Moradores dos vales do Taquari, Rio Pardo e Sinos que passaram por atendimento médico após acidente de trânsito nos últimos quatro anos eram alvo, antes mesmo de saírem da unidade de saúde, de uma organização criminosa investigada por fraudes de pelo menos R$ 4 milhões ao seguro DPVAT.
Os casos foram confirmados pela Polícia Civil nesta quarta-feira (12), quando, pela manhã, foram cumpridas ordens judiciais contra 12 estelionatários em oito cidades gaúchas. Seis grupos cooptavam, inclusive, pessoas que sequer haviam sofrido acidentes de trânsito, e ainda ingressavam na Justiça quando tinham pedidos negados.
A operação deflagrada nesta quarta por 80 policiais civis e militares cumpriu 17 mandados de busca contra despachantes e integrantes de escritórios de corretoras em Lajeado, Cruzeiro do Sul, Estrela, Arroio do Meio e Teutônia, no Vale do Taquari, Venâncio Aires, no Vale do Rio Pardo, além de Estância Velha e Portão, no Vale do Sinos.
Em Estância Velha, um dos suspeitos foi preso porque era foragido da Justiça. O delegado Dinarte Marshall Júnior, da Delegacia de Repressão de Ações Criminosas Organizadas (Draco) de Lajeado, destaca que os investigados cooptavam vítimas de acidentes de trânsito que ainda estavam em atendimento em unidades de saúde. Em alguns casos, as pessoas sequer haviam sofrido acidente de trânsito – eram vítimas de acidentes domésticos ou de trabalho.
Os seis grupos suspeitos adulteravam laudos, inclusive falsificavam carimbos e assinaturas de médicos, e aumentavam o valor a ser recebido.
— A maioria agia com escritórios de auxílio ao encaminhamento do seguro DPVAT. Esses escritórios mantinham contato com pessoas de dentro dos hospitais que informavam da entrada de pessoas envolvidas em acidentes, e de imediato elas eram procuradas pelos golpistas — diz Marshall.
Dependendo das lesões, a organização criminosa encaminhava os pedidos de seguro com ferimentos mais graves — que eram falsos — e, com isso, os valores a mais ficavam com a quadrilha. Noventa e oito inquéritos foram instaurados entre 2014 e 2021. A apuração de todos os fatos, após confirmação de que eram referentes à mesma organização, iniciou-se em 2018.
Valores
A seguradora que administrava o seguro, segundo Marshall, confirmou que repassou aos criminosos, somente entre 2018 e 2019, R$ 5 milhões, mas a polícia apura que o montante esteja na casa dos R$ 8 milhões nos últimos quatro anos. Porém, até agora foram comprovadas fraudes no valor de pelo menos R$ 4 milhões.
A operação realizada pela manhã teve como objetivo de apreender documentos e mídias eletrônicas para se ter uma ideia dos prejuízos, bem como para verificar se há mais pessoas envolvidas. Como a investigação continua, nomes dos estelionatários e das empresas não foram divulgados.
Marshall relata ainda que muitos dos integrantes possuem bens incompatíveis com os rendimentos. Um casal integrante de um dos grupos, por exemplo, tem uma residência anunciada para a venda por R$ 900 mil e um rendimento mensal que não condiz com um imóvel deste valor.
Quando tinham pedidos de ressarcimento negados, os investigados ainda ingressavam na Justiça. A polícia diz que eles falsificavam informações para obter laudos médicos, fazer boletins de ocorrências e até para perícia. Inclusive, peritos foram aliciados para forjar dados falsos.
Até o momento a Draco apurou que 16 clínicas médicas ou hospitais tiveram documentos fraudados nos vales do Taquari e Rio Pardo, na Serra e na Região Metropolitana. Além disso 28 médicos tiveram documentos, atestados, prontuários e exames com dados adulterados ou utilização de seus nomes de forma indevida. Por causa dos golpes, os seguros estavam aumentando, segundo a polícia foi informada, para compensar esse prejuízo. Além disso, o delegado Marshall detectou que estava ocorrendo uma maior dificuldade no pagamento às vítimas em geral, que nada tinham a ver com a fraude investigada pela pela Draco de Lajeado.
