Quatro empresas de segurança privada, baseadas em Porto Alegre, tiveram os seus alvarás de funcionamento cancelados pela Polícia Federal (PF) em decisões administrativas publicadas no Diário Oficial da União do dia 18 de agosto. Os atos, já em nível recursal, são assinados pelo diretor-geral da PF, Paulo Gustavo Maiurino.
Na prática, o cancelamento de alvará impede a atuação no ramo da vigilância patrimonial. Foram alcançadas pelos cancelamentos Equilíbrio Sistemas de Segurança Privada, Proline Segurança Privada 24 Horas, Univig Vigilância Patrimonial e Obstar Serviços de Vigilância.
Nos relatórios da PF que embasaram os cancelamentos, as quatro penalizadas são apontadas como integrantes de um mesmo conglomerado empresarial, conhecido como Grupo Job, embora seus proprietários aparentemente não tenham relações entre si. A organização foi alvo de reportagem do Grupo de Investigação da RBS (GDI) em 2019.
Conforme as alegações da PF, que recebeu o compartilhamento de provas da Polícia Civil, as envolvidas atuavam para fraudar o caráter competitivo de licitações com supostas combinações de preços e lances em pregões eletrônicos que eram feitos a partir de máquinas com os mesmos endereços de IP.
Depois, as empresas supostamente negligenciavam a execução dos serviços e, em alguns casos, deixavam trabalhadores contratados para a função de vigilante sem receber pagamentos a que tinham direito. Os relatórios da PF citam que o grupo econômico é alvo de cerca de 7 mil ações trabalhistas.
Uma das ocasiões em que a suposta organização criminosa teria atuado fraudulentamente foi na licitação para os serviços de vigilância privada, bilheteria e limpeza na Expointer 2019. Em maio de 2021, as suspeitas foram alvo da Operação Union, liderada pela Polícia Civil e deflagrada com a cooperação de outros órgãos de repressão. Na ocasião, a PF fiscalizou a sede das empresas e relatou possíveis irregularidades na documentação de armas e outros equipamentos utilizados em atividades de vigilância.
Levantamento da reportagem verificou que as quatro empresas atuam em pelo menos oito contratos com importantes órgãos estaduais e municipais, recebendo pagamentos mensais de R$ 2,1 milhões para resguardar patrimônios do setor público (veja quadro abaixo). Parte das contratantes respondeu que, devido ao cancelamento dos alvarás, está providenciando a suspensão dos contratos e posterior substituição.
É o caso da Centrais de Abastecimento do Rio Grande do Sul (Ceasa) e da Companhia de Processamento de Dados de Porto Alegre (Procempa), que já finalizou o procedimento de troca. Outras informaram que estão analisando a situação do ponto de vista jurídico, caso do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae).
A Obstar, a Univig e a Equilíbrio obtiveram decisões liminares da Justiça Federal para suspender os efeitos da penalidade administrativa da PF, que tem atribuição de fiscalizar as organizações de vigilância privada. Isso significa que, até o julgamento de mérito, as três empresas podem seguir atuando.
Representantes e advogados das suspeitas negam as irregularidades, asseguram ter atuação regular e afirmam que buscarão na Justiça Federal o direito de continuar em operação. As penalizadas ainda reclamam por supostamente não terem tido a oportunidade de exercer plena defesa até o momento (veja contrapontos na íntegra ao final).
Impacto no setor
O cancelamento dos alvarás causa preocupação nas entidades de classe da segurança privada, tanto entre representantes dos trabalhadores quanto dos empresários. Presidente do Sindicato dos Empregados de Empresas de Segurança e Vigilância do Estado do Rio Grande do Sul (SindiVigilantes do Sul), Loreni Dias diz que a entidade já tem ações judiciais preparadas para ingressar contra o Estado e o município de Porto Alegre em caso de as suspeitas fecharem e deixarem dívidas com os trabalhadores. A legislação permite que os contratantes de terceirizadas sejam acionados para quitar eventuais passivos trabalhistas.
— É uma insegurança enorme. Alguma coisa sai errado nas licitações. Os empresários que pagam tudo direitinho não têm chance de entrar nesse mercado. Vem outros e entram (na licitação) com o preço lá embaixo, uma situação que já sabemos que não vai durar — lamenta Dias.
