Quem está por trás de extorsões e ameaças a donos de revendas de veículos no Rio Grande do Sul? É essa resposta que a Polícia Civil tem buscado nas últimas semanas, quando a investigação desse tipo de crime se tornou uma das prioridades da instituição. Casos de empresários extorquidos por criminosos, que se identificam como membros de facção, prometem segurança e cobram espécie de pedágio, vêm crescendo no Estado e apavoram lojistas. Migração do crime organizado, formação de milícias e até o oportunismo de estelionatários estão entre os motivos apurados.
Foi em Taquara, município do Vale do Paranhana, que os casos mais frequentes despertaram a atenção. Donos de revendas passaram a ser procurados por criminosos, que se identificavam como membros de facção com berço no Vale do Sinos, e exigiam cerca de R$ 500 semanais para proteger a loja e fazer cobrança de dívidas na venda de carros. A ameaça era de que, caso o proprietário se recusasse a pagar, o negócio poderia ser fechado. Em setembro e outubro, agentes conseguiram prender suspeitos vinculados ao grupo e apreender armamentos.
Ainda assim, na noite de 12 de outubro, também na cidade, encapuzados, vestidos com roupas militares e armados com fuzis e pistolas, executaram um jovem de 18 anos. O local escolhido foi em frente ao portão de uma revenda, às margens da RS-239. O crime foi gravado pelas câmeras do estabelecimento, possivelmente de forma proposital. A morte do jovem teria relação com desavenças envolvendo o tráfico, mas o local escolhido seria um recado ao dono do comércio. Após alvejar a vítima, os bandidos seguiram atirando, mas em direção a outro alvo: metralharam carros estacionados no pátio.
Antes mesmo dessa execução, segundo o subchefe da Polícia Civil, delegado Fábio Motta Lopes, a polícia já vinha atenta a esse tipo de crime. Em agosto, em Garibaldi, na Serra, uma revenda de caminhões foi alvo de criminosos, que atearam fogo no pátio do estabelecimento. Ali já havia indícios de que empresários estavam sendo extorquidos, e o caso segue sendo investigado. A polícia tenta entender o por quê de as revendas se tornarem o novo alvo e quem realmente está no comando desse tipo de ação. Os valores exigidos variam de R$ 100 semanais até R$ 1,5 mil, e a maioria dos contatos se inicia por telefone.
Extorsão a donos de revendas de veículos cresce no RS, e polícia investiga o que explica o fenômeno
FÁBIO MOTTA LOPES
Subchefe da Polícia Civil
— Uma coisa é certa: o interesse é econômico. É um movimento que estamos tentando compreender melhor, para diagnosticar e então estabelecer um plano de ações. Não está claro se algumas milícias estão se instalando no Estado com essa finalidade, se é organização criminosa, o tráfico de drogas, visando obtenção de valores ilícitos. Isso não quer dizer que essas investigações não sejam prioridade. As investigações estão em pleno andamento. Mas ainda não temos todas as respostas. Buscamos identificar e prender os autores, e também quem está por trás do esquema — garante o subchefe.
Extorsões envolvendo grupos criminosos não são novidade. Facções já entraram em conflito com bicheiros e donos de caças níqueis no Estado. Mas o motivo de as revendas terem se tornado alvo ainda é investigado. Entre as hipóteses para que esses comerciantes tenham se tornado o alvo da vez está o fato de muitas revendas serem localizadas em pontos de fácil acesso, como em rodovias. É o caso da loja atacada em Taquara.
— Os veículos às vezes também são moedas de troca entre os criminosos e ficam em consignação, sem que os proprietários das revendas tenham ciência da origem — acrescenta o delegado região das Hortênsias, Heliomar Franco.
Possíveis golpes
Após o fato em Taquara, que ganhou repercussão por ser uma execução gravada, parte dos criminosos passou inclusive a fazer referência ao episódio, como forma de intimidação. Isso leva a polícia a suspeitar que alguns dos fatos que se disseminaram por outras cidades, especialmente na Grande Porto Alegre, estejam sendo oportunizados por golpistas, usando o nome da facção.
Estelionatários costumam se aproveitar de assuntos do momento para aplicar novas trapaças. Uma das suspeitas é de que eles possam estar se passando por membros do crime organizado, aproveitando-se do impacto causado pelas cenas da execução com armas de grosso calibre, para extorquir valores dos lojistas. Esses casos de supostos golpes envolvem inclusive outros tipos de comércios, como padarias e postos de combustíveis. Esses criminosos não chegam a ir até o local, mas exigem por telefone pagamento via Pix. Na última semana, novos casos foram registrados em Taquara e Três Coroas.
— Alguns dizem que querem uma "caixinha" e se não pagar vai ter mesmo efeito de Taquara. Usam o caso de Taquara como gancho para pressionar as pessoas. Quando pedem por Pix já se sabe que é golpe. O sujeito não tem coragem de ir buscar o dinheiro, imagina se vai ter de dar proteção. Nesses casos, é um estelionatário, com telefone na mão — analisa o delegado Heliomar Franco.
