio. O companheiro dela, o policial militar Jonatan da Rosa Ildebrand, 26, que alegou ter encontrado a jovem já sem vida, está preso.
Natural de Guaíba, Mariana era a única filha de Marcio André Machado Marques, 45, e Viviane Canofe Silva, 43. Foi com os pais com quem ela morou a maior parte da vida. Há cerca de um ano e meio, conheceu Ildebrand enquanto trabalhava de atendente em uma farmácia do município. Depois disso, a jovem se envolveu numa relação turbulenta e marcada pela violência, que culminou num desfecho trágico. Os dois chegaram a residir seis meses na casa dos pais dela, até se mudarem para outra residência.
Ao longo desse período, segundo o pai, Ildebrand tentava controlar a vida de Mariana.
— Era muito manipulador. Determinava com quem ela podia se relacionar, o que fazer — recorda o pai.
Márcio diz que inicialmente a filha escondia da família a situação que enfrentava. Mas com o tempo passou a pedir ajuda e por duas vezes chegou a procurar a polícia e solicitar medida protetiva. Depois, reatou a relação — na data do crime não tinha medida protetiva.
— Ela vivia uma tortura psicológica. Uma vez nos contou que ele disse assim "vou te fazer sofrer, vou matar teus pais na tua frente e vai se sentir culpada". Ela não queria mais, mas não conseguia sair dessa relação. Vivia nessa tortura mental. Ligava, chorava, não amava mais ele, mas não conseguia se desligar — descreve o pai.
Na tentativa de conseguir acompanhar de perto o que acontecia, o pai reformou uma peça próxima de casa, para que Mariana pudesse viver ali. A jovem se mudou inicialmente sozinha, mas depois retomou o relacionamento. Os dois passaram a morar neste local.
— Pensei que trazendo ela para perto de mim podia evitar que algo acontecesse — lembra.
Durante esse período, Mariana decidiu ter um cão shih-tzu, e chegou a fazer uma tatuagem do animal no braço. Algum tempo depois, o cachorro foi encontrado morto, asfixiado. A jovem então teve outro cãozinho, que foi encontrado sem vida, da mesma forma. Mariana teve ainda um terceiro, mas um dia procurou o pai pedindo que ele cuidasse do animal.
— O Jonatan ameaçou que ia fazer algo pra ele. Ela me pediu e eu crio até hoje. Foi o que me sobrou dela. Ela dizia que era o filho dela. Não vou ter o prazer de ser avô. Era nossa única filha, nosso anjo, uma menina amada, querida — desabafa.
Uma das suspeitas da polícia é de que o companheiro tenha sido o autor também das mortes dos animais, já que as situações se assemelham ao que aconteceu com a jovem.
Despedida
Apesar das lembranças desses dias conturbados, Márcio também recorda de um momento feliz que a família havia vivido recentemente. No dia 17 de novembro, a filha organizou uma festa de aniversário surpresa para o pai.
— Ela planejou tudo. Foi a melhor festa da minha vida. Foi como uma despedida. Nunca mais vou fazer festa — diz o pai.
Na noite anterior à morte da jovem, os pais tiveram o último contato com a filha. Ildebrand chegou a chamar os dois para que intercedessem durante uma briga. Márcio recorda que tentou aconselhar a filha.
— Ela não falou nada, só me abraçou e chorou. Depois se acalmou. Me disse que estava conseguindo pagar as contas dela. Vimos que ela estava bem. E decidimos deixar ela descansar — recorda sobre a última vez em que viu Mariana com vida.
Foi Márcio quem recebeu o telefonema do policial militar informando que Mariana estava morta. A família reside próximo de onde ficava a moradia do casal, no bairro Cohab. Quando chegou na casa, o pai encontrou a jovem já sem vida. Ildebrand contou que havia localizado o corpo dela algum tempo antes.
— Entrei na porta e ela estava no chão, do lado de um sofá. Tentei abraçar, tirar a corda dela. Ele deixou um caderno com contas aberas. Simulou tudo. Foi um crime premeditado. Ela era nossa vida, a gente vivia por ela. Tão jovem, tão bonita, cheia de sonhos. Não está mais aqui e nunca mais vamos vê-la — desabafa.
