Combater desvios de dinheiro público era o sonho do jovem Aldronei Antonio Pacheco Rodrigues quando desistiu de trabalhar no Judiciário para se juntar às fileiras da Polícia Federal (PF), nos anos 1990. Delegado, com foco em investigar crimes de colarinho branco, ele acredita que conseguiu.
Aos 51 anos, foi empossado esta semana no cargo máximo da PF no Rio Grande do Sul, o de superintendente regional. Um orgulho para um gaúcho nascido e criado no bairro Agronomia, em Porto Alegre, onde tinha por vizinhos alguns jovens que depois rumaram para o crime e hoje estão ligados a facções.
No combate a facções, aliás, Aldronei quer fortalecer parceria com a Polícia Civil, assim como também no combate à corrupção. Ele promete ainda manter o ritmo dos inquéritos, sem esquecer que o Rio Grande do Sul é um Estado fronteiriço, o que pressupõe vigilância incessante contra o contrabando de armas, cigarros e entorpecentes.
Sem entrar em polêmicas sobre políticos (alguns dos quais alvo de seus inquéritos nos últimos anos), o delegado assegura que, seja qual for o governante, a PF tem autonomia para investigar.
— A PF não foi e não será amordaçada — resume, nesta entrevista concedida a GZH um dia após tomar posse.
Por que decidiu entrar na PF?
Eu me formei em Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 1997, onde eu já trabalhava na procuradoria. Depois fui técnico judiciário no Tribunal Regional Federal da 4ª Região e, por fim, fiz concurso na PF. Entrei porque queria trabalhar contra desvios no dinheiro público. E foi o que fiz nesses últimos 15 anos, como delegado.
O senhor costuma mostrar fotos com índios no Acre. Foi sua primeira missão na PF? O senhor atuou em postos avançados de Fronteira ou só nas capitais?
Assim que entrei na PF fui designado para o Acre, que tinha só duas delegacias regionais. Atuei na capital, mas ia para tudo que é lugar. Eu me voluntariei. Queria conhecer a diversidade brasileira. Fui a muitas aldeias. Tenho fotos com indígenas da etnia Kulina, que vivem entre o Brasil e o Peru, na região de Santa Rosa do Purus. Eles não têm noção de fronteira, de territorialidade. Vão de um lado para o outro através de trilhas na mata, as varações. Têm parentes dos dois lados. Recebem rádio das autoridades federais, para uso, e levam para o outro país... Fazem também muito contrabando de entorpecentes, que trocam por cachaça e fumo em rolo. Difícil coibir esses costumes. Depois fui para o Amazonas e Roraima, onde fiquei seis meses na área ianomami e na região da reserva Raposa-Serra do Sol.
Quanto tempo o senhor ficou na Amazônia?
Cerca de um ano e meio. É mais fácil perguntar onde não estive no Brasil. Só não tive missões em Tocantins e Espírito Santo. Nos outros Estados eu atuei ou fui enviado em missão.
O senhor diz que entrou na Polícia Federal para combater a corrupção. Como reforçar esse trabalho?
Vamos incrementar. Manter intercâmbio de informações com a Polícia Civil, tentar ter operações conjuntas, é nosso propósito. Temos ótima relação com a Polícia Civil, a doutora Nadine (delegada Nadine Anflor, chefe da Polícia Civil) é excelente, e o pessoal dela também. A PC reforçou trabalho na lavagem de dinheiro, mudou bastante a natureza do trabalho nesse sentido. Temos procurado a Polícia Civil, que também nos procura, estamos estreitando relações. É da nossa natureza integrativa com todos os órgãos. O serviço público é uno, tem as divisões de atribuições e competências, mas a prestação do serviço é uma só.
Como o senhor define a Lava-Jato?
Lava-Jato é operação pioneira, em alguns sentidos. Ela trouxe em primeira página o que o Brasil já sabia de notas de rodapé, que havia grandes esquemas de corrupção e que nunca se avançava para o andar de cima. E a Lava-Jato fez.
Pós Lava-Jato, qual é o desafio no enfrentamento à corrupção?
Temos que elaborar um modelo, pensar outras formas de trabalhar. Talvez não centrar as investigações em certos canais, pulverizar mais. Os desafios se mostram na medida em que a Lava-Jato fez com que corruptos e corruptores tenham hoje mais cautela em suas práticas. De nossa parte, cabe melhorar trabalhos de inteligência e treinamento, nos aprimorarmos, sempre visando condenação. E tem a função pedagógica. A Lava-Jato foi um grande laboratório.
