Jovem, alegre e risonha, Daiane Griá Sales viveu suas últimas horas de vida em 31 de julho. A caingangue, de 14 anos, morava em Redentora, na região noroeste, dentro da maior reserva indígena do Rio Grande do Sul, a Guarita, quase na fronteira com a Argentina.
A adolescente desapareceu naquela noite, após participar de várias festas — ou "sons", como são chamadas reuniões dançantes naquela área, feitas a partir de encontros de veículos com alto-falantes ligados. O corpo dela foi encontrado quatro dias depois, parcialmente despido e com a virilha dilacerada.
A confirmação da morte chocou a comunidade, onde vivem mais de 8 mil caingangues e algumas centenas de guaranis. A perícia indica que os ferimentos teriam sido causados por animais.
Próximo ao corpo foi encontrado um pedaço de corda, que pode ter sido utilizado para asfixiar a garota. Algumas marcas no pescoço levam a essa suposição. Há indícios também de abuso sexual, já que a blusa dela estava levantada até o pescoço, deixando o busto à mostra. A jovem estava deitada, seminua, numa trilha de mata ao lado de uma estrada de chão batido que margeia a reserva.
O caso virou prioridade para a Polícia Civil, que colheu mais de uma dezena de depoimentos e identificou alguns dos que teriam visto Daiane em seus últimos momentos de vida. Pelo menos oito homens foram identificados a partir de relatos. Contra dois deles pesam indícios de crime. Eles foram chamados a prestar depoimento, caíram em contradições e tiveram sua prisão temporária decretada pela Justiça, a pedido dos policiais.
O delegado Vilmar Schaeffer não adianta nomes dos presos. O promotor de Justiça Miguel Germano Podanosche, que acompanha o caso, confirma que há indícios de "possível estupro seguido de homicídio, praticado por homens não-indígenas". Teria ocorrido também fornecimento de álcool e drogas a menores de idade, nas festas investigadas.
O corpo de Daiane foi encontrado no sítio Ferraz, a cerca de cem metros da área indígena. Não foi possível determinar se houve abuso sexual, embora uma peça íntima estivesse próxima ao cadáver. O capim no local estava bastante amassado, o que pode indicar que ela teria sido obrigada a deitar. Havia também marcas de rodas de carro.
Inquérito
O inquérito está em segredo de Justiça a pedido dos policiais, que temem fuga de suspeitos. GZH descobriu que os presos são são de etnia branca, um deles moreno, de 21 anos, e o outro loiro, 33 anos. O mais jovem sempre residiu entre Redentora e Tenente Portela, próximo à área indígena. O outro já morou em grandes cidades gaúchas, mas retornou a Redentora há poucos anos.
O rapaz de 21 anos admite que conversou com Daiane, mas que não viu que direção ela tomou após uma das festas. Acontece que uma roupa encontrada no local onde estava o corpo foi reconhecida como sendo deste rapaz. A reportagem ouviu o advogado Amauri Pissinin, que acompanhou esse suspeito nas três versões apresentadas para o fato — uma antes de ser preso, as outras duas após a prisão. Pissinin já largou o caso, mas não detalha o motivo.
Contra o outro suspeito preso existe, além do fato de ter sido visto na festa onde estava Daiane, a desconfiança de que teria transportado o corpo da jovem no veículo de um familiar. O carro foi periciado e, nele, encontrados sinais de sangue. É aguardado exame de DNA para verificar se é compatível com o da jovem caingangue.
Esse homem não mudou sua versão e declarou três vezes que ele e amigos carnearam um porco naquele fim de semana e o transportaram, o que justificaria o sangue no automóvel. O defensor dele é o advogado Lauro Brum, que declara não ter motivos até agora para desconfiar da versão do seu cliente.
Defensores das causas indígenas chegaram a realizar reuniões, temerosos de que Daiane tenha sido morta num crime de racismo, por ser caingangue. Mas as investigações policiais não indicam isso, até porque entre os nomes ventilados como possíveis participantes do crime — e que estavam na derradeira festa frequentada pela adolescente — estão o de alguns indígenas. Contra eles não há provas, só relatos não comprovados.
O cacique caingangue da Guarita, Carlinhos Alfaiate, assegurou à reportagem:
— Se tiver gente nossa envolvida, vai pagar. Uma judiaria o que fizeram com essa menina.
A família de Daiane é representada por um advogado, Bira Teixeira, que ressalta: ela era defensora das causas indígenas, bem relacionada e com planos de fazer faculdade.
— O tempo vai dizer se foi morta porque era índia, por ser mulher ou, quem sabe, por ambos os fatores. Mas foi barbarizada e isso tem de ser esclarecido — conclui Teixeira.