Novos depoimentos e a coleta de imagens ajudam a Polícia Civil a refazer o trajeto do policial militar na madrugada de domingo (13) até o desfecho de um desentendimento que acabou em uma chacina. Quatro homens da mesma família foram mortos pelo soldado de 25 anos em uma pizzaria da zona norte de Porto Alegre.
O PM foi ouvido na terça-feira (15) pela segunda vez e contou que entrou na casa dos Lucena, no Morro Santana, por volta das 5h de domingo, por acreditar que sua ex-namorada estava na confraternização. Naquele momento, a família comemorava um aniversário.
Foi nesta residência que começou a discussão entre o PM e a família que resultou na morte, em uma pizzaria próxima dali, dos irmãos Cristiano Lucena Terra, 38 anos, e Christian Lucena Terra, 33 anos, o sobrinho deles, Alexsander Terra Moraes, 26 anos, e o primo Alisson Corrêa Silva, 28 anos. Nenhum deles tem antecedentes criminais.
A polícia recebeu imagens que mostram que, horas antes dele se deslocar até o Morro Santana, o PM estava em uma boate em Alvorada, na Região Metropolitana, consumindo bebida alcoólica. A defesa afirma que o soldado bebeu apenas refrigerante com energético.
— O simples fato do policial fazer ingestão de bebida alcoólica não é crime. A lei vai tipificar um eventual excesso, eventual abuso que ele venha a cometer usando arma de fogo. Apenas a ingestão de bebida com arma, não é crime. Isso, por si só, não tem capacidade de afastar a tese de legítima defesa. Mas ainda não temos convicção formada sobre o que aconteceu — afirma o titular da 5ª Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), delegado Gabriel Lourenço.
O soldado alega que foi levado de carro por amigos até rua da casa da família Lucena pois queria encontrar a ex-namorada. Como, segundo ele, a melhor amiga da ex mora naquela via, acreditou que ambas estariam juntas.
Ele chegou na localidade, ouviu som alto, algumas pessoas dançando e imaginou que aquelas mulheres pudessem estar ali. E, por isso, resolveu entrar nessa festa. Ele disse que imaginou que elas pudessem estar naquela festa.
GABRIEL LOURENÇO
Titular da 5ª Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa
— Ele chegou na localidade, ouviu som alto, algumas pessoas dançando e imaginou que aquelas mulheres pudessem estar ali. E, por isso, resolveu entrar nessa festa. Ele disse que imaginou que elas pudessem estar naquela festa. Essa é a versão apresentada por ele. Vamos ouvir a ex-namorada e a amiga da ex, para verificar se de fato morava ali — afirma o delegado.
À frente da defesa do soldado, o advogado David Leal confirma que o PM estava na festa e que procurou pela ex-namorada e sua amiga após sair da boate:
— Ele se separou dela há dois meses. Ele estava na festa, não se interessou por ninguém e lembrou da ex. Era Dia dos Namorados, ele queria achar a amiga para tentar encontrá-la. Ambas estavam sempre juntas.
A ex-namorada e a melhor amiga darão depoimento até o final desta semana, assim como os amigos que estavam com o soldado na boate. A família Lucena conta que o PM cruzou três portões até entrar dentro da residência. Não bateu palma, não chamou por ninguém e nem pediu licença. Mandou baixar o som e deu três tapas nas costas de uma das mulheres que estavam na casa.
— Estávamos ouvindo música, dançando e ele simplesmente invade a nossa casa. Nenhuma pessoa em sã consciência faz isso. Ninguém tinha reclamado do som. Nossa família mora há 50 anos no mesmo endereço, todos nos conhecem — afirma a viúva de Christian, Eliane Coimbra, 34 anos, que aparece nas imagens da pizzaria junto com os quatro homens.
Tanto a família quanto o PM, confirmam que ele entrou e pediu para baixar a música. O soldado nega que tenha dado os tapas. Na análise do delegado, a versão do tapa não afasta eventual tese de legítima defesa:
Não foi um tiro para conter, ele atirou para matar. Meu filho estava no oitavo semestre de Contabilidade, seria o primeiro da família a se formar em universidade. Ele acabou com o sonho do meu filho, destruiu nossa família. Não somos marginais. Ele entrou na nossa casa sem nem sequer se apresentar.
