Sob forte aparato de segurança interna, mas sem provocar a curiosidade do público, ocorreu ao longo de cinco horas e meia a primeira noite de reconstituição da morte de João Alberto Freitas no Carrefour do bairro Passo D'Areia, na zona norte de Porto Alegre. No local, Freitas foi espancado e morto em 19 de novembro do ano passado.
A reprodução simulada dos fatos, termo técnico usado para definir esse tipo de perícia, só teve início, dentro do supermercado, após seis horas de entrevistas das oito testemunhas no Palácio da Polícia. As oitivas ocorreram entre o começo e o fim da noite de terça-feira (10).
Na primeira noite, apenas o grupo de testemunhas foi ouvido — exceto Milena Alves, viúva de João Alberto, que optou por não ir. Na quinta-feira (12), será a vez dos seis réus pelo crime darem suas versões.
Dentro do supermercado, o grupo — funcionários do mercado e pessoas que filmaram a vítima sendo agredida — refez o relato dado a peritos e policiais. Nenhuma das testemunhas teve contato entre si para não contaminar suas falas. Os participantes foram transportados do Palácio da Polícia, no bairro Azenha, até o Carrefour em veículos separados e mantidos em ambientes diferentes dentro do estabelecimento ao longo da reconstituição.
Pouco antes da meia-noite, um comboio de 16 carros com testemunhas, peritos do Instituto-Geral de Perícias (IGP), Polícia Civil e advogados chegou ao supermercado. Dois peritos particulares levados pela defesa do ex-PM Giovane Gaspar da Silva também acompanharam os trabalhos — um deles é Cleber Muller, diretor do IGP entre 2015 e 2017, e o outro é o médico legista Antônio Nunes, do Piauí.
No começo dos trabalhos, à 0h20min, a pista da Avenida Plínio Brasil Milano, no sentido Centro-bairro, chegou a ser fechada para que o ruído do trânsito não atrapalhasse a gravação da perícia. O quase inexistente fluxo de veículos da madrugada logo fez a interrupção perder o sentido.
Viaturas da Força Tática e do 11º Batalhão de Polícia Militar (BPM) ficaram posicionadas em três das vias que circundam o supermercado, mas o procedimento não provocou manifestações.
Toda dinâmica foi registrada por fotógrafos criminalísticos. Ao narrar sua versão, a testemunha dirige a cena, que é interpretada por policiais e sabatinada por peritos e pela delegada Roberta Bertholdo, titular da 2ª Delegacia de Homicídios da Capital e responsável pelo inquérito policial. Os advogados de defesa que acompanharam a perícia não puderam fazer perguntas. Todos os presentes assinaram termo de confidencialidade para não vazar informações.
Um policial representou João Alberto dentro do supermercado e um boneco fez as vezes da vítima deitada no estacionamento. Uma ampla lona azul isolou o local onde o homem foi espancado e veio a falecer há quase nove meses.
Da calçada da Avenida Plínio Brasil Milano sequer se viam as sombras e os reflexos dos participantes — era visível apenas a silhueta dos carrinhos de supermercado que ajudavam a fixar a barreira de plástico. Por volta das 2h45min, a reportagem de GZH ouviu fragmentos do relato de uma testemunha mulher que contava ter filmado as agressões.
— Fiquei com medo e parei de filmar — disse ela, enquanto respondia perguntas da delegada Roberta e relatava como o corpo da vítima estava disposto no chão.
Na época do inquérito policial, a reconstituição não foi solicitada pois a Polícia Civil entendeu que toda dinâmica do crime estava suficientemente coberta por imagens — sejam das câmeras de segurança do supermercado ou de testemunhas que gravaram as agressões. No final do procedimento desta quarta, a delegada disse que a primeira noite de reconstituição não trouxe nenhum fato novo à investigação.
O laudo do IGP aponta que a causa da morte de João Alberto foi asfixia. Segundo contagem da Polícia Civil, as agressões a ele duraram cinco minutos. O pedido pela reconstituição partiu da defesa do ex-PM Giovane Gaspar da Silva, um dos seguranças que conteve e agrediu a vítima.
— Entendemos que esse é o momento mais tranquilo para se fazer a prova técnica. Nosso cliente não teve responsabilidade pela morte no sentido da causalidade. Ele agiu tentando conter a vítima. A causa não necessariamente foi pelo ato do meu cliente. Queremos esclarecer qual a relevância da ação dele. Especialmente alguns detalhes, como onde estava o joelho de um, a mão de outro. Esses fatos são extremamente relevantes do que eles podem ou não ter causado asfixia — afirma David Leal, o defensor do ex-PM.
A reconstituição irá resultar em um laudo, onde o perito irá analisar as versões relatadas, verificando quais são factíveis, levando em conta elementos técnicos da análise pericial. Neste documento, que não tem prazo exato para conclusão, são respondidos quesitos técnicos que podem ter sido formulados pelo solicitante, no caso, a defesa, e pela acusação.
À frente do processo criminal da morte de João Alberto, a juíza Lourdes Helena Pacheco da Silva, da 2ª Vara do Júri da Capital, marcou a primeira audiência da ação para o próximo dia 18. Dos seis acusados, dois estão detidos, um está em prisão domiciliar e os demais respondem em liberdade.