Na noite do último domingo (5), Grasiela Pereira de Souza, 36 anos, foi avisada por um pastor que a sua primogênita Luana Graciéli de Souza Lounai, 19 anos, tinha sido ferida. A dona de casa ainda não sabia que a filha havia sido baleada no rosto dentro da casa onde vivia em Bom Retiro do Sul, no Vale do Taquari. Socorrida, a jovem não resistiu aos ferimentos e morreu. O companheiro dela, Thales Vinicius Ribeiro, 22, está foragido. A polícia investiga o caso como feminicídio, mas a defesa do suspeito alega que o tiro foi acidental.
Mãe de quatro filhos, Grasiela não acredita que a mais velha tenha sido morta por acidente. A dona de casa reside na mesma cidade que a jovem, mas as duas moravam em bairros diferentes. A última vez que ela conversou com Luana foi no sábado, um dia antes de ela ser morta. A filha estava empolgada com os preparativos para o lançamento de uma loja online.
Luana pretendia vender produtos de beleza e acessórios femininos pela internet. Gravou vídeos mostrando os itens expostos dentro de casa. Em áudios enviados para a mãe, descrevia tudo que teria para a venda. Havia preparado cartõezinhos com o nome da loja para entregar às clientes, com brindes. Também planejava gravar vídeos e postar nas redes sociais como forma de divulgar o negócio. Para isso, havia encomendado um expositor.
— Era o sonho dela ter essa lojinha. Era muito vaidosa. Amava isso, de maquiagem, essas coisas. Na última vez que fui na casa dela, me disse: "vou te fazer de cobaia". Fez limpeza de pele, maquiagem. Ela gostava disso — recorda a mãe.
Luana nasceu em Estrela, mas morou durante a infância em Fazenda Vilanova, onde estudou na Escola Municipal Edgar da Rosa Cardoso. Depois disso, mudou-se com a mãe para outras cidades da região, como Lajeado, Estrela e Bom Retiro do Sul. Aos 16 anos, a jovem saiu de casa e foi trabalhar em uma indústria em Lajeado. Na época, segundo a mãe, mantinha relacionamento com outro jovem. Depois disso, chegou a voltar a viver com Grasiela, mas passou a morar sozinha novamente em Bom Retiro do Sul.
Nesse período, Luana teria conhecido Ribeiro, com quem começou um relacionamento. Os dois passaram a viver juntos em Bom Retiro do Sul, na casa dela. No entanto, ele acabou preso por tráfico de drogas — crime pelo qual ainda responde processo.
— Ela visitava ele, quando estava preso, fez união estável. Dizia que ele era a vida dela. Amava ele, de paixão. Dizia que ele tratava ela como uma princesa. Não adiantava falar, dar conselho. Brigava com todo mundo, ficava de mal, para ficar com ele. Era doente por ele. Essa pessoa, que agora tirou a vida dela — diz a mãe.
Não tem nada de acidental nisso. Colocar um filho mundo, passar trabalho, criar, para acontecer isso. Quando tu levas teu filho para passear, para ir no médico, escolhe a roupinha. Imagina ter de escolher a roupa para enterrar um filho. É isso. Não tem palavras
GRASIELA DE SOUZA
Mãe da vítima
Ribeiro recebeu liberdade provisória, por meio de um habeas corpus, no dia 16 de julho, e o casal voltou a morar junto. No período em que Luana vivia com o companheiro, segundo a mãe, ela visitava pouco a família. A jovem dizia que ele não gostava que ela saísse e, por isso, evitava. Grasiela conta que o genro só esteve uma vez na casa dela, rapidamente. Luana só teria visto a irmã, de apenas cinco meses, em dois momentos.
— Ela amava os irmãos. Estava sempre ligando, falando por videochamada. Mas ele não podia saber quando ela vinha passear, ou procurava alguém. Ela não queria que ele ficasse bravo, chateado. Fazia tudo para agradar ele. Depois que ela foi morar nessa casa, fiz uma visita só. Ela teve de pedir permissão para eu poder ir lá. Ela era outra pessoa, antes — descreve a mãe.
Na noite de domingo, Grasiela foi avisada de que a filha havia sido internada, após se envolver em uma briga, mas que estava bem. Mas Luana tinha sido levada ao hospital com um tiro no rosto. Ela foi acudida por um vizinho, que chamou a polícia e o socorro. Antes disso, o companheiro dela deixou a casa em um táxi.
— Se foi acidental, por que não salvou ela? Ela estava respirando, tinha batimento. Tinha chance de sobrevier se tivesse chamado o socorro. Só quem viu ela daquele jeito. Não tem nada de acidental nisso. Colocar um filho mundo, passar trabalho, criar, para acontecer isso. Quando tu levas teu filho para passear, para ir no médico, escolhe a roupinha. Imagina ter de escolher a roupa para enterrar um filho. É isso. Não tem palavras — desabafa.
Feminicídio é principal hipótese
Responsável pela investigação do caso, o delegado Juliano Stobbe diz que a principal hipótese apurada pela polícia é de feminicídio — quando a mulher é morta em contexto de gênero. A polícia tenta entender, no entanto, o que motivou o crime. Horas antes de Luana ser alvejada, os dois estiveram na residência dos pais de Ribeiro, onde almoçaram e depois voltaram para casa. A jovem não tinha registro de violência doméstica contra o companheiro.
No entanto, logo após o tiro, ele deixou a residência em um carro. A jovem foi socorrida por um vizinho, que entrou na casa e encontrou a vítima deitada na cama, com um travesseiro sobre o rosto, encobrindo o ferimento.
— Essa tese (de disparo acidental) nem veio para o inquérito. É novidade. É um argumento da defesa dele, que ficou de apresentar o cliente e não apareceu. No momento, feminicídio é a principal tese, mas, claro que não se exclui nada — afirma o policial.
A investigação está ouvindo pessoas próximas ao casal, para tentar entender como era a relação dos dois e o que pode ter motivado o crime. Um taxista, que fez uma corrida para Ribeiro logo após Luana ser baleada, também prestou depoimento. A perícia feita na residência onde o casal vivia e houve o crime e a necropsia devem ajudar a entender a dinâmica do crime.
— Estamos ouvindo pessoas que tenham relação de parentesco ou que conviviam com os dois. A motivação ainda é um mistério — afirma Stobbe.
O que diz a defesa
O advogado Evandro Mariani sustenta que a morte da jovem aconteceu de forma acidental e que o cliente só fugiu do local por medo de ser preso. Sobre o fato de ele não ter prestado socorro, diz que ele acreditou que não havia mais nada que pudesse ser feito, já que ela foi baleada no olho. A defesa também argumenta que o casal mantinha uma boa relação.
— Foi uma fatalidade. Ela estava sentada na cama, estavam conversando. Ele estava com uma arma, um revólver, na cintura. E em algum momento, ela pediu par ver a arma, e quando ele foi tirar e mostrar para ela, disparou. Acertou no olho. Ela teria caído desfalecida. Ele se desesperou — afirma.
Sobre o fato de Ribeiro estar foragido, o advogado diz que ele foi orientado a se apresentar à polícia, mas que a decisão sobre o que fazer neste caso cabe ao cliente.
— Não foi em momento algum um ato de atentar contra a vida dela. Foi uma fatalidade sim e vamos trabalhar para esclarecer isso no curso da instrução processual — diz.