A violência tem atingido estudantes universitários em Porto Alegre. Relatos dão conta de assaltos e furtos que ocorrem em regiões próximas aos campi Centro e Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) ou no trajeto feito diariamente por alunos. Um estudante de Arquitetura e Urbanismo foi assaltado duas vezes por duas semanas consecutivas, neste mês, ao retornar de suas aulas, na Faculdade de Arquitetura, até sua casa, na Rua Ramiro Barcelos. Próximo ao Campus Saúde, uma aluna da Faculdade de Medicina foi furtada ao descer do ônibus.
Em outro caso, dessa vez no bairro Jardim Botânico, em local próximo à Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança, uma estudante da Escola de Engenharia da UFRGS, que pediu para não ser identificada, também foi assaltada. Ela, que tem transtorno do espectro autista (TEA), sofreu três facadas durante um assalto em que perdeu seu celular quando fazia o trajeto do trabalho para as aulas noturnas no Campus Centro.
— Como estudante, a sensação é de completo pavor porque a gente sai pra estudar e trabalhar e é justamente nesses horários que acontece isso — lamenta.
Enquanto aguardava um ônibus em uma parada da Avenida Ipiranga, a futura engenheira foi atacada após reagir à abordagem de dois assaltantes, que desembarcaram de um veículo. Segundo a jovem, ela carrega consigo um kit de defesa pessoal devido a possíveis reações inesperadas provocadas pelo TEA.
No assalto em questão, ela tentou fugir e utilizar um taser, uma arma de eletrochoque, contra um dos suspeitos. Foi derrubada por um segundo envolvido e, na sequência, golpeada três vezes com uma faca.
— Muitas pessoas no espectro (autista) têm bastante dificuldade em ter noção de perigo e também de entender a intenção do outro. Pessoas neurotípicas conseguem separar isso e entender que há situações em que não se deve reagir, mas, para uma pessoa autista, isso pode ser muito difícil — comenta a estudante.
Ela ainda correu atrás dos assaltantes, mas eles voltaram ao carro e fugiram. A aluna registrou ocorrência junto à Polícia Civil.
— Acredito que se eu não tivesse sido ferida, não teria feito (o Boletim de Ocorrência). Mas hoje eu percebo a importância, já que um inspetor me contatou dias depois para colher depoimento — diz ela.
A estudante depende do transporte público para se deslocar de casa, no bairro Cidade Baixa, para o trabalho, no bairro Petrópolis, e para as aulas, majoritariamente no Campus Centro, mas que eventualmente ocorrem no Campus do Vale. Ela trancou a matrícula no semestre.
— Desenvolvi transtorno do estresse pós-traumático e precisei me afastar das minhas atividades. Acho que o fato de eu ser mulher também faz com que eu me sinta mais vulnerável, já que me entendem como alvo fácil — comenta.
Outra estudante, Renata Brugnera, foi vítima de furto também durante o deslocamento à instituição. A universitária, que é aluna da Faculdade de Medicina da UFRGS, relata que teve seu celular furtado no momento em que descia do ônibus no corredor localizado em frente ao Hospital de Clínicas, na Avenida Protásio Alves, também no bairro Rio Branco. Renata faz seus trajetos de casa ao Campus Saúde diariamente de ônibus.
— Foi tudo muito rápido. Chegando ao Clínicas, guardei meu celular no bolso da mochila para solicitar a parada. Uma mulher me parou me perguntando se era o Hospital de Pronto-Socorro, quando desci percebi que meu fone havia desconectado. Tinham levado meu celular e meu cartão TRI — diz Renata, que relata que o furto ocorreu por volta das 15h.
Dois assaltos em duas semanas
Antonio Cornely, estudante de Arquitetura e Urbanismo na UFRGS, foi assaltado em duas oportunidades no mesmo local: as calçadas que levam pedestres da Rua Vasco da Gama à Rua Ramiro Barcelos, no bairro Rio Branco, onde mora. As vias contornam o viaduto Ildo Meneghetti.
O estudante se desloca diariamente de bicicleta do Campus Centro da UFRGS, onde tem a maior parte de suas aulas, até sua residência. No começo de agosto, Antonio sofreu dois assaltos à mão armada: em cada um deles, perdeu um celular, além de seu veículo de transporte na segunda ocorrência.
— Moro aqui há cinco anos e parecia uma região relativamente tranquila — lamenta Antonio.
As ocorrências aconteceram em duas semanas consecutivas. Antonio faz o trajeto entre as ruas Sarmento Leite, Irmão José Otão e Vasco da Gama por comodidade, já que o trecho apresenta ciclovias em quase todo percurso.
No local dos assaltos, por ser um trecho muito íngreme, o estudante é obrigado a desembarcar da bicicleta, e foi justamente nesse momento que foi abordado nas duas oportunidades. Antonio critica a falta de iluminação pública, além da vegetação mal aparada.
Os dois ataques aconteceram perto das 18h, de acordo com o futuro arquiteto. Em uma das oportunidades, segundo o estudante, o assaltante chegou a apontar uma arma para pessoas que viram o que estava acontecendo. O estudante registrou ocorrência na Polícia Civil.
O funcionário de um minimercado da Rua Ramiro Barcelos, que não quis se identificar, trabalha há oito anos no ponto localizado a poucos metros do viaduto Ildo Meneghetti.