O senhor atuou em alguns dos inquéritos que envolvem políticos.
Sim, sou oriundo da Delegacia de Repressão à Corrupção e Crimes Financeiros. Sempre trabalhamos com inquéritos pesados, envolvendo políticos.
Como o senhor avalia a proposta da Direção-Geral da PF de que inquéritos envolvendo autoridades passem por uma espécie de crivo do órgão central, da chefia?
Isso é novo e estamos vendo como trabalhar isso. Mas as investigações seguem, talvez um passo mais burocratizado e um pouco mais de dificuldades. Mas não vai obstar o trabalho técnico, bem fundamentado e aprofundado que fazemos.
Delegados podem ser impedidos de investigar determinadas pessoas e assuntos?
Na verdade, se vai reportar. Mas ninguém vai ser impedido de investigar. Pelo contrário, é dever investigar. Não tem como, estaríamos prevaricando. Na Polícia Federal, com toda expertise e quadro seleto que se tem, é impossível qualquer tentativa de fazer com que não se investigue pessoas ou fatos. É inevitável que se investigue e vai seguir ocorrendo. De nossa parte, vamos fortalecer o máximo e dotar de meios para que se possa levar a efeito essas investigações de vulto, de interesse público, de grande volume e envolvendo políticos.
Na PF, com toda expertise e quadro seleto que se tem, é impossível qualquer tentativa de fazer com que não se investigue pessoas ou fatos.
ALDRONEI ANTÔNIO PACHECO RODRIGUES
superintendente regional no RS
Não tem PF amordaçada?
A PF não será amordaçada. Isso a sociedade tem que entender, não tem como amordaçar a Polícia Federal. As reações a qualquer possibilidade disso vão ser mais empenho dos colegas, mais dedicação, mais esforço, trabalho e resultados. A PF é uma instituição que não pode ter sua atividade contida. Conhecemos muita gente, especialmente no RS, todos imbuídos na função. Isso é mais que um simples emprego ou cargo público. O policial federal introjetou o seu papel de agente de mudança social e de prestador de serviço essencial à população. Está introjetado em cada um de nós e vamos cada vez mais incrementar nossas ações.
Algumas pessoas acham que a PF, na gestão de Jair Bolsonaro, atua mais no combate ao tráfico do que em casos de colarinho branco.
Acho que é impressão. O crime tem sazonalidade. Por vezes quem observa de fora seleciona um determinado período em que um tipo de crime é mais combatido, mas na realidade sempre a PF faz de tudo.
A PF no Rio Grande do Sul liderou o ranking de eficiência de 2020, dentre todas superintendências do país. Porto Alegre é a capital com maior número de operações especiais, e os policiais gaúchos contabilizam o maior número de pessoas resgatadas, entre outros indicadores. Como manter essa performance?
É um dos desafios. Os dados são bons, o doutor Dornelles (José Dornelles, delegado que antecedeu Aldronei como superintendente) e equipe deixaram a máquina ajustada, com condições boas. Temos esse grande desafio, que é manter e melhorar. Foi surpresa para uma superintendência de porte médio, existem outras muito maiores. Nosso diferencial aqui é o material humano. A despeito dos problemas que temos, que outros Estados não têm, que são sete delegacias de fronteira, postos de fronteira, que nos tomam muito da força de trabalho, a nossa capacidade de trabalho é grande.
Como deve ser sua gestão?
Nessa ilha de excelência que é a PF do Rio Grande do Sul, as coisas fluem muito bem. A gente tem que ser facilitador para que as coisas possam tomar o rumo devido e produzam resultados. Uma das metas é um novo prédio para a superintendência em Porto Alegre. É difícil, a ideia é uma área próxima à Justiça, precisamos de ajuda de outros poderes, de verba (são R$ 60 milhões). A vantagem de ter sempre atuado na ponta é que a gente sabe exatamente o que os colegas precisam para a finalização dos trabalhos. E isso é uma quebra de paradigma, pois, normalmente, quem está na ponta não chega na gestão. A gente sabe o que vai faltar para os colegas e o que é crucial para chegar no objetivo mais aprimorado e eficaz. Isso é o diferencial, uma gestão de quem viveu o cotidiano da parte finalística da polícia.