Sacolas com estampas infantis e uma mala de viagem escondiam dezenas de rolos com notas de R$ 100 e R$ 50 em um apartamento de São Leopoldo, alvo da operação Astúcia, do Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc), na terça-feira (18). De acordo com a investigação, a quantia de R$ 823.842,00 tinha sido levada até o imóvel por uma mulher, que seria responsável por recolher os lucros de um grupo que vende drogas na Região Metropolitana. Ela estava no local e foi presa em flagrante.
— A presa permaneceu em silêncio no depoimento, mas antes, no local dos fatos, confessou informalmente se tratar de dinheiro recolhido das vendas de droga da região. É dinheiro vivo que seria lavado para abastecer o tráfico. É um grupo com bastante investimentos imobiliários — explica o titular da 1ª Delegacia de Investigação (DIN) do Denarc, Guilherme Dill, responsável pela ação.
A investigação do esquema ainda avançará a partir de informações encontradas em um caderno e em celulares apreendidos. A hipótese é que o montante em dinheiro apreendido seria lavado por meio da compra de veículos e imóveis pelo Estado, ou até mesmo com contas em nome de laranjas e doleiros fora do Brasil.
A apreensão foi a segunda maior do tipo nos últimos anos e eleva o total de dinheiro recolhido em um ano que já caminhava para ter alta neste indicador da atividade policial no combate às facções. Somando os valores de 2022 até 20 de outubro, são R$ 2.085.098,71 recolhidos em ações contra o narcotráfico — número maior que o registrado nos 12 meses de 2019, 2020 e 2021.
Chama atenção que a polícia recolha mais dinheiro num momento em que, no mercado legal, a circulação de moeda apresenta redução. Segundo o Banco Central, após um ano de funcionamento do sistema de transações instantâneas sem taxas Pix, em 2021, o valor em espécie circulando reduziu 10,5%.
Segundo a Polícia Civil, o crescimento é fruto de uma estratégia. Desde 2019, o Denarc concentra esforços na descapitalização das facções. O diretor do departamento, delegado Carlos Wendt, diz que o foco tem sido identificar os métodos usados pelas facções para lavar dinheiro, pois, segundo ele, é isso que mantém as organizações estruturadas e lucrativas.
— O tráfico é como uma empresa. Demitir um funcionário ou tirar uma quantidade, mesmo que expressiva, de produto de circulação são coisas que o gestor supera, contorna e segue operando. Então nosso foco tem sido a descapitalização das facções. Mirando no patrimônio, imóveis, veículos, contas bancárias, conseguimos muitas vezes chegar aos grandes líderes — explica.
Além dos quase R$ 5 milhões em dinheiro vivo, entre 2019 e 2022 são quase R$ 38 milhões apreendidos em bens e investimentos financiados pela venda de drogas no Estado. O recolhimento de bens, no entanto, está em queda no Estado desde 2020.
Uma das hipóteses para esta redução da apreensão de bens é a diversificação das formas de lavagem de dinheiro pelas organizações criminosas. Ativos financeiros digitais e criptomoedas, por exemplo, são mencionadas por Wendt. Segundo o delegado, este tipo de investimento tem características técnicas que dificultam o rastreamento por parte da polícia.
Por conta de um decreto estadual, as apreensões de bens adquiridos pelas facções com função de lavar dinheiro do tráfico podem ser 100% revertidas em investimentos para a Polícia Civil. O percentual cai para 20% em casos de dinheiro vivo, com o restante sendo direcionado para políticas federais de combate ao tráfico de drogas. Segundo Dill, R$ 164 mil dos R$ 823,8 mil retirados do tráfico na operação de terça-feira (18), em São Leopoldo, já foram depositados em uma conta judicial e serão utilizados em prol das forças de segurança do RS.