As regiões de Porto Alegre que foram palco da briga de facções criminosas nas últimas semanas parecem ter voltado à rotina. GZH voltou a percorrer nesta quarta-feira (20), 17 dias depois, as mesmas ruas, avenidas e becos das vilas Cruzeiro e Buraco Quente e dos bairros Cascata e Medianeira. O medo, o pouco movimento e as escolas e o comércio fechados deram lugar a um cenário oposto.
Na Rua Francisco Martins, no bairro Cascata, onde a reportagem recebeu o aviso de um morador de “não entra, não entra” em 5 de abril, estabelecimentos comerciais estavam abertos e havia mais pessoas caminhando.
A Escola Estadual de Ensino Médio Professor Oscar Pereira, que fica nesta rua e chegou a fechar em razão de tiroteio entre grupos rivais, estava funcionando normalmente. Inclusive, GZH chegou no momento em que os estudantes do turno da manhã estavam de saída. Vários caminhavam com suas mochilas nas costas de volta para suas casas.
Dentro da escola, conversamos com uma das professoras, que pediu para não ser identificada. Ela disse que alunos e professores estão se sentindo mais seguros agora.
— A gente viu mais policiais civis e da Brigada Militar passando por aqui. Nunca tínhamos passado por isso. Agora a situação parece estar mais segura — descreveu a professora ao apontar para um dos lados da escola que chegou a ser atingido por disparos.
Conforme a Secretaria Estadual da Educação, nenhuma escola está fechada em razão da violência em Porto Alegre.
Na Vila Cruzeiro, onde em 5 de abril alguns estabelecimentos comerciais estavam fechados, o clima também parece de normalidade. Em becos e vielas, crianças jogavam bola, cenário não visto no início do mês.
Apesar do clima aparentemente mais seguro e de um arrefecimento do conflito entre as facções, nesses lugares dominados pelo tráfico de drogas pouca gente aceita falar em razão do temor de represália.
Conforme a Secretaria Municipal da Educação (Smed), as escolas Chico Mendes, no bairro Mario Quintana, na Zona Norte, e José Loureiro da Silva, no bairro Cristal, na Zona Sul, que tiveram restrição de funcionamento em razão da violência, estão com atividades normais.
Reação das forças de segurança
Desde 14 de março, 25 pessoas morreram devido à guerra de facções. Outras duas mortes foram registradas nas regiões, mas a Polícia Civil descarta a relação com o conflito. Foram mais de 30 atentados, 36 pessoas presas e três adolescentes apreendidos. Já são oito dias sem o registro de óbitos relacionados à disputa pelo tráfico de drogas.
De lá para cá, para estancar essa guerra, as forças de segurança e sistema penal adotaram uma série de ações. Entre elas, operações nessas regiões para prender pessoas suspeitas de envolvimento nos crimes e apreensão de drogas e armas. Também houve aumento do efetivo policial nas ruas. Além disso, em 13 de abril, 10 líderes de facções que estariam comandando mortes de dentro de cadeias foram transferidos para a Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc).
O secretário estadual da Segurança, Vanius Cesar Santarosa, diz que as ações do Estado estancaram as mortes relacionadas ao conflito entre traficantes:
— Você não ouve mais se falar em mortes ali na região sul provocadas por essa briga entre esses dois grupos criminosos. Desde que foram implementadas essas ações, não foram registradas mais mortes.
Para a diretora do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa, delegada Vanessa Pitrez, os números comprovam a efetividade das ações.
— Já estamos com uma diminuição de 42% no número de homicídios em comparação com o mês de março, que foi o mês com aumento em razão dessa disputa (entre facções). Acredito que isso tenha se dado em razão do trabalho contínuo e integrado das forças de segurança pública através de três estratégias específicas: saturação das áreas conflagradas, investigação criminal qualificada e intervenção prisional (transferência de presos para a Pasc) — diz Vanessa, acrescentando que novos resultados resultantes das investigações devem ser apresentados nos próximos dias.
Esse entendimento é compartilhado pelo coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal e de Segurança Pública do Ministério Público do Rio Grande do Sul, Rodrigo da Silva Brandalise:
— O que eventualmente não vai evitar a adoção de outras medidas, considerando a realidade que já foi posta pelos fatos e que vão se apresentando na medida em que as atividades de inteligência e de investigação vão mostrando a necessidade.
O promotor lembra que é fundamental seguir com ações de controle das ordens de crimes que partem de dentro dos presídios, com a efetiva restrição da entrada de celulares, a instalação de bloqueadores de sinal e controle do acesso de drones pelo espaço aéreo.
— Há necessidade de um trabalho conjunto não só do sistema de justiça, que é o Ministério Público e Poder Judiciário, mas também dos demais poderes, em específico do Poder Executivo — diz Brandalise.
A juíza Sonali da Cruz Zluhan, da 1ª Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre, é responsável pela fiscalização de sete casas prisionais de Porto Alegre e região, entre elas, o Central e a Pasc. Para a magistrada, a simples transferência de líderes de facções para a Pasc não resolve o problema da comunicação deles com o mundo exterior.
— Essa incomunicabilidade deveria ocorrer em qualquer presídio. Na Pasc, temos o mesmo problema dos outros presídios, porque eles também usam telefone celular lá – conta a juíza, ao dizer que há poucos dias um preso de alta periculosidade precisou ser transferido da Pasc para a Penitenciária Estadual de Canoas, que é o único presídio com bloqueador de celular, já que estava usando o aparelho indiscriminadamente.
Segundo Sonáli, atualmente o Estado não possui um presídio que permita a aplicação do chamado RDD (regime disciplinar diferenciado). Explica que apesar de ficarem um em cada cela na Pasc, os presos também são separados em galerias por facções. Além disso, fazem o banho de sol juntos. A juíza diz que foi prometido em 2014 pelo Estado a construção de um presídio que realmente permitisse o isolamento de presos perigosos, o que não ocorreu até hoje.
— O regime diferenciado pede que a visita seja monitorada. Eles não podem ir juntos para o pátio. Eles têm de ter pátio isoladamente. E eles ficam realmente sem comunicação com o mundo externo. Na Pasc, a gente não tem como fazer isso — diz Sonáli.