Investigação
A polícia passou a suspeitar que o crime pudesse ter acontecido de outra forma. A suspeita é de que o companheiro tenha assassinado a jovem durante a madrugada por asfixia e depois tentado forjar um suicídio.
A investigação elencou até o momento três indicativos principais de que a morte de Mariana não teria acontecido como narrou o companheiro, que envolvem uma janela que ele afirma ter arrombado, mas não foram encontrados sinais disso, o local onde estava o corpo e uma mancha de sangue no sofá.
O suspeito foi preso em flagrante e teve a prisão convertida em preventiva. A polícia aguarda os laudos da perícia, que devem ajudar a entender a dinâmica dos fatos e segue ouvindo testemunhas.
Contraponto
Em resposta a GZH, o advogado Carlo Velho Masi, que defende o PM, emitiu uma nota no começo da noite desta terça-feira (29):
"A defesa técnica do policial militar Jonatan da Rosa Ildebrand pediu habilitação nos autos do inquérito e pretende estudar detalhadamente os indícios produzidos até o momento para colaborar com a elucidação do caso, inclusive formulando requerimentos de produção de provas que entende imprescindíveis à confirmação das alegações trazidas pelo investigado. Via de regra, a prova testemunhal, por depender da memória e das impressões humanas, não consegue reconstituir por completo o fato, de modo que, neste caso, as perícias tendem a ser elementos relevantes."
O que diz a Brigada Militar
Jonatan da Rosa Ildebrand, ingressou na Brigada Militar em 12 de novembro de 2018. Segundo nota enviada pela corporação sobre o caso, a Corregedoria-Geral está acompanhando o caso. Confira:
"Na manhã deste sábado (26/11), guarnições do 31º Batalhão de Polícia Militar foram acionadas para o atendimento de suposto suicídio de uma mulher de 21 anos, em Guaíba. No local, os militares realizaram contato com o companheiro da vítima, policial militar da ativa, que informou que a esposa estava em óbito. O local foi isolado e, após a perícia, foram constatados indícios de crime de feminicídio, sendo o policial militar autuado em flagrante delito. A Corregedoria-Geral da Brigada Militar, o Comando Regional de Policiamento Ostensivo Centro-Sul e do 31ºBPM estão acompanhando os fatos e tomando as demais providências legais. A Brigada Militar se solidariza com a família da vítima, neste momento de luto."
Como buscar ajuda contra a violência doméstica
Brigada Militar – 190
- Se a violência estiver acontecendo, a vítima ou qualquer outra pessoa deve ligar imediatamente para o 190. O atendimento é 24 horas em todo o Estado.
Polícia Civil
- Se a violência já aconteceu, a vítima deverá ir, preferencialmente à Delegacia da Mulher, onde houver, ou a qualquer Delegacia de Polícia para fazer o boletim de ocorrência e solicitar as medidas protetivas.
- Em Porto Alegre, a Delegacia da Mulher na Rua Professor Freitas e Castro, junto ao Palácio da Polícia, no bairro Azenha. Os telefones são (51) 3288-2173 ou 3288-2327 ou 3288-2172 ou 197 (emergências).
- As ocorrências também podem ser registradas em outras delegacias. Há DPs especializadas no Estado. Confira a lista neste link.
Delegacia Online
- É possível registrar o fato pela Delegacia Online, sem ter que ir até a delegacia, o que também facilita a solicitação de medidas protetivas de urgência.
Central de Atendimento à Mulher 24 Horas – Disque 180
- Recebe denúncias ou relatos de violência contra a mulher, reclamações sobre os serviços de rede, orienta sobre direitos e acerca dos locais onde a vítima pode receber atendimento. A denúncia será investigada e a vítima receberá atendimento necessário, inclusive medidas protetivas, se for o caso. A denúncia pode ser anônima. A Central funciona diariamente, 24 horas, e pode ser acionada de qualquer lugar do Brasil.
Defensoria Pública – Disque 0800-644-5556
- Para orientação quanto aos seus direitos e deveres, a vítima poderá procurar a Defensoria Pública, na sua cidade ou, se for o caso, consultar advogado(a).
Centros de Referência de Atendimento à Mulher
- Espaços de acolhimento/atendimento psicológico e social, orientação e encaminhamento jurídico à mulher em situação de violência.