A tentativa de resgate de um preso com tiroteio em Venâncio Aires e uma ação criminosa que obteve êxito na fuga de um detento em Caxias do Sul e resultou na morte de um agente penitenciário — ambas no intervalo de duas semanas, entre o final de maio e o começo de junho — acentuaram a preocupação do Estado em providenciar alternativas que controlem a comunicação nas cadeias gaúchas. No cargo há quase três meses, o secretário de Justiça, Sistema Penal e Socioeducativo, Mauro Hauschild, reconhece que o uso de celulares dentro do sistema prisional ainda é fator de organização dos crimes que acontecem fora das grades.
No começo de 2020, o Estado trabalhava com a possibilidade de instalar oito bloqueadores de celular em cadeias gaúchas. A ideia, não colocada em prática no período, começa a ser substituída por uma tecnologia mais avançada: um sistema que permite a identificação do aparelho celular pelo Imei — número de série do equipamento, semelhante ao chassi de veículos — dentro do próprio sistema prisional.
O serviço foi ofertado por uma empresa espanhola e permite a gravação de ligações e acesso a dados de mensagens. Também possui radar anti-drone, equipamento usado com frequência para arremesso de smartphones e drogas.
— Quase todos os dias temos flagrado drones. Temos abatido alguns com nosso armamento, mas a própria tecnologia do equipamento permite voo muito alto e que, a olho nu, o agente na torre de segurança, não consegue visualizar. Com esse serviço, iria inibir o voo — afirma Hauschild.
A empresa procurou o Estado, apresentou a proposta e há três semanas fez uma prova de conceito em Charqueadas, acompanhada por outras duas secretarias estaduais, entre elas a de Santa Catarina, também interessadas no serviço. Durante o dia de testes, que contou com a presença de servidores das áreas de tecnologia e de inteligência, se verificou que o sistema, por meio de várias torres instaladas em pontos estratégicos, guia com precisão de até um metro a localização de um celular. Há opção de permitir, com autorização judicial, a gravação de ligações para captar informações, elucidar crimes ou mesmo impedir que aconteçam. E também prevê o bloqueio da linha, como se a tecnologia cumprisse o papel de uma operadora de celular.
O controle humano é relevante, mas não é suficiente. A tecnologia é a melhor saída para um controle definitivo dentro do sistema.
MAURO HAUSCHILD
Secretário de Justiça, Sistema Penal e Socioeducativo
— Todo o serviço de telefonia dentro do sistema passaria a ser monitorado por nós. A tecnologia se mostrou muito mais eficiente que os bloqueadores de celulares convencionais que eu já conhecia — avalia o secretário gaúcho.
Além de permitir o bloqueio, é possível fazer o cadastro prévio de aparelhos de servidores ou número institucionais. Todo telefone cadastrado aparece na cor verde, já os Imeis não cadastrados, surgem na cor vermelha.
— Conseguimos saber quais celulares que estão ali e não deveriam estar, identificá-lo e extraí-lo na cela. Na simulação, nossos celulares e os de todos os servidores foram identificados. E uma ligação foi gravada na hora, conseguimos escutar nossa própria ligação telefônica.
Atraído pela novidade, o Estado está em tratativa para contratação do serviço. Se houver comprovação de que a empresa espanhola detém a exclusividade da tecnologia, a compra poderá ser feita por dispensa de licitação. Caso contrário, seriam necessários ao menos 180 dias para os trâmites legais da concorrência. A empresa também solicita 120 dias para instalar os equipamentos.
Por enquanto, ainda hão há orçamento definitivo do serviço. A depender dos valores, a intenção é instalar o serviço nas 12 unidades com maior número de presos e onde estão aqueles que pertencem a organizações criminosas e, por isso, representam maior periculosidade.
— Elegemos 12 prioridades, mas aí é uma questão orçamentária. Estamos começando as tratativas de negociação e discutindo mais detalhes, formas de contratação. Nem levamos à PGR (Procuradoria-Geral do Estado), estamos no campo técnico — comenta Hauschild.
Em junho, por meio de uma chamada de vídeo, de dentro da Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc), o líder de um grupo criminoso deu ordens de como dois assaltantes deveriam torturar, aterrorizar e extorquir uma família de Viamão durante assalto. O criminoso foi um dos cinco alvos de operação da Polícia Civil em 6 de julho. Episódios como esse demonstram a necessidade de investir em mais tecnologia, aponta Hauschild.
— O controle humano é relevante, mas não é suficiente. A tecnologia é a melhor saída para um controle definitivo dentro do sistema.
Os scanners, que permitem identificar presença de aparelhos nos objetos trazidos pelas visitas, estão sendo recebidos via Departamento Penitenciário Nacional (Depen), e há expectativa de que novos equipamentos cheguem ao Estado. Junto com o bloqueio de sinal, são alternativas para reduzir a comunicação de presos nas cadeias e dissipar sua influência externa, como acontece de forma efetiva após a transferência de presos para penitenciárias federais — atualmente, são 47 apenados fora do RS, sete deles enviados na última semana.
— É importante investir na porta de entrada, com o scanner, mas também melhorar o mecanismo para inibir comunicação, como ainda não se conseguiu fechar a porta 100%. Tem que ter uma redundância de tecnologia — diz o secretário.