A mesma preocupação é partilhada por Silvio Renato Medeiros Pires, presidente do Sindicato das Empresas de Segurança Privada do Estado do Rio Grande do Sul (Sindesp-RS). Ele alerta para o fato de que empresas vencem concorrências públicas com valores de contrato que, depois, revelam-se insuficientes para quitar salários dos vigilantes e outras obrigações. Isso afasta tradicionais marcas da segurança privada das licitações.
— É um grande problema. Na ânsia de contratar pelo menor preço, acabam contratando mal e passa a ser o pior preço. Todo o passivo trabalhista fica com o contratante, que é responsabilizado depois. Há empresas que ficam um ano ali, pegam o que podem de dinheiro, e depois deixam o mercado — diz Pires.
Especificamente sobre o cancelamento de alvará de quatro CNPJs do nicho da vigilância, ela avalia como ações positivas em caso de ter ficado demonstrado o descumprimento da legislação.
— É muito bom que a PF se preocupe em filtrar. Isso cria um ambiente muito ruim para o segmento. Há empresas que não tem compromisso com o pagamento de empregados, encargos sociais e impostos — afirma Pires.
O que dizem os órgãos públicos que possuem contratos vigentes com as empresas que sofreram os cancelamentos punitivos das suas atividades:
Instituto-Geral de Perícias (IGP) tem contrato com a Proline
"O contrato do Instituto-Geral de Perícias com a empresa Proline Segurança Privada 24 Horas Eireli vence em 29 de outubro de 2021, podendo ser prorrogado por 48 meses. O valor mensal é de R$ 150.933,96. Por questão de segurança, não informamos o patrimônio resguardado pela empresa. O IGP está avaliando os procedimentos a serem seguidos após o cancelamento punitivo aplicado."
Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema) tem contrato com a Obstar
“A Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema) confirma que possui contrato com a empresa Obstar Serviços de Vigilância, que presta serviço de vigilância nas Unidades de Conservação, Parque Zoológico e Jardim Botânico. O prazo de vigência é até setembro de 2021. A Sema informa, ainda, que está tomando as medidas cabíveis para que essa atividade, considerada essencial, não seja prejudicada.”
Conforme informação do Portal Transparência do governo estadual, o contrato da secretaria com a Obstar tem valor mensal de R$ 683.597,46.
Centrais de Abastecimento do Rio Grande do Sul (Ceasa-RS) tem contrato com a Univig
Presidente da Ceasa-RS, Ailton dos Santos Machado informou que a central está no terceiro ano de contrato vigente com a Univig. O valor mensal pela prestação do serviço de segurança é de R$ 297.660,20. O dirigente afirmou que há possibilidade de renovação até fevereiro de 2024, mas que o contrato será “suspenso assim que for habilitada a nova prestadora”.
"Antes de a situação vir à tona, a Ceasa já havia aberto processo licitatório para segurança patrimonial. Neste momento, a Comissão de Licitação está analisando a documentação da empresa vencedora", completou.
A Univig, atualmente, faz a segurança patrimonial de todo o complexo da Ceasa-RS, em área de 42 hectares, em Porto Alegre.
Companhia de Processamento de Dados de Porto Alegre (Procempa) teve contrato com a Proline até agosto de 2021
“A Proline foi vencedora do pregão eletrônico em 2020, na gestão anterior, e assumiu em janeiro de 2021 a segurança da Procempa. Em agosto deste ano, houve publicação no Diário Oficial de cassação de autorização para a Proline atuar. A partir das orientações da Polícia Federal, a Procempa suspendeu o contrato com a empresa. A empresa recebia mensalmente o valor de R$ 55.824,99 e atuava na sede da Procempa, compreendendo acesso de funcionários, terceirizados e visitantes, segurança do Datacenter I e II e Ceic (Centro Integrado de Comando de Porto Alegre). Com a cassação da licença e a suspensão do contrato, a Procempa já convocou a segunda colocada no procedimento licitatório. Um novo contrato de prestação de serviços já foi firmado.”
Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) tem contrato com a Univig
“O Dmae possui um contrato licitado de vigilância desarmada com a Univig. O contrato está vigente desde março de 2020 até março de 2022 e prevê 27 postos de segurança atendidos pela empresa. O valor mensal executado atualmente é de R$ 414.158,24. Sem a notificação da Polícia Federal, não é possível encerrar o contrato licitado e justificar uma contratação emergencial. Desta forma, o departamento já trabalha em um novo edital de licitação que deve ser lançado até o final do ano.”