A operação foi denominada Aleteia, que é a Deusa romana que personifica a verdade e se opõe à Deusa Apate, que é a enganação. Os delitos apurados são estelionato, falsificação de documentos, falsidade ideológica e associação criminosa.
Polícia explica como era a fraude
- Quando uma pessoa se acidentava no trânsito, os criminosos possuíam informantes dentro dos hospitais e demais unidades de saúde que, de posse dos dados da vítima e informações do acidente, acionavam os grupos criminosos.
- Um integrante da organização criminosa entrava em contato e oferecia os serviços do escritório para encaminhamento do auxílio DPVAT, inclusive dizendo que sem a ajuda deles a pessoa não receberia o seguro. Muitas vezes, os aliciamentos ocorriam dentro dos hospitais ou postos, com as vítimas ainda sendo atendidas.
- Após receber os documentos da vítima, os golpistas adulteravam os laudos apresentados, levavam a pessoa para uma consulta com um fisioterapeuta que participava do golpe, e as lesões eram agravadas – ou então simulavam invalidez permanente, aumentando o valor a ser recebido. Houve um caso em que foi fraudado o registro policial e o atestado de óbito de uma pessoa. Esse pagamento não foi pago pela seguradora.
- Assim que os valores eram liberados, a quadrilha repassava a parte que cabia à vítima, ou seja, apenas o valor correspondente ao ressarcimento das despesas que ela havia informado à organização criminosa, com os descontos pelos serviços, e ficava com a diferença referente ao agravamento dos ferimentos ou pela invalidez permanente.
- Em outros casos, as vítimas eram coniventes com a fraude, posto que sabiam não terem sofrido acidentes de trânsito, mas sim acidentes de trabalho ou domésticos. Tais pessoas eram então cooptadas pelos fraudadores que faziam registros falsos e, consequentemente, laudos e perícias falsos.
- As investigações apuraram ainda que, mesmo após a negativa administrativa pela seguradora, o grupo não desistia e eram ajuizadas ações, buscando o pagamento na esfera litigiosa. Nesta fase, eram igualmente cooptados peritos e as vítimas eram sabedoras de que não teriam sofrido lesões de natureza permanente. Há ainda dezenas de ações tramitando na Justiça de Porto Alegre e Lajeado, buscando esse pagamento irregular.
DPVAT
O DPVAT é um seguro obrigatório de caráter social que protege os brasileiros em casos de acidentes de trânsito, sem apuração da culpa. Ele pode ser destinado a qualquer acidentado em território nacional: motorista, passageiro ou pedestre. O benefício oferece três tipos de coberturas: morte (R$ 13,5 mil), invalidez permanente (de R$ 135 a R$ 13,5 mil) e reembolso de despesas médicas e suplementares (até R$ 2,7 mil). A proteção é assegurada por um período de até três anos.
Vítimas e beneficiários de acidentes de trânsito podem dar entrada no seguro DPVAT por conta própria e de forma gratuita. Não é necessário um intermediário. A partir deste ano, o pedido de indenização deve ser feito junto à Caixa Econômica Federal, atual gestora do seguro DPVAT.
O que diz a Caixa
"A Caixa é responsável pelas análises das solicitações de indenização do DPVAT relativas aos acidentes de trânsito ocorridos a partir de 01/01/2021.
Um dos principais motivos pelos quais a Caixa foi contratada pelo Governo Federal para o pagamento do DPVAT foi justamente a capacidade tecnológica aplicada na prevenção e redução de fraudes. Importante frisar que o processo de atendimento criado pela Caixa não necessita de intermediários e, em caso de aprovação da indenização, os valores são obrigatoriamente pagos diretamente ao beneficiário, o que mitiga riscos.
Por fim, a Caixa informa que atua conjuntamente com a Polícia Federal e demais órgãos de segurança pública na identificação e investigação de casos suspeitos e prevenção a fraudes e, sempre que necessário, atuará da mesma forma nas operações envolvendo DPVAT.
Assessoria de Imprensa Caixa
Regional Caxias do Sul"