Assimetria na abertura das narinas, um sinal no lado direito perto da boca e pintas no pescoço. Características que podem passar despercebidas tornaram-se essenciais para ajudar a identificar a mulher por trás de um vídeo usado para extorquir vítimas do golpe dos nudes. Presa pela Polícia Civil, a suspeita teve imagens comparadas com a da gravação que viralizou e passou a ser utilizada por criminosos em todo país. A análise do Instituto-Geral de Perícias (IGP) indicou que se trata da mesma pessoa detida em Novo Hamburgo, no Vale do Sinos, em 23 de novembro.
O vídeo que foi analisado pelos peritos nas últimas semanas não é novo e, inclusive, já apareceu em dezenas de inquéritos abertos pela polícia. Mas até então não havia identificação da mulher. Em uma das gravações, a suposta mãe de uma adolescente de 13 anos afirma que a filha foi vítima de um pedófilo e faz ameaças. Em outra, finge estar em uma Delegacia de Polícia registrando o caso. Os mesmos vídeos passaram a ser enviados a alvos do golpe dos nudes, que eram extorquidos.
Ao longo da apuração, a Delegacia de Repressão aos Crimes Informáticos e Defraudações, do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), chegou até três investigadas. Em 23 de novembro, mãe e filha foram presas em Novo Hamburgo, por suspeita de envolvimento nas gravações dos vídeos, e uma terceira foi detida em Farroupilha, por receber valores na conta bancária. Antes da prisão, a polícia recorreu ao IGP para solicitar a comparação facial.
— Suspeitávamos, mas não tínhamos certeza. Pedimos a prisão temporária justamente para que pudesse ser feito esse confronto das imagens com os vídeos. Foram encaminhados vídeos de mãe e filha — explica o delegado André Anicet, titular da delegacia.
Um dos pontos que dificultava a identificação é que nas gravações a falsa mãe aparecia disfarçada, com cabelos pretos e óculos de aros grossos, diferente das detidas, que têm cabelos loiros – a suspeita estava usando peruca no vídeo. O setor que recebeu o pedido é a Seção de Perícias em Áudio e Imagens (Sepai) do Departamento de Criminalística do IGP. Foi ali que os profissionais começaram a comparação entre a gravação com vídeos das duas mulheres presas.
Uma das gravações foi descartada porque não era possível visualizar todas áreas do rosto que precisavam ser avaliadas. Por meio da outra, os peritos encontraram 16 pontos compatíveis com a mãe. Com isso, foi possível concluir que era a mesma mulher.
Esta é a primeira vez que a perícia é usada em investigações da delegacia que apura crimes virtuais, mas a técnica já é empregada em outros casos. Os mais recorrentes, segundo o perito criminal Luciano Beux, da Sepai, envolvem documentos falsos e identificação de pessoas que aparecem em gravações de câmeras de segurança, cometendo algum delito.
— Há casos de documentos apreendidos com falsários, onde há uma foto com nome de outra pessoa. A polícia quer saber se a pessoa que está na imagem é a mesma suspeita — detalha.
No vídeo, a mulher faz ameaças a um suposto pedófilo. Ela afirma ter pegado nudes do homem no telefone da filha, que seria adolescente. A história, segundo a polícia, é uma farsa para extorquir dinheiro. O alvo, acreditando estar sendo ameaçado pela família da garota, paga para não ser preso. Há variações, nos quais os golpistas se passam por policiais, exigindo dinheiro para não seguir com a apuração.
— Vou na delegacia e vou registrar uma ocorrência. Vou mandar o delegado te prender — ameaça a mulher, que em outro vídeo aparece em uma falsa delegacia, onde chora e diz ter entregue à polícia provas do que aconteceu com a suposta filha.
Quando foi presa, a mulher admitiu ter sido paga para gravar o vídeo, mas alegou não saber o destino da gravação. Negou ter envolvimento nos outros casos de extorsão nos quais a imagem foi usada. Disse que após a gravação não teve mais controle sobre o uso das imagens, que se propagaram na internet. A filha negou ter feito o vídeo e reconheceu a mãe como autora — ela foi liberada e a mãe teve prisão preventiva decretada. Segundo Anicet, ainda que a presa tenha confessado, a perícia é importante para o inquérito.
— É mais um elemento de prova, prova técnica, irrefutável, que identifica que foi ela que fez o vídeo — afirma o delegado.
A polícia pediu quebra de sigilo bancário das investigadas e segue apurando o caso. A mulher identificada deve responder por extorsão e associação criminosa.
Passo a passo para a identificação
O primeiro passo para identificação é o melhoramento das imagens, que são ampliadas e processadas para avaliar se possuem qualidade suficiente para chegar ao resultado. É preciso que permita visualizar todas as estruturas do rosto. Softwares são usados para a realização da análise, que requer conhecimentos de processamento de imagens e anatomia facial humana.
No caso da suspeita de golpe, os peritos encontraram o mesmo padrão em áreas do rosto, como sobrancelhas, linha entre as sobrancelhas e formato dos olhos. Observaram ainda assimetria nas narinas, que o formato e espessura dos lábios coincidia e que nas duas imagens havia a presença de aparelho ortodôntico.
— Analisamos o rosto todo, e vamos procurando o que é similar, o que é diferente. A linha de implantação capilar, o formato da sobrancelha, os olhos, o espaçamento entre os olhos, o nariz, as narinas, as orelhas, o formato da boca, o filtro labial, que é aquele espaço entre o nariz e o lábio, o formato do queixo, se a pessoa tem rugas, sinais, linhas de expressão. É analisado tudo — descreve o perito.
Além da análise da anatomia da face (formatos), a perícia também verifica detalhes como pintas, cicatrizes, manchas, sinais, rugas ou mesmo tatuagem. Todos esses pontos, chamados de individualizadores, permitem concluir se tratasse da mesma pessoa. A suspeita, neste caso, tinha um sinal no lado direito perto da boca e pintas no pescoço.
Ao final, é elaborado um laudo pericial que aponta o resultado por meio do grau de escala de compatibilidade. Os peritos compararam a imagem do vídeo com as das suspeitas, em busca de pontos em comum. Para isso, é utilizada escala, do -4 (nega a hipótese) ao + 4 (confirma). Além de identificar suspeitos, a análise permite descartar de forma científica investigados, que aparentemente tinham semelhança com o autor de determinado crime.
— Tivemos vários casos em que havia um suspeito, mas não era a mesma pessoa. Até gêmeos são diferentes — afirma Beux.
Esse tipo de análise começou a ser realizada pelo IGP em 2014. Atualmente, o órgão recebe, inclusive, consultas de outros Estados. Em um dos casos, peritos de Roraima entraram em contato para pedir ajuda na identificação de um venezuelano. Havia suspeita de que o homem, que havia morrido na prisão, poderia ser outra pessoa.
A análise de diversas fotografias permitiu identificar que, quando preso, o homem foi identificado com o nome do irmão. Os peritos também costumam ser procurados por equipes de outros Estados para consulta de informações, como tipo de software e metodologia utilizados.