Secretaria Estadual da Cultura (Sedac) tem contrato com a Univig
Possui contrato com a Univig até o dia 2 de abril de 2022, ao custo mensal de R$ 392.739,97. Nesse contrato, a empresa é contratada para resguardar os seguintes patrimônios: Museu Julio de Castilhos, Museu da Comunicação Hipólito da Costa, Casa de Cultura Mario Quintana, Teatro de Arena, Biblioteca Pública do RS, Biblioteca Pública Romano Reif, Instituto Estadual do Livro, Memorial RS, Museu de Arte do RS (Margs), Museu Estadual do Carvão (Arroio dos Ratos), Museu Histórico Farroupilha (Piratini), Parque Histórico Bento Gonçalves (Cristal), Museu Arqueológico (Marsul/Taquara) e Museu de Arte Contemporânea do RS (MACRS).
Sobre o futuro do contrato com a empresa, após a penalização da PF, a Sedac diz: “A Univig alega que a punição foi um ato administrativo do qual está recorrendo. A Sedac está acompanhando o caso e solicitou, via ofício, que a Univig informe o resultado do recurso assim que for julgado. Caso a punição seja confirmada, o contrato será rescindido e será realizada uma nova licitação”.
Apesar das justificativas da Univig à Sedac, a punição administrativa à empresa na Polícia Federal já foi confirmada em instância recursal, com manutenção do cancelamento do alvará por decisão do diretor-geral. O que a Univig obteve foi uma decisão liminar da Justiça Federal para suspender os efeitos da punição da PF enquanto o mérito da questão não é analisado.
Secretaria Estadual da Educação (Seduc) tem contrato com a Equilíbrio
A pasta possui dois contratos vigentes com a empresa. O primeiro deles é para vigilância da sede da 27ª Coordenadoria Regional de Educação, em Canoas, ao custo mensal de R$ 17.320. O contrato estande-se até o dia 18 de setembro.
O segundo acordo tem valor mensal de R$ 132.649 e refere-se à guarda de uma escola estadual em São Leopoldo, duas em Novo Hamburgo, duas em Caxias do Sul, uma em Farroupilha e uma em Cruz Alta. O contrato vai até 5 de novembro.
“A secretaria está notificando a empresa e aguardará manifestação para definir as medidas a serem adotadas”, informou a Seduc.
Instituto de Previdência do Estado (IPE) tem contrato com a Obstar
A contratação foi assinada em outubro de 2019 e estende-se até o mesmo mês de 2021. A empresa é responsável por serviços de vigilância desarmada pelo período de 24 horas na sede da autarquia, em prédio localizado na Avenida Borges de Medeiros, em Porto Alegre. O custo mensal é de R$ 78.561,40. Diz o instituto: “O IPE Prev seguirá as orientações jurídicas da Procuradoria-Geral do Estado e instaurará procedimento com notificação à empresa para esclarecimento dos fatos, sob pena de rescisão contratual”.
Contrapontos
O que diz Marcelo Marcante, advogado da Obstar Serviços de Vigilância
“Os fatos imputados não correspondem à verdade. A empresa Obstar sempre primou pelo pagamento de todos os encargos tributários, trabalhistas e sociais, prestando seus serviços com total zelo ao erário público e de acordo com as exigências contratuais. Atualmente a empresa executa 16 contratos, tendo quase 300 funcionários, razão pela qual sua conduta não é compatível com as acusações. Tudo isso foi comprovado no mandado de segurança impetrado na Justiça Federal de Porto Alegre, que acarretou no deferimento da medida liminar de suspensão da punição dada pela Polícia Federal."
O que diz a Equilíbrio Sistemas de Segurança Privada
GZH contatou um dos representantes da empresa. Ele disse que estava aguardando o possível deferimento de liminar autorizando a manutenção da operação da Equilíbrio e que preferia manifestar-se somente após o despacho. A decisão temporária em favor da empresa saiu logo após o contato, mas o dirigente não retornou a ligação para se manifestar.
O que diz a Proline Segurança Privada 24 Horas
Contatada por GZH, a empresa não deu retorno para manifestar contraponto até o fechamento desta reportagem.
O que diz a Univig Vigilância Patrimonial
Contatada por GZH, a empresa não deu retorno para manifestar contraponto até o fechamento desta reportagem. A Univig obteve liminar judicial para seguir operando até a análise de mérito da questão.