A caminho do salão onde trabalha no bairro Menino Deus, em Porto Alegre, numa tarde chuvosa de maio de 2021, Martina Oliveira, 42 anos, teve todo o material de trabalho roubado. "Não grita e entrega a bolsa", ouviu do criminoso, antes de ele sair correndo, com seus pertences. O caso integra estatística de 13.828 roubos a pedestres na Capital no ano passado. A boa notícia é que esse crime está caindo — redução de 10,91% no comparativo com 2020 —, mas a média ainda é alta, de 37 registros por dia.
Nove meses depois do assalto, Martina mantém sua rotina alterada, em razão do trauma. Após o roubo, evita fazer deslocamentos mais longos a pé para a casa de clientes, por exemplo, e não aceita mais pagamento em dinheiro — utiliza somente Pix e cartão.
— Trabalho muito mais na rua do que no salão, mas me cuido mais. Costumo olhar para trás. Se tem alguém próximo, viro, encaro. É um trauma ser assaltada. Tu não sabes quem é assaltante ou não. Mas, infelizmente, sou mais um número na estatística. Eu, e tantas pessoas que conheço — desabafa.
Quando foi vítima do roubo, a manicure caminhava pela Rua Visconde do Herval, próximo à Travessa La Salle. Ao ser abordada, a primeira lembrança foi da irmã, assaltada e agredida anos antes. A manicure não chegou a ver nenhum tipo de arma com o criminoso.
— Mesmo assim, aprendi que a gente não reage. O que me veio na cabeça foi "minha irmã foi assaltada, e foi espancada". Quando ele me pediu a bolsa, meu braço amoleceu. Levou meu material de trabalho, máquina de cartão, óculos de grau, que tinha pego três dias antes, não tinha pago nenhuma parcela, chave, carteira, dinheiro — recorda.
Celulares e receptação
No caso da manicure, o celular estava na calça e não chegou a ser levado, mas, segundo a polícia, esse é o item mais cobiçado pelos criminosos. Os telefones são repassados rapidamente para receptadores e revendedores dos aparelhos. As bolsas vêm em segundo lugar, nos casos de assaltos a pedestres.
Existe um mercado para receptar celulares. Usam técnicas de falsificação, limpam o telefone, e vendem por valor bem abaixo do mercado. Se ninguém comprasse telefone roubado, não haveria roubo a pedestres.
CORONEL FERNANDO GRALHA NUNES
Comando de Policiamento da Capital (CPC)
— Existe um mercado para receptar celulares. Usam técnicas de falsificação, limpam o telefone, e vendem por valor bem abaixo do mercado. Se ninguém comprasse telefone roubado, não haveria roubo a pedestres. Ninguém mais anda com dinheiro, usa Pix ou cartão. O alvo dos criminosos é o celular. Fica o apelo aqui para que as mesmas pessoas que são vítimas de roubos não procurem depois em um comerciante ilegal para adquirir um aparelho. Quando alguém compra um aparelho roubado, fomenta esse tipo de delito — alerta o coronel Fernando Gralha Nunes, à frente do Comando de Policiamento da Capital (CPC).
A recusa de uma pessoa em adquirir materiais roubados levou Martina a conseguir recuperar os seus itens de trabalho. No dia seguinte ao assalto, a manicure teve surpresa, ao saber que alguém havia deixado os produtos na porta de casa, junto da máquina de cartão e dos óculos. Ao olhar nas imagens de câmeras do prédio, viu duas mulheres depositando os pertences no local. Só mais tarde, descobriu quem tinha sido a benfeitora.
— Por milagre divino, tentaram vender meu material no salão de uma amiga minha. Acredito que a pessoa roubou e repassou para alguém, que tentou vender lá, e ela reconheceu porque eu tinha colocado nas redes sociais. Ela viu que era roubado, se deu conta, e veio me devolver. Perguntei se ela pagou algo para recuperar, mas não quis me dizer. Só agradeço por terem oferecido justamente para ela. Foi um anjo — diz a manicure.
Evitar latrocínio
Combater a receptação de produtos roubados, por meio da identificação dos locais que recebem e comercializam os itens, e prisão dos envolvidos no esquema, está justamente entre das formas empregadas pela polícia para reduzir esse tipo de crime na Capital. No comparativo com 2020, Porto Alegre teve 1.694 roubos a pedestres a menos. A média naquele ano era de 42 casos por dia — cinco a mais do que em 2021.
— Temos que considerar ainda que em 2020 tivemos menos fatos porque havia menos pessoas circulando na rua, pelo distanciamento social. Ano passado, mesmo com a pandemia, tivemos pessoas circulando, quase que no ritmo normal. Ainda assim, conseguimos reduzir — pondera a delegada Adriana Regina da Costa, diretora do Departamento de Polícia Metropolitana.
Tanto a Polícia Civil como a Brigada Militar citam outras estratégias em comum para diminuir o número de assaltos a pedestres. Entre elas, a integração e o trabalho de inteligência para mapear locais de maior incidência, e identificar quem são os possíveis autores de roubos, tão logo eles acontecem. Uma das características desse tipo de crime é que, em muitas vezes, o mesmo autor é apontado em diferentes casos. As equipes precisam trocar informações não somente com outros órgãos, mas também entre as DPs da Capital, já que não é incomum o assaltante migrar de área. Investigadores tentam reunir o maior número de provas para garantir que o criminoso permanecerá mais tempo fora das ruas.
— Sempre que conseguimos prender um desses autores já percebemos a diferença da incidência de casos. É uma preocupação constante do DPM o combate aos roubos a pedestres e aos comércios, afim de que não chegue ao latrocínio, que é o crime mais grave — diz a delegada Adriana, ao recordar do caso de uma jovem morta em setembro do ano passado, durante assalto em parada de ônibus na zona sul de Porto Alegre.
Diferentes formas de agir
Via de regra, a maioria dos assaltantes que ataca pedestres se guia pela oportunidade, buscando vítimas mais distraídas ou em áreas vulneráveis. Mas a forma de agir dos bandidos varia de acordo com o local onde o crime acontece. No Centro Histórico, por exemplo, que ainda concentra a maioria dos casos, os criminosos agem em pequenas quadrilhas, misturando-se entre a multidão. Em ataques rápidos, roubam a vítima, em geral pessoas que estão chegando ou saindo do trabalho, e já repassam os produtos levados para outras pessoas envolvidas no esquema.
Nos bairros, a estratégia envolve a utilização de algum veículo para deslocamento, seja carro, motocicleta ou até bicicleta. Os momentos de maior risco são ao amanhecer, quando trabalhadores se deslocam para as paradas de ônibus, ou ao entardecer, quando retornam para casa. Os pontos de transporte público, ou proximidades, são locais de maior risco. Assim como o crime, o policiamento também precisa adaptar o planejamento.
— Nos bairros, atuamos mais com motos, que permitem mais agilidade do que a viatura, por exemplo. E empregamos o policiamento proativo, que aborda, checa situações, vê se a pessoa não está rondando algum local, faz revista. Muitas vezes encontramos simulacros de armas de fogo. São armas de brinquedo que a pessoa acredita que é de verdade. No Centro, temos mais patrulhas a pé, usamos plataformas elevadas, para deixar o policial visível — explica o comandante do CPC.
Outra estratégia usada é a aproximação com moradores, comerciantes, vendedores, que mantêm contato com os policiais, por meio de grupos por aplicativo de mensagens, e repassam informações sobre suspeitos ou mesmo ocorrências em andamento. Isso permite que possíveis assaltantes sejam abordados antes do crime ou que haja reação mais rápido, caso ele venha a acontecer. Orientar a população sobre como agir nas ruas é também forma de tentar prevenir esse tipo de crime.
— Quando as pessoas estiverem em via pública, deixem o celular guardado, prestem atenção no caminho. Se tiver que usar celular, procure entrar em estabelecimento comercial. O roubo a pedestre não é como um furto, é uma ocorrência grave, com arma, faca, ou violência física, que pode resultar num latrocínio, que é o assalto com morte — alerta o coronel.
Confira outras dicas, para tentar se proteger
- Evite se deslocar por lugares desertos ou mal iluminados
- Mantenha-se alerta em todo trajeto a pé, principalmente ao ingressar em veículo
- Cuidado na saída do trabalho e de bares e restaurantes
- Evite ostentar celular, cordões, relógios, joias e dinheiro
- Ao utilizar mochilas, certifique-se de que os bolsos estejam fechados. Se tiver zíper, se possível, use cadeado
- Ao circular com mochilas e bolsas, traga-as para a frente do corpo, com a mão sobre zíper
- Bolsa apoiada em um ombro por alça lateral pode ser facilmente levada
- Não use celulares nem fones de ouvido enquanto estiver caminhando
- Não utilize celular pendurado na bolsa ou na roupa
- Transporte carteiras e celulares nos bolsos da frente
- Se for vítima de assalto, não reaja. Além de o criminoso poder estar armado, em geral, bandidos costumam agir acompanhados
Fonte: Brigada Militar e Polícia Civil