A apreensão de mais de uma tonelada de cocaína no porto de Rio Grande na tarde de quinta-feira (10) foi possível graças a um procedimento de fiscalização padrão da Receita Federal no principal terminal marítimo do Estado. Não havia suspeita ou qualquer denúncia sobre a carga ilegal descoberta em um contêiner que iria para a Bélgica. O flagrante impediu o embarque de 1.113 quilos de cocaína avaliados em R$ 202 milhões, a maior apreensão de drogas da história do porto.
— É algo muito fora do comum. Tivemos uma apreensão maior em 2017, de 200 quilos de droga, e depois sempre era em menor quantidade. Nada que chegasse a essa quantidade — compara o auditor fiscal e delegado da alfândega da Receita Federal no porto do Rio Grande, Marcos Gonçalves Colares.
Ao ingressar no terminal, o contêiner passou por uma análise de rotina que avalia riscos de carga exportadas. A verificação leva em conta variáveis como o exportador, o transportador e o destino — a Europa é dos destinos que mais acendem o alerta por ser um dos principais mercados do tráfico internacional de drogas.
— O que nos chamou mais atenção nesse caso foi o destino — aponta o auditor fiscal.
Desde 2015, quase 100% dos contêineres que circulam pelo terminal — seja por exportação ou importação, com ou sem mercadoria — são submetidos a inspeção por um scanner. A tecnologia desse equipamento é uma ferramenta fundamental na repressão ao tráfico internacional de drogas, na avaliação do delegado da Polícia Federal em Rio Grande, Ricardo Rodrigues Gonçalves.
A documentação da carga aponta que o contêiner foi abastecido na cidade de Rio Grande. E a droga foi colocada no contêiner antes de chegar ao porto, pois assim que passou pelo portão de entrada do terminal, a carga foi imediatamente submetida ao scanner, uma análise leva menos de minuto.
Nas imagens projetadas pelo equipamento, os servidores avaliam um padrão que deve ser coerente em toda extensão da carga com o produto a ser exportado. Ao verificar a mercadoria, o equipamento mostrou que uma parte da imagem destoava do restante da carga. A partir daí, a Receita decidiu abri-la.
— Se a imagem aponta alguma mudança de padrão do que estaríamos esperando, optamos por selecionar esse contêiner para verificação física. Comunicamos o exportador, e a Receita, como órgão fiscalizador, tem competência para abri-lo — detalha Gonçalves.
A droga estava dentro de um contêiner de produtos químicos, com capacidade de transporte de 22 toneladas. A cocaína ocupava duas fileiras e estava acomodada na porta, dentro de 34 malas esportivas. A Uva, uma pastor-belga-malinois, confirmou que o produto inspecionado estava "contaminado" antes mesmo da primeira mala ser aberta. Todo o restante era ocupado com o item original declarado à Receita, que não detalha a especificidade da mercadoria para não identificar o exportador.
— Foi enxertada droga em uma exportação normal e legal. Aproveitam o comércio legal para encaminhar droga. É como se a droga fosse pegar carona com o comércio legal. Se a gente não descobre, a carga chega até o destino, mas ainda teria risco de ser pega pelas autoridades do porto da Bélgica — afirma o auditor.
Referência para fiscalização
A apreensão da droga despertou o alerta no porto de Rio Grande. A Receita Federal pretende analisar a logística completa da operação desta carga para identificar pontos do procedimento de inspeção que devem ser verificados com mais atenção, explica Gonçalves:
— Vamos estudar esse caso para aprender. É um trabalho de gato e rato. Sempre que tem uma nova apreensão, sentamos e estudamos como ela foi feita e nos atentamos a qualquer fato que possa levar a novas apreensões. Qualquer coisa que fuja da rotina é motivo de apuração.
Em parceria, Receita Federal e Polícia Federal (PF) irão investigar quem era o dono da droga e o responsável pela logística. Na PF, um inquérito já foi aberto e o trabalho está em fase preliminar de coleta de informações. Também cabe à PF a destruição da droga.
Foi enxertada droga em uma exportação normal e legal. Aproveitam o comércio legal para encaminhar droga. É como se a droga fosse pegar carona com o comércio legal. Se a gente não descobre, a carga chega até o destino, mas ainda teria risco de ser pega pelas autoridades do porto da Bélgica.
MARCOS GONÇALVES COLARES
Auditor fiscal e delegado da alfândega da Receita Federal no porto do Rio Grande
— Neste momento, nada está descartado, são várias as linhas de investigação. Vamos apurar quem são as pessoas que participaram do transporte dessa droga até o porto e quem são os compradores e fornecedores. Temos várias iniciativas começando e vamos escolher qual a melhor estratégia de investigação — afirma o delegado.
A Receita fará um relatório interno, registrando a operação, detalhando como a droga foi localizada e o utilizará como subsídio para novos estudos. Conforme o auditor, todas as cargas que vão pra Europa passam por análise de risco. Atualmente, a China é a principal rota das mercadorias que saem do porto de Rio Grande, pois é o destino das commodities da produção agrícola gaúcha, seguida por Europa e Estados Unidos.
— É um receio constante de que outras cargas assim estejam passando. Queremos evitar que o porto de Rio Grande seja um caminho para o tráfico internacional. Acreditamos que tentam enviar droga por todos os portos, mas estatisticamente a Europa não tem casos de cargas de apreendidas que saem de Rio Grande. E imaginamos que aqui não seja o foco do tráfico pelo posicionamento geográfico e nível de controle que temos — avalia o auditor.