A monotonia da última quarta-feira de 2021, antevéspera do Réveillon, foi sacudida por um dos mais audaciosos assaltos já registrados no Rio Grande do Sul. Os termômetros se aproximavam dos 30º C por volta das 10h30min quando seis homens armados de fuzis e disfarçados de policiais civis abordaram um carro-forte na entrada de um supermercado em Guaíba, às margens da BR-290. A ação, rápida e sem violência, resultou no roubo de uma quantia superior a R$ 3,3 milhões. Ao cabo de pelo menos sete horas de perseguição por rodovias, estradas de chão, pelo leito do Rio Jacuí e pelas matas das Ilhas ao redor de Porto Alegre, dois bandidos foram presos e dois foram mortos em confronto. Outros dois continuavam em fuga até as 22h.
Os assaltantes chegaram ao supermercado em dois veículos, um deles uma EcoSport preta com falsos adesivos da Polícia Civil (PC). Portando fuzis e pistolas e usando roupas pretas táticas simulando uniforme de combate do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), eles não tiveram dificuldades para render os vigilantes que se preparavam para abastecer dois caixas-eletrônicos do estabelecimento.
De posse dos malotes de dinheiro, os ladrões fugiram nos dois veículos em direção a Porto Alegre, mas logo embarcaram num furgão branco adesivado como se pertencesse a uma suposta Dedetizadora Carvalho. Todavia, não há qualquer referência à empresa nos buscadores da internet, tampouco funciona o número de telefone estampado na lataria. O furgão acabou abandonado na ponte sobre o Rio Jacuí, tão logo o grupo percebeu que já estava sendo perseguido pela Brigada Militar (BM). No local, os bandidos roubaram uma Toyota Hilux e uma Duster, levando um dos motoristas como refém — ele seria solto logo adiante.
Antes de seguir em fuga, os ladrões espalharam miguelitos sobre a pista da BR-290, furando o pneu de viaturas policiais e vários carros particulares. No furgão, deixaram munições, coletes balísticos, camisetas da PC e ao menos R$ 3,354 milhões. O abandono do furgão provocou um engarrafamento de sete quilômetros na rodovia e instalou uma onda de pânico na região, à medida que a notícia do assalto se disseminava,
Dividido, o bando seguiu em direção à Ilha dos Marinheiros, onde faria mais dois reféns. Com medo de uma invasão, a direção do Grêmio Náutico União evacuou a sede situada na Ilha do Pavão e cedeu embarcações à BM. Outros barcos da Marinha se uniram à perseguição pelo Delta do Jacuí. No céu, um helicóptero também buscava rastros dos criminosos. Do meio da mata, os bandidos atiraram contra a aeronave, errando os disparos.
— Poucas vezes nos meus 32 anos de serviço eu vi um delinquente ter a audácia de disparar contra uma aeronave da Brigada Militar, e isso ocorreu hoje. Não vamos permitir que esses indivíduos saiam impunemente — garantiu o subcomandante-geral da BM, coronel Claudio Feoli.
Com mais de cem agentes da BM, PC e da Polícia Rodoviária Federal empreendendo cerco ao redor da região das ilhas, dois assaltantes foram presos no início da tarde. Pouco antes, o restante do bando havia ingressado nos fundos de uma casa na Ilha dos Marinheiros, trazendo um refém. Eles renderam o dono da casa, um pescador de cerca de 50 anos. O homem foi obrigado a usar o próprio barco para levar os bandidos à outra margem do Jacuí, na Ilha do Pavão. Armados e portando bolsas com dinheiro, eles mantinham a dupla sob a mira de fuzis.
— Fiquei com medo de morrer a qualquer momento. Não estavam com máscara, mas me ameaçavam de morte se eu olhasse pra eles — relata o pescador, cuja identidade é preservada por medo de retaliações.
No meio do trajeto, o motor do barco apagou. Os bandidos desconfiaram estar sendo enganados, mas ao confirmar a falta de combustível forçaram os reféns a concluir o percurso usando dois pedaços de madeira como remos. Faltando poucos metros, perceberam a aproximação da polícia e se jogaram na água, nadando até a outra margem.
Os quatro criminoso se embrenharam na mata, seguidos de perto por homens do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope). Com grande compleição física, eles avançavam rápido, mas deixavam um rastro facilmente perceptível. Não tardou para que fossem alcançados pelo Bope. Foi quando aconteceu o primeiro confronto armado. Um dos bandidos manteve guarda enquanto o bando fugia, mas acabou morto na troca de tiros com a polícia. Poucos depois, outro criminoso também foi morto. Com eles, foi encontrada mais uma parte do dinheiro roubado.
No local do assalto, restaram poucos sinais da investida. Até o início da tarde o carro-forte permaneceu a dois metros da entrada principal do supermercado, guarnecido por policiais militares e sem isolamento, enquanto aguardava perícia. Na fachada do estabelecimento, há pelo menos uma câmera de segurança direcionada para o veículo. Segundo a assessoria de imprensa do grupo, a empresa está colaborando com as autoridades policiais e não houve violência contra os funcionários, tampouco prejuízos materiais e pessoais.
A assessoria diz ainda que os bandidos não chegaram a entrar na loja de 4,6 mil metros quadrados, porém dois caixas eletrônicos instalados na parte interna, em frente aos caixas, foram isolados por fitas. O atendimento ao público não chegou a ser suspenso e não houve restrições de acesso.