O que era para ser um fechamento de rotina após uma movimentada noite de trabalho graças ao Dia dos Namorados se transformou no cenário de uma chacina em uma pizzaria delivery da zona norte de Porto Alegre. Uma briga que teve início fora do estabelecimento, localizado na Avenida Manoel Elias, no bairro Mário Quintana, teve um desfecho trágico no local no final da madrugada de domingo (13). Quatro homens foram mortos a tiros por um policial militar. O PM admitiu a autoria dos disparos, apresentou-se à polícia, entregou a arma e alegou que agiu em legítima defesa. A 5ª Delegacia de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP) investiga o caso e a Brigada Militar abriu Inquérito Policial Militar (IPM) para averiguar a conduta do policial.
O que motivou o desentendimento, que começou em uma casa próxima dali durante uma festa familiar, até agora não está claro para o proprietário da pizzaria, que diz não conhecer nenhum dos envolvidos. O homem de 35 anos, que desde meados de 2020 assumiu o comando do estabelecimento, conversou com GZH na condição de anonimato.
O local de 33 metros quadrados mantém uma operação modesta de entrega de pizza. Por volta das 5h de domingo, as luzes permaneciam acesas pois ele e o pizzaiolo faziam a limpeza do local. Naquela madrugada, a quantidade de pedidos foi tanta que a última entrega ocorreu às 2h30min – mais de duas horas além do horário limite. Ao encerrar o atendimento externo, fecharam o caixa, organizaram o estoque e arrumavam o local para a operação do dia seguinte. Instantes antes de baixarem as portas, o PM à paisana surge, ofegante, pedindo refúgio na pizzaria. O policial puxou a porta de vidro e o barulho chamou a atenção do dono.
— Não é comum estarmos ali naquele horário, mas aconteceu devido ao Dia dos Namorados. Fui ver o que estava acontecendo. Abordei ele na porta, acabei deixando ele entrar. Fiquei numa situação esquisita, era uma pessoa estranha e eu não sabia o que tinha acontecido. Ele entrou dizendo que tinham caras que queriam pegá-lo. Entrou aqui e foi para o banheiro. Estava tentando contato com alguém para resgatá-lo. Nós ficamos em frente à pizzaria porque se tinha gente atrás dele, tínhamos de ficar em alerta.
Antes mesmo de ouvir a porta do banheiro batendo, o dono visualizou quatro homens atravessando a Manoel Elias, caminhando em sua direção. Perguntaram se ele havia visto um homem correndo. Respondeu que não. O grupo retornou para o outro lado da calçada. O proprietário e o pizzaiolo permaneceram em frente à loja até perderem os quatro de vista. Ao entrar, o PM seguia escondido no banheiro.
— Não sabíamos que ele era policial, ele saiu do banheiro com a arma em punho, aí ele se identificou, mostrou a carteira funcional e avisei que o grupo havia dito que iria procurá-lo. Ele alegou que tinha solicitado para esse pessoal que baixasse o som de uma festa familiar.
Assim como o brigadiano estava com medo, eu também senti medo. Mas ele levou a uma situação de risco duas pessoas que não tinham nada a ver com aquela situação, ele trouxe risco para minha vida e a do pizzaiolo. Minha pizzaria passará a ser citada como um local onde aconteceram quatro homicídios.
DONO DA PIZZARIA
Prefere não se identificar
O PM então pediu o celular emprestado e permaneceu na recepção. Tentou contato com alguém que pudesse tirá-lo dali. Não daria tempo. O proprietário enxergou um Gol saindo em alta velocidade da mesma rua onde o grupo havia entrado. A tensão aumentou.
— Nitidamente percebi que eram as mesmas pessoas, que estavam voltando.
Sem entender o que estava acontecendo e o desfecho que aquela situação teria, temeu que o grupo estivesse armado. Correu junto com o pizzaiolo pela lateral do estabelecimento até que o veículo o abordou. Seis pessoas desceram, quatro homens e duas mulheres. Dois deles, vieram em sua direção e o abordaram de forma ríspida. Não visualizou arma com nenhum deles.
— Os demais entraram na pizzaria e gritaram: ele está aqui. Pararam de falar comigo e foram todos para a pizzaria. Entraram gritando e o PM respondeu no mesmo tom de voz. Ele disse que era brigadiano e foi uma confusão.
O proprietário e o pizzaiolo tentaram fugir da cena. Correram em direção ao posto policial da Brigada Militar no cruzamento da Avenida Protásio Alves com a Manoel Elias. Não haviam percorrido 10 metros quando ouviram os disparos.
— Achei que aconteceria algo feio com certeza e que para se defender, se fosse preciso, o PM iria atirar. Achei que eles pudessem ter atirado no PM primeiro, mas não foi o que aconteceu. Nunca tinha visto aquelas pessoas. Todos sabiam o que estavam fazendo. Ninguém estava fora de si, embora extremamente alterados. Assim como o brigadiano estava com medo, eu também senti medo. Mas ele levou a uma situação de risco duas pessoas que não tinham nada a ver com aquela situação, ele trouxe risco para minha vida e a do pizzaiolo. Agora me pergunto, por que ele não ligou para o 190? Tivemos grandes prejuízos e creio que teremos no futuro também. Minha pizzaria passará a ser citada como um local onde aconteceram quatro homicídios. Foi uma infelicidade muito grande.
Ao chegar no posto da BM, a equipe de plantão já havia recebido o pedido de apoio do colega por rádio e estava em deslocamento para a pizzaria. Quando retornaram, a área já estava isolada, com quatro mortos no banheiro. As duas mulheres recuaram quando ouviram os tiros e não se feririam.
— Tive medo de morrer. Tive dúvida se ele era mesmo policial, pois chegou ofegante e relatou coisas que não são comuns na rotina de um PM. Um cara no meio da comunidade, armado. Acessou uma residência pedindo que fizessem menos barulho. Quando o PM entrou, já tive medo. Quando ele chegou batendo na porta, poderia ser alguém aleatório querendo nos assaltar — recorda.
Ainda na manhã de domingo (13), ele prestou depoimento no Palácio da Polícia. Ao retornar, junto com o pizzaiolo, levou três horas para limpar a loja. Não abriu para atendimento, mas a operação será retomada nesta terça-feira (15).
— Não tenho nada a ver com o que aconteceu e tive de limpar sangue espalhado por tudo, furo de bala nas paredes recém pintadas. Todo esse prejuízo é meu e não tenho nada a ver com isso. Queimou nosso ponto, nossa única fonte de renda.