Titular da 1ª Delegacia Regional Metropolitana, Juliano Ferreira também acredita que parte desses crimes esteja sendo fomentada por estelionatários. Quando estava à frente da 17ª Delegacia de Polícia de Porto Alegre, o delegado capitaneou investigação sobre extorsões no Centro Histórico. Bandidos exigiam quantias regulares para permitir a atuação de bicheiros, donos de caça níqueis, casas de prostituição, ambulantes e lojistas. Operação foi realizada para combater esse tipo de ação há dois anos. A diferença é que agora os alvos não possuem relação com qualquer atividade ilícita.
— Ali a facção se achava no direito de cobrar um percentual e muitos não procuravam a polícia por ter algum envolvimento ilícito. O comerciante legalizado, um ou dois até pode pagar, mas logo alguém vai procurar a polícia. Os grupos criminosos sabem disso. Acredito que é algum golpista, se passando pela facção para tentar tomar dinheiro. Mas isso não diminui a gravidade do fato. A determinação é para que priorizem a investigação, e esclareçam quem está por trás desse tipo de coisa — analisa o delegado.
Em Gravataí, pelo menos oito casos de lojistas extorquidos chegaram ao conhecimento da polícia nos últimos dias. Em todos eles, os criminosos fazem referência ao caso de Taquara. Duas delegacias de Gravataí investigam os fatos.
— Isso não pode ganhar corpo. O nosso comerciante, empresário, paga tantos impostos. Agora ter de pagar mais para facção, nem pensar. É uma situação inadmissível. Não vai acontecer, não vamos deixar. Pelo que tenho das vítimas, nenhum pagou e nenhum dos estabelecimentos teve represália efetiva — afirma Ferreira.
Morador da Grande Porto Alegre, um empresário se tornou um dos alvos dos criminosos, que tentaram extorqui-lo. O comerciante não aceitou pagar, mas atualmente diz que vive com medo de que possa ser vítima de represália.
— Trabalho com medo. Estamos lidando com facção. Minha família está toda muito assustada. É muito sério — desabafa.
Em Canoas
Terceira cidade com maior população no Estado, Canoas, na Região Metropolitana, também teve série de casos recentes, assim como Esteio. Donos de revendas foram contatados por chamada de WhatsApp. Do outro lado, criminosos de identificam como membros de uma facção e exigem valores semanais.
Diretor da 2ª Delegacia Regional Metropolitana, o delegado Mário Souza afirma que a polícia procurou os empresários que estavam recebendo as ameaças para orientá-los sobre a necessidade de registrar os casos. Cerca de 25 comerciantes teriam sido contatados pelos criminosos nas duas cidades. Inquérito foi instaurado na Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco) de Canoas.
— Orientamos para que ninguém ceda a qualquer ameaça. Não descartamos que realmente seja o crime organizado ou alguém se passando por ele. Tudo será apurado — garante.
Para tentar resguardar os lojistas, a polícia buscou apoio da Brigada Militar, Polícia Rodoviária Federal e das Guardas Municipais, para manter atenção no patrulhamento desses locais.
— Estamos monitorando os locais que foram ameaçados, com essa ação integrada entre as polícias. E, em breve, esperamos identificar essas pessoas e responsabilizar todos que fizeram esse tipo de ato. Não vamos permitir que isso se estabeleça aqui — diz Souza.
Prisões
No Vale do Paranhana, na última semana, mais dois foram presos em Taquara. Com um dos detidos, foram encontradas mais de 500 munições de diferentes calibres, incluindo 97 de fuzil 556. Até o momento, sete suspeitos de integrarem o esquema foram identificados pela investigação — seis foram presos e um está foragido. Ao longo da apuração, dois fuzis foram apreendidos pelos policiais.
Em Portão, no Vale do Sinos, três suspeitos também foram presos na semana passada, no momento em que passavam em uma revenda para fazer o recolhimento de valores. Os bandidos exigiam que as vítimas pagassem em torno de R$ 1 mil a R$ 1,5 mil, como forma de pedágio do crime. Neste caso, os criminosos chegavam nas lojas e faziam uma ligação por WhatsApp para outra pessoa, que se identificava como preso, membro de uma facção.
— Quem não quiser colaborar com a mensalidade, vai ter que fechar as portas — ameaçavam.
Para um dos lojistas, ameaçaram atear fogo na revenda. Pelo menos quatro comerciantes registram o caso na polícia. A investigação apura se a ligação realmente foi feita para dentro do sistema prisional e quem foi o mandante do crime.
— No dia que estavam voltando para reconhecer o dinheiro, de extorsões feitas na semana anterior, acabaram presos — conta o delegado Marcos Mesquita.
Os suspeitos presos não estavam com dinheiro e nem armas. Quando ouvidos, eles negaram que estivessem extorquindo as vítimas.