— Assaltos na rua a gente tem visto bastante. A descida do viaduto é “tinhosa” — comenta o trabalhador.
Comércio também sofre com a insegurança
Uma caminhada pelo bairro Rio Branco mostra que o comércio também tem sido atacado na região. De 11 para 12 de agosto, uma estética foi arrombada na própria Ramiro Barcelos, a poucos metros do viaduto.
A dona do estabelecimento, que também não quis se identificar, relata que criminosos quebraram vidros e cerraram grades do ponto comercial entre as 21h30min daquela quinta-feira e as 6h da sexta. A ocorrência foi registrada junto à Brigada Militar (BM) e à Polícia Civil. O prejuízo à estética foi da ordem de R$ 2 mil.
A esteticista Salete Machado trabalha em uma clínica na Ramiro Barcelos há 20 anos. Ela comenta que assaltos a pedestres acontecem principalmente aos sábados e domingos; na sua visão, as ruas ficam mais vazias e as pessoas se tornam “mais vulneráveis”.
— Mas eu também já fui assaltada à mão armada aqui. Para mim, a tendência é a violência só aumentar — diz a funcionária.
Uma loja de varejo na primeira quadra da Avenida Protásio Alves, quase na esquina com a Ramiro Barcelos, sofreu com assaltos recentemente. O gerente da loja relata que o estabelecimento já pediu para que haja policiamento na região na hora de fechamento das lojas, sem sucesso.
Segundo o funcionário, foram dois assaltos à mão armada, realizados em abril e em maio. Ambos ocorreram no horário de encerramento da loja, às 19h. Depois dos ataques, o horário foi adiantado para as 18h.
O gerente comenta que foram mais de R$ 120 mil levados em produtos eletrônicos nos assaltos. Na mesma quadra, uma loja de eletrodomésticos fechou seu ponto recentemente devido à violência, de acordo com vizinhos. Procurada, a rede não confirmou a informação.
— Não sei te dizer. É muito difícil sofrer com assaltos, né? Muita gente já pediu demissão — comenta o funcionário da loja de departamentos, quando perguntado sobre a possibilidade de fechamento da loja.
No dia 15, uma loja de calçados localizada também na Avenida Protásio Alves foi arrombada. Funcionárias comentaram que o prejuízo foi relativamente pequeno: levaram apenas o celular da loja e reserva de caixa.
— A verdade é que a região anda superterrível — comenta o estudante Antonio.
Contrapontos
O comandante do 9º Batalhão de Polícia Militar (BPM), tenente-coronel Ivens Giuliano, afirma que a corporação contabiliza apenas sete casos de assaltos a pedestres em todo este ano na Rua Ramiro Barcelos. Além disso, de acordo com a BM, houve decréscimo de 10% no número de assaltos em toda a área de atuação do 9º BPM em julho.
— Aquela região foi até um estudo de caso por conta do decréscimo do número de assaltos a pedestres — comenta o comandante do 9º BPM.
Giuliano reforça o pedido para que as pessoas registrem as ocorrências de assaltos e furtos, mas diz acreditar que o trabalho da BM na região está, de fato, mais efetivo na região.
O comandante afirma que o 9º BPM realizou recentemente reuniões com a reitoria da UFRGS, em que foi transmitida a preocupação com a segurança dos alunos nas proximidades dos campi. Reunião também foi convocada junto a estudantes em julho, mas, segundo Giuliano, apenas três compareceram.
— Se cem alunos conseguiram escapar, mas um sofreu o assalto, nós temos a preocupação com esse aluno. O ideal, claro, é sempre zerar os crimes — diz o tenente-coronel.
Sobre os furtos, Giuliano afirma que a corporação conseguiu diminuir o número de ocorrências. Ele também comentou que imagens de câmera de segurança foram solicitadas pela BM e enviadas para a Polícia Civil para investigação, no caso dos assaltos à loja de departamentos.
A delegada substituta da 3ª Delegacia de Polícia (DP) de Porto Alegre, Patrícia Sanchotene Pacheco, está há 10 dias na delegacia, que atende o bairro Rio Branco. Ela comenta que notou um aumento no número de furtos na região, mas afirmou que solicitará um levantamento detalhado para a chefia de investigações da delegacia.
No caso do assalto à estudante com TEA, se manifestou o tenente-coronel Luís Neves, comandante do 11º BPM, que atende o Jardim Botânico. Ele comenta que o local do assalto não apresenta grande índice de roubos a pedestres, mas que ações preventivas são feitas a partir de pontos-base na região, prevenindo crimes no entorno. Já a delegada titular da 8ª DP, Andrea Magno, confirma que a delegacia ouviu a vítima e que as investigações estão em andamento, sem prisões efetuadas.
Quanto à situação do viaduto Ildo Meneghetti, a Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (SMSurb) emitiu nota:
"Sobre a iluminação no entorno do viaduto Ildo Meneghetti, a Secretaria Municipal de Serviços Urbanos informa que vistoria e manutenção estão programadas para esta semana no local. Todavia, não havia nenhum registro no sistema 156 demandando esse reparo. Tanto o manejo arbóreo quanto a manutenção da iluminação devem ser pedidos via sistema 156, obedecendo aos processos de vistoria e programação de serviços. A SMSUrb ainda salienta que já foram modernizados, com LED, mais de 80 mil pontos na Capital, o que traz mais economia e durabilidade ao serviço."