A 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça mandou soltar os nove réus pelo assassinato de Ronei Wilson Jurkfitz Faleiro Júnior, 17 anos, em Charqueadas. O adolescente foi espancado até a morte na saída de uma festa, em 1º de agosto de 2015. Em duas ocasiões os júris dos réus terminaram sem decisão. Na última vez, após três dias de julgamento de parte dos acusados, o conselho de sentença foi dissolvido. Como uma das defesas argumentou que a vítima teria uma doença e isso teria causado a morte, um dos jurados pediu que a questão fosse esclarecida. De lá para cá, veio a pandemia a nada foi marcado.
No seu voto no habeas corpus, o relator, desembargador Jayme Weingartner Neto, diz que apesar de o caso ser complexo, com nove réus e várias testemunhas, além da realização de provas técnicas, "o transcurso de quase sete anos de prisão cautelar, no contexto dos autos, é desproporcional, mormente a considerar que o julgamento foi fracionado em três atos, ainda sem previsão".
Weingartner Neto teve o voto seguido por mais um desembargador da 1ª Câmara Criminal.
"Neste contexto, entendo que deve ser superada a súmula nº 21 do Superior Tribunal de Justiça, pois, embora pronunciados os acusados, o trâmite processual posterior revela constrangimento ilegal por excesso de prazo na formação da culpa. Por isso, voto por conceder a ordem de habeas corpus, para substituir a prisão preventiva pela medida de comparecimento a todos os atos do processo. Expeça-se alvará de soltura para este processo, se por outro motivo os réus não estiverem presos. Os efeitos da presente decisão devem ser estendidos aos corréus que se encontram na mesma situação fático-processual", sustentou o relator.
Após a 1ª Câmara Criminal mandar soltar os réus, o juiz Jonathan Cassou dos Santos, substituto na vara onde tramita o processo em Charqueadas, disse que diante da decisão, da sua agenda cheia e da ausência de um juiz titular, não decidiria sobre uma nova data para os júris.
"Somado a tudo isso, é necessário pontuar que este juiz está exercendo suas funções nesta vara em regime de substituição — em concomitância com suas atribuições junto à vara de sua titularidade, direção do foro, juizados especiais cíveis e da fazenda pública —, não havendo espaço em pauta suficiente para a realização do referido júri (com previsão de duração extensa, como visto) sem prejuízo da realização de atos processuais em diversos feitos urgentes que tramitam nesta comarca (com réus presos, por exemplo). Nesse cenário, então, ante o acúmulo involuntário de trabalho, agregado ao fato de que os réus respondem, agora, ao processo em liberdade, circunstância que afasta a prioridade de julgamento antes imposta, determino que o feito aguarde a chegada do Juiz titular para a designação das sessões plenárias", decidiu o juiz.
O caso
Ronei foi assassinado na saída de uma festa no Clube Tiradentes. O adolescente morreu atingido por chutes, socos, garrafadas e golpeado com os cacos de vidro. O pai, Ronei Wilson Jurkfitz Faleiro, que estava chegando ao clube para buscar o filho, e um casal de amigos também foram agredidos. O adolescente chegou a ser levado ao hospital da cidade pelo pai, que foi orientado a transportá-lo até Porto Alegre. Ele morreu antes de chegar.
Havia rixa de um grupo, que se denominava Bonde da Aba Reta, com pessoas de outras cidades que frequentavam festas em Charqueadas. Um amigo de Ronei Júnior era de São Jerônimo.
Os acusados respondem pelos crimes de homicídio qualificado, três tentativas de homicídio qualificado, associação criminosa e corrupção de menores. Os nove réus são Alisson Barbosa Cavalheiro, Cristian Silveira Sampaio, Geovani Silva de Souza, Jhonata Paulino da Silva Hammes, Leonardo Macedo Cunha, Matheus Simão Alves, Peterson Patric Silveira Oliveira, Vinícius Adonai Carvalho da Silva e Volnei Pereira de Araújo. Todos tinham, à época do crime, entre 18 e 21 anos.
Na época, o ataque contou com a participação de adolescentes. O Ministério Público apontou sete na acusação: a quatro deles foi aplicada, em setembro de 2015, medida socioeducativa de internação por três anos, prazo máximo estabelecido no Estatuto da Criança e do Adolescente. Os outros três foram absolvidos.
O que diz a família
GZH conversou com o pai da vítima. Ronei Wilson Jurkfitz Faleiro se diz espantado com o fato de os réus terem sido soltos.
— No momento que tu precisa de uma resposta, independente de qual seja, ela não vem. A espera por essa reposta é uma página que não vira, é uma história que não termina. Voltar ao dia 1º de agosto de 2015 por mais três vezes é dolorido. Recebemos com espanto essa decisão — afirma Faleiro, que conta ainda que a família teve de sair da cidade após o crime com temor de represália.
Faleiro também lamenta a decisão do juiz de não marcar o quanto antes os júris dos réus.
— Não se tem uma perspectiva de quando acontecerá o julgamento. Depois de duas tentativas de julgamento, os envolvidos voltarem para a sociedade é terrível. A gente não consegue andar. No domingo de Dia das Mães quem não passou com o filho foi a minha esposa. Do outro lado, estavam de volta à sociedade enquanto a minha esposa passou o domingo sedada — lamenta Faleiro.
Contrapontos
Os réus Geovani Silva de Souza, Leonardo Macedo Cunha, Matheus Simão Alves e Volnei Pereira de Araújo são assistidos pela Defensoria Pública do Estado.
— O TJ reconheceu, acertadamente, que um cidadão não pode ser tolhido de sua liberdade por tempo indeterminado. A prisão tem natureza cautelar e não pode se prolongar por mais de cinco anos sem que se julgue a causa — sustenta a defensora pública Tatiana Boeira.
Ela complementa:
— Eventual complexidade da causa ou motivos acerca de logística para o julgamento não podem servir de argumento para prorrogar a prisão preventiva, de réus, registre-se, sem antecedentes, por tão longo tempo.
Para Tatiana, o tribunal "reconheceu, ao conceder a ordem de habeas corpus, que não há abalo à ordem pública que possa se prolongar por tantos anos."
GZH tenta falar com os advogados dos demais réus.
O que diz o Ministério Público
Segundo o Ministério Público, os réus deveriam permanecer presos, tanto é que emitiu parecer contrário à soltura.
O que diz o Tribunal de Justiça
O presidente do Conselho de Comunicação da corte, desembargador Antonio Vinicius Amaro da Silveira, diz que até julho devem ser empossados 93 novos juízes. O déficit de magistrados titulares, no entanto, é de 238.