MARLICE CORRÊA
Mãe do Alisson
— O relato do tapa só foi trazido para a delegacia ontem (terça-feira). Era necessário que, por lesão corporal, ela ter procurado a polícia imediatamente e solicitado exame de corpo delito. É claro que a gente analisa todo o contexto em que a ação se desenvolveu, mas isso não tem grande relevância — explica o delegado.
Leal afirma que seu cliente disse que era policial quando estava na casa. Já a família afirma que apenas na pizzaria o homem teria dito que era brigadiano. O PM correu da casa e se escondeu dentro de uma pizzaria delivery, na Avenida Manoel Elias, e o grupo foi atrás.
A viúva de Christian relata que eles foram atrás do PM para tirar satisfações de sua conduta, não para agredi-lo. Christian, que aparece de touca laranja no vídeo, chega na pizzaria e visualiza que o PM está dentro do banheiro. As imagens mostram que ele para no corredor em frente a porta e abre os braços para os demais familiares não passarem por ele. Alexsander, no entanto, furou esse bloqueio e foi em direção ao soldado dentro do banheiro. Logo depois, foi alvejado. Os outros três homens foram mortos na sequência.
— Não foi um tiro para conter, ele atirou para matar. Meu filho estava no oitavo semestre de Contabilidade, seria o primeiro da família a se formar em universidade. Ele acabou com o sonho do meu filho, destruiu nossa família. Não somos marginais. Ele entrou na nossa casa sem nem sequer se apresentar — diz Marlice Corrêa, 46 anos, mãe do Alisson.
A polícia também aguarda a chegada dos laudos do Instituto-Geral de Perícias (IGP) para verificar a posição dos tiros nos corpos das vítimas. A investigação vai avaliar se o policial cometeu excessos ao matar quatro pessoas em sequência. Os disparos foram dados com pistola .40.
— Analisamos as hipóteses de legítima defesa ou possível excesso na legítima defesa. Se poderia ter parado de atirar e não parou. No primeiro disparo, a atitude natural é que todo grupo corresse, o que a gente vê nas imagens é que as mulheres correm e homens não correm. Se ele quisesse disparar, poderia ter disparado na própria festa. Ele não fez, ele busca evitar. Correu e se escondeu — afirma o delegado.
Contraponto
David Leal, advogado do PM, enviou nota com sua versão sobre a sequência dos fatos que levaram as quatro mortes no domingo:
"Meu cliente (PM) tentou dizer que estava atrás da amiga da ex-namorada na casa, que estava com um som alto e com os portões abertos, dando a entender que seria uma festa. Ao verem o PM dentro da residência, as pessoas que estavam na festa abordaram ele de forma muito hostil, todos embriagados e alterados. Ele não havia bebido.
O PM tentou dizer que era policial e que morava perto, pedindo que não fizessem tanto barulho, mas logo começaram a intimida-lo e o cercaram. Ele disse que não fizessem tanto barulho. Vendo que todos estavam totalmente intransigentes e que iriam agir de forma violenta, o PM saiu correndo. Saiu da rua, correu pelo beco, atravessou a avenida e entrou na pizzaria, pedindo para o proprietário para se esconder no estabelecimento.
Quando correu para dentro do banheiro, deixou a porta entreaberta para manter o campo de visão. Eles invadiram a pizzaria sem autorização do dono. O PM então avisa para irem embora e eles correm para matá-lo. Ele então avisa para se afastarem. Não se afastam.
Quando vão com pontapés e socos para arrombar a porta o banheiro, o PM ainda avisa para se afastarem e que atiraria. Eles avançam ameaçando e em maior número. Então, empurra com o braço o primeiro. Não adianta. Eles partem para cima. Então, o PM dá o primeiro disparo, não havendo mais alternativas, pois ele estava encurralado no banheiro. Em vez de fugirem, todos partem mais agressivos para cima do PM encurralado. Ele então dispara contra os demais, não lhe restando qualquer alternativa.
Não houve qualquer excesso, pois ele não fez nada contra as mulheres e manteve o controle o tempo todo. As imagem explicam tudo e falam por si. O PM usou de todos meios necessários para evitar o mal maior, mas nada adiantou e se eles entrassem em luta corporal, pegariam a arma do PM e o matariam. A conduta foi justificada".