Problema que traz retrabalho às polícias gaúchas, a fuga de presos dos regimes aberto e semiaberto registrou queda de 66% nos últimos cinco anos na Capital. Nesse período, foram registradas 1.284 fugas, além de 652 casos em que o apenado não se apresentou quando deveria.
Em 2017, o número de fugas nos regimes aberto e semiaberto na cidade foi de 473. Em 2018, caiu para 394, para 145 em 2019, e teve nova queda em 2020, com total de 113 fugas. Em 2021, no entanto, houve um aumento, subindo para 159 - entenda as diferenças entre os regimes abaixo.
De acordo com o diretor do Departamento de Segurança e Execução Penal da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), Vagner Cogo, fatores como a pandemia e programas de combate à criminalidade do governo gaúcho impactam nos números.
Segundo ele, com a implementação do programa RS Seguro, no começo de 2019, os números de evasão começaram a diminuir. O programa, principal aposta do governo estadual para a área da segurança pública, consiste em levantar informações sobre os crimes em municípios e planejar estratégias de forma conjunta entre as instituições.
Depois, entre 2020 e 2021, o número voltou a subir, na avaliação de Cogo, por causa do receio de presos sobre o avanço da pandemia e também pela perda de contato dos apenados com familiares, já que as visitas foram canceladas.
— O apenado que está no regime semiaberto parou de receber visitas, assim como o que estava no fechado. Essa visita é crucial para o preso, para manter o contato dele com a família e, de alguma forma, o mundo externo. Sem acesso ao familiar, ele acaba buscando meios de ter esse contato, e um deles é foragindo. A visita só voltou a ocorrer, de forma gradual, pela metade de 2021 — analisa Cogo.
Atualmente, as instituições responsáveis por apenados no Estado apostam na ressocialização do preso, conforme o diretor, na tentativa de diminuir as evasões e criar oportunidades de apenados voltarem ao convívio da sociedade.
— Nos últimos anos, temos fomentado muito a inclusão social, por meio do trabalho, da educação, dentro das casas penais. É uma mudança cultural, inclusive, não apenas interna. O objetivo é pensar o preso como alguém que está de passagem, que pode depois retomar sua vida. Esse trabalho irá refletir na conduta desse preso quando ele sair da prisão e também contribui para diminuir a violência — explica Cogo.
O juiz Roberto Coutinho Borba, da 2ª Vara de Execuções Criminais, acrescenta que as fugas em regime semiaberto são comuns e até inevitáveis pelas características do regime intermediário - etapa da execução da pena em que se prepara a reinserção social.
Mas ele destaca que os apenados têm consciência de que essa atitude poderá lhes impor consequências.
— É algo que tem sido objeto de permanente conversa durantes os atendimentos realizados nas unidades prisionais. As recapturas são constantes e, quando do retorno, passam a cumprir as penas cautelarmente em regime fechado, aguardando audiência, quando então, podem ser sancionados com regressão e perda parcial dos dias remidos (dias de pena que são descontados pelo trabalho realizado no cárcere ou em trabalho externo). Dependendo do saldo de pena a cumprir, poderá ensejar cumprimento de pena por diversos anos em regime mais gravoso — explica Coutinho Borba.
É o que se verifica na rotina do 2º Juizado da 2ª VEC, responsável pela execução das penas de aproximadamente 11 mil pessoas, nos regimes aberto e semiaberto. O juiz conta que já tiveram meses com picos de quase 400 audiências por mês, em decorrência das fugas ou outras faltas - violações das regras do monitoramento eletrônico, novos delitos, celulares dentro da casa prisional, entre outros.
— As audiências têm sido marcadas com muita agilidade, ensejando uma sanção o mais próximo possível da falta — afirma.
Não apresentação
De acordo com a Susepe, é considerada fuga quando o preso não tem autorização para deixar o local em que está - seja em institutos penais ou prisão domiciliar - e decide foragir. Mas há também o que é considerado "não apresentação", quando o apenado do regime semiaberto ou aberto tem autorização para sair durante o dia, mas não retorna à noite, quando deveria. Nesses casos, ele aproveita a autorização para ir trabalhar ou para visitar algum familiar, por exemplo, e foge do sistema prisional.
A não apresentação também teve queda acentuada em comparação a cinco anos atrás. Em 2017, foram registradas 138. Em 2018 e 2019, o número de presos que não retornaram foi de 162 e 171, respectivamente. Em 2020 e 2021, o número ficou em 84 e 97.
Enfraquecimento do semiaberto
Uma reportagem publicada há 10 anos por GZH mostrou que o índice de fugas do semiaberto na grande Porto Alegre havia caído 28% entre 2010 e 2011, mas superava ainda 2 mil registros anuais. A queda foi explicada pelas autoridades, à época, por uma mudança feita pelo Judiciário. Naquela oportunidade, se determinou que criminosos do regime aberto pudessem cumprir prisão domiciliar. O objetivo era amenizar a situação de presos que poderiam progredir de regime, mas seguiam no fechado por falta de vaga.
Segundo o juiz Sidinei Brzuska, que atuou junto à Vara de Execuções Criminais de 1997 a 2019, após essa decisão, ocorreu o que ele chama de extinção do semiaberto, por meio do fechamento de casas dedicadas ao regime (como Instituto Penal Mariante e o Instituto Penal de Viamão) e redução de vagas nas ainda existentes.
— Havia um descontrole imenso nas casas do semiaberto, presos andando armados, rendendo funcionários, bandidos cometendo assalto na rua e fugindo da polícia para dentro do semiaberto. Em vez de recuperar controle do semiaberto, o Estado as fechou. A opção do Estado é deixar o preso solto, em domiciliar ou tornozeleira — afirma.
Atual juiz da 2ª Vara de Execuções Criminais, Roberto Coutinho Borba também acredita que mais preocupante que o número de fugas é a escassez de vagas nas casas prisionais de regime intermediário. Destaca que, hoje, para os regimes aberto e semiaberto na Capital, há apenas 535 vagas, distribuídas em cinco estabelecimentos prisionais.
— O pior é que as vagas faltantes deveriam ser supridas com o monitoramento eletrônico (tornozeleiras eletrônicas), o que não se concretiza por completo, dada a escassez de equipamentos. Em relatório recebido no mês de dezembro de 2021, havia uma carência de quase 2,4 mil tornozeleiras eletrônicas na Região Metropolitana de Porto Alegre.
Nestes casos, apenados com condenações em regime aberto ou semiaberto que se encontram sem qualquer vigilância, com exceção de apresentações periódicas na Susepe para serem informados da existência ou não de equipamento para instalação.
GZH questionou a Secretaria da Justiça e Sistemas Penal e Socioeducativo (SJSPS) sobre a falta de vagas no semiaberto e aquisição de tornozeleiras eletrônicas, mas não obteve retorno até a publicação da matéria.
Regime aberto
Conforme a Susepe, a maioria dos apenados nesse sistema fica em prisão domiciliar e monitorado, como por meio da tornozeleira. Em alguns casos, mais raros, o preso fica em um alojamento, onde deve retornar ao fim do dia para dormir.
Regime semiaberto
Neste sistema, a Susepe explica que os presos podem sair dos institutos penais mediante carta de emprego (para trabalhar de dia e retornar à noite) ou para fazer saídas temporárias autorizadas pela Justiça. Se não, eles permanecem na unidade, onde podem receber visitas.