O primeiro dia do julgamento de mais três réus pelo assassinato de um adolescente na saída de uma festa em Charqueadas foi marcado por momentos de emoção e desabafo. Ronei Wilson Jurkfitz Faleiro Júnior, 17 anos, morreu em 1º de agosto de 2015, no município da Região Carbonífera, após ser agredido e atingido por garrafadas. O estudante era um dos organizadores do evento, que tinha o objetivo de arrecadar dinheiro para a formatura da sua turma na escola.
Este é o segundo dos três julgamentos que devem ocorrer neste ano – no primeiro, houve condenação dos três réus. Estão sendo julgados nesta etapa os réus Alisson Barbosa Cavalheiro, Geovani Silva de Souza e Volnei Pereira de Araújo. Após o sorteio dos jurados, cinco homens e duas mulheres que decidirão se os réus são ou não culpados, foi dado início aos depoimentos.
O primeiro a falar, ainda durante a manhã, foi Richard Saraiva de Almeida, que na época dos fatos era namorado de uma amiga de escola de Ronei Júnior, Francielle Wiencke. Os dois também foram agredidos pelo grupo, após saírem da festa e se refugiarem dentro do carro do pai do adolescente. Segundo a acusação, a motivação da revolta do grupo com o trio teria sido o fato de que Richard era de São Jerônimo e havia rixa do Bonde da Aba Reta – grupo do qual o Ministério Público afirma que os réus faziam parte – e os moradores da outra cidade.
— Na saída dos degraus, o Ronei Júnior estava mais atrás. O Jonathan (um dos réus condenados no primeiro julgamento) tentou me dar um soco e me livrei. Sentei no carro e tentei puxar ele, mas os caras puxavam pra fora dando muito soco — contou.
O julgamento foi para o intervalo após o depoimento de Richard e retomado à tarde com o depoimento de Francielle. Ela narrou como foi a saída da festa no Clube Tiradentes naquela madrugada.
— Volnei (réu) batia tentando quebrar o vidro da porta do carona — disse.
“Selvageria”, diz o pai
Logo depois deles, passou a ser ouvido o pai do adolescente, o engenheiro Ronei Wilson Jurkfitz Faleiro, 55, que já havia dado um relato bastante emocionado no julgamento anterior (confira abaixo). Num depoimento de cerca de duas horas, novamente descreveu as agressões sofridas naquela madrugada como uma “selvageria”. O pai contou que num primeiro momento tentou arrancar com o carro, mas não conseguiu. Narrou que de todos os lados o grupo forçava as portas para abrir, chutava e arremessava garrafas. Durante esse ataque, um dos envolvidos conseguiu atingir o adolescente na cabeça com três golpes com uma garrafa.
Ronei contou que para tentar fechar as portas saiu e, neste momento, também foi agredido. Disse que a ação era de extrema violência e que as garrafas que batiam no carro se estilhaçavam, e os cacos de vidro caíam na volta do veículo. Narrou que havia muitos gritos a todo momento, além dos chutes.
Num depoimento emocionado, o engenheiro, que até hoje não consegue cruzar em frente ao Clube Tiradentes, engasgou diversas vezes. Mais uma vez, descreveu que em sua última frase o adolescente, mesmo ferido, preocupou-se em saber se ele estava bem.
— “Pai, jura pra mim que tu tá bem?”. Eu disse: “Filho, fica calmo, o pai tá bem”. E eu não ouvi mais a voz dele. Um pai ter que jurar para um filho que estava bem. Desculpa, doutor (juiz Jonathan Cassou dos Santos), mas não é justo. Não é justo — disse.
Durante o depoimento, a mãe de Ronei Júnior, Tatiane Faleiro, 46, que até então acompanhava o relato aos prantos, precisou ser amparada e deixou a sala de audiências.
— Eu vou poupar vocês de descrever o que é se despedir de um filho — disse o pai.
Ao ser questionado pelo promotor do Ministério Público Eugênio Amorim, um dos responsáveis pela acusação, se o número de envolvidos foi decisivo para o fato, Ronei concordou.
— Essa questão das portas, do entorno, não aconteceria, e seria suficiente para a gente se evadir dali. O número, sem dúvida alguma, foi decisivo para o desfecho — disse o pai.
Ainda ao responder perguntas do Ministério Público, o pai falou sobre o perfil do filho. Disse que tinha orgulho do adolescente, que possuía perfil conciliador e agregador.
— Tiraram o centro da nossa família: o Júnior. Cheio de sonhos, 17 anos. Queria fazer mecatrônica. Na calçada ficaram os sonhos do Júnior — desabafou.
O que disse o delegado
Com o depoimento do pai, foram encerrados os relatos das vítimas de tentativa de homicídio. Após o depoimento de Ronei, foi dado início ao relato do delegado Rodrigo Reis, responsável pela investigação na época. Assim como o pai da vítima, o policial reiterou que a ação de todos os envolvidos foi essencial para que o crime tivesse o desfecho trágico.
— Se não houvesse esse número específico de pessoas, muito maior do que os que eram as vítimas, ou o Ronei teria conseguido fechar o veículo e empreender em fuga ou defender o filho — disse o delegado.
O policial afirmou que, após o fato, a polícia realizou levantamento no veículo do pai do adolescente e encontrou diversas marcas das agressões.
— Havia marcas de chute, amassados, cacos de vidro dentro do veículo, sangue especialmente na parte traseira. Tudo foi fotografado e juntado aos autos — disse.
Sobre a participação dos réus no crime, o delegado afirmou que teriam desferido chutes, socos e garrafadas, assim como os demais do grupo. Segundo o policial, para tentar entender a dinâmica do crime e o envolvimento de cada um a investigação, ouviu uma série de testemunhas.
— Há autores apontados por 16 testemunhas, ou entre si pelos réus, e outras apontadas por quatro, cinco, seis pessoas — afirmou.
A polícia também analisou imagens de câmeras que registraram parte da movimentação do grupo e do ataque. Em relação ao motivo do crime, o policial afirmou que a investigação concluiu que havia uma rixa dos envolvidos, que seriam integrantes do chamado Bonde da Aba Reta, com moradores de São Jerônimo e, por isso, teriam se revoltado contra Richard, que era da cidade vizinha.
— Isso motivava agressões (do grupo) a moradores de São Jerônimo. Os fatos ocorriam, mas, infelizmente, só foram relatados (à polícia) após esse caso — descreveu.
Ainda durante a noite, foram ouvidas duas testemunhas de defesa do réu Alisson e duas de acusação – esses depoimentos não foram transmitidos após pedidos feitos ao juiz Jonathan Cassou dos Santos.
Depoimento de vigilante
Logo depois, teve início o depoimento do vigilante Leandro de Souza Silveira, que trabalhava em um supermercado próximo ao Clube Tiradentes. Ele foi a última testemunha de acusação a ser ouvida neste julgamento.
— Estava o Ronei pai com um monte de gente se avançando nele, um monte de gente — contou.
O vigia contou ter visto o pai do adolescente afastando os agressores da volta do carro e arrancando com o veículo.
— Quando o carro escapa, alguns correm atrás, até uma certa parte. Um joga uma garrafa no carro, acho que não acertou. Como eu não entendi a gravidade do que estava acontecendo, achei que era uma briga normal, e continuei meu serviço — disse.
O vigilante disse que viu que os agressores abriam a porta do carro e agrediam quem estava dentro e que havia um grupo no entorno do carro.
— Parecia 30, era bastante gente — disse ao ser questionado pelo magistrado sobre o tamanho da multidão.
Questionado sobre se reconhecia algum réu entre as agressões, o vigilante afirmou que do local onde estava não conseguia identificar as pessoas. Somente em relação a Volnei, disse que o reconheceu como sendo o autor da garrafada na direção do carro.
Logo após o depoimento de Leandro, passou a ser ouvida outra testemunha de defesa do réu Alisson. No entanto, também houve pedido para que não fosse realizada transmissão desse depoimento. O juiz anunciou, antes do início do relato, que logo após seria encerrada a sessão.
Segundo dia
O segundo dia do julgamento está previsto para iniciar às 9h desta terça-feira (5), no Fórum de Charqueadas. A previsão é de que seja ouvida a última testemunha de defesa e, na sequência, interrogados os réus. Depois dessa etapa, será dado início ao debate entre Ministério Público e defesas. A perspectiva é de que o júri se encerre na quarta